Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Imagine um cenário em que realidade não existe mais e tudo o que você vê e experiencia vem de uma novela. Essa é a premissa de A Telenovela Errante (La Telenovela Errante, 2017), que retrata um Chile no qual as telenovelas servem como filtro social, escolhendo cuidadosamente o que falar quando o assunto é política e economia. O longa começou a ser filmado pelo diretor chileno Raúl Ruiz em 1990, mas só foi finalizado por sua esposa, Valeria Sarmiento, em 2017. A espera de 25 anos é justificada pelo falecimento de Raúl seis anos atrás, sendo A Telenovela Errante um trabalho postumamente lançado.
O longa é composto por sete sketches, separadas por sete “dias”. Cada uma delas vem de uma novela diferente mas como aspecto em comum todas apresentam metalinguagem (com os próprios atores falando e assistindo outras novelas), caráter satírico e traços surrealistas. De maneira geral, representam o momento político que o Chile estava vivendo, uma transição da ditadura para a democracia. O filme assume um formato de paródia o tempo todo, refletindo o olhar estranho e curioso que Ruiz tinha para essa nova sociedade chilena em formação.

Imagem: reprodução
As sketches tratam de adultério, violência, posicionamentos políticos e diversos outros temáticas. As três primeiras, com esses temas em debate, são as mais ligeiramente divertidas e possuem uma linguagem mais próxima das novelas que conhecemos. O diretor usa e abusa de diálogos dramáticos e exagerados – um tanto melosos, dignos de novelas mexicanas – e piadas sem noção, comuns às “comédias pastelão”. Muito do aspecto surrealista da história vem desse humor nonsense e, muitas vezes, bobo. Progressivamente, as sketches ficam mais surreais e difíceis de entender, com situações bizarras e absurdas. Parece que Ruiz foi se afastando do objetivo inicial, ou seja, a obra perde um pouco a atmosfera das soap operas e adentra-se no surrealismo. O espectador sai do cinema com uma impressão desconexa do todo e a sensação de não ter conseguido captar completamente o que o diretor pretendia transmitir.
Também por não conhecer a fundo a história política do Chile e as suas tradições de telenovelas, muito do entendimento do filme é perdido no meio do caminho. É uma obra, em geral, feita para sua época e para o seu país. Seu humor não é para qualquer um. Sua história não é para qualquer um. Seu surrealismo não é para qualquer um. Poucos irão se divertir o assistindo. Outros não vão achar graça alguma. Essa é a sétima arte. Se você quer conhecer um pouco mais do universo das novelas chilenas e arriscar-se com a obra de um diretor experimental, vá conferir A Telenovela Errante.
Antes, para descobrir mais um pouco, assista ao trailer:
por Giovanna Simonetti
g_simonetti@usp.br