Imagem de capa: Beatriz Gatti / Jornalismo Júnior
Para entrar no Museu de Arte de São Paulo, é necessário que as mulheres estejam nuas? É com esse questionamento que as Guerrilla Girls chegam a São Paulo e estreiam no MASP, deixando claro que, no Brasil, a realidade de mulheres no campo da arte é tão problemática quantono resto do mundo.
Na mesma obra, os dados apresentados em seguida nos levam a uma reflexão que causa incômodo: “Apenas 6% dos artistas do acervo em exposição são mulheres, mas 60% dos nus são femininos.” Por meio de cartazes e pôsteres e com uma abordagem provocativa, o grupo de ativistas feministas escancara a discriminação étnica e de gênero que, há muito tempo, se faz presente no cinema, na arte e na cultura pop.
O grupo surgiu em meio à revolta gerada por uma exposição no MoMA, em 1984, na qual dentre os 165 artistas, apenas treze eram mulheres. A partir desse estopim, as GG iniciaram suas primeiras intervenções públicas que expunham a diminuta participação feminina nos museus e galerias de arte. Sempre vestidas com máscaras de gorilas e identificadas por codinomes de artistas femininas (como Frida Kahlo, Kathe Kollwitz ou Shigeko Kubota), suas identidades não são conhecidas e, com o anonimato, elas buscam que o foco seja mantido na ação, naquilo que é abordado; não em figuras pessoais.
“Guerrilla Girls Gráfica”, em exibição desde 29 de setembro, apresenta um conjunto de 116 obras que dão um completo panorama da atuação do grupo. Os cartazes são divididos em dois ciclos: dos primeiros pôsteres (1985) até 1997 e de 1999 até os dias de hoje. A exposição também conta com dois trabalhos brasileiros, produzidos recentemente.
Apesar da permanente resistência e abordagem irônica e provocativa, é possível notar uma transformação do grupo entre esses dois períodos. O primeiro trabalha bastante em cima da questão dos direitos das mulheres – e o preconceito – e traz cartazes informativos, em sua maioria, em preto e branco. Com dados que denunciam diversos museus, artistas e representantes públicos, é posta em evidência a omissão dessas figuras diante de um cenário sexista e racista. Problemas da sociedade americana também são trazidos à tona, como a corrupção e a desigualdade, além de se dar destaque aos direitos dos LGBTs.
A segunda parte da exposição é mais ampla nos temas, sem se afastar da linha crítica principal. Com mais cores e desenhos, os cartazes trazem muitas referências e os mais recentes satirizam o panorama atual da política norte-americana.
De maneira geral, as GG intervêm muito nos próprios cartazes, promovendo adaptações em antigos pôsteres e, assim, mantendo uma certa forma de vigília ao atualizar os dados. Além disso, o grupo tem obras que possuem várias versões, sejam elas apresentadas em sequência, sejam aquelas difundidas em diversos idiomas.
A maneira inteligente como as GG atingem o público e buscam atenção para suas pautas evidentemente traz reações contrárias. E elas, novamente, lidam muito bem com os obstáculos. Categorizadas como “reclamonas”, agora se auto-intitulam como “reclamonas criativas”. Com um tipo de humor que expõe fatos e números intrigantes, as Guerrilla Girls representam um grito engasgado na garganta das mulheres, que clamam por espaço em mais um setor da sociedade.
Enquanto uma onda de conservadorismo levanta polêmicas e põe em pauta “o que é arte”, as mulheres continuam na luta primária para exercê-la de forma justa. E sobre isso muito pouco se discute.
Por Beatriz Gatti
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