Na rua Aurora, no Recife, situava-se o já extinto Departamento de Ordem e Política Social (DOPS) de Pernambuco durante a Ditadura Militar. O DOPS era uma das mais importantes instituições utilizadas pelo governo para assegurar o domínio do regime sobre a população e seus arquivos eram repletos de documentos envolvendo os perseguidos políticos da época. Foi a partir destes documentos que o italiano Diego Di Niglio, estreante no cinema, idealizou e dirigiu o documentário Aurora 1964 (2017).
O filme se utiliza de várias gravações, fotos e documentos para dar uma maior noção ao espectador sobre os malefícios causados pela Ditadura Militar na vida de inúmeras pessoas. Abrindo com parte da fala do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, deposto em 1964 pelos militares, a obra já nos persuade ao incluir ditos do político sugerindo que a atitude do exército seria contra a vontade da população que o elegeu e afirmando que, por isso, jamais renunciaria. Tais palavras ainda acabam não tendo apenas este propósito, pois descobrimos ao final do filme que dialogam diretamente com as cenas finais, envolvendo o impeachment da ex-presidente Dilma, que usou um discurso parecido durante o processo.
Aurora 1964 ainda se vale de uma proposta curiosa e um tanto inovadora. Em documentários sobre este período da história do Brasil, o usual é serem apresentadas as visões das maiores capitais do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a luta pela democracia estava mais aos olhos do povo. Apesar disso, o filme pretende mostrar a realidade de Pernambuco durante o regime, através não só de documentos, mas de depoimentos de indivíduos que tiveram alguma relação com a perseguição política vigente no período. Dessa forma, vemos pessoas que protestaram ativamente pelos seus direitos, parentes de políticos perseguidos, conhecidos de desaparecidos, entre outros.
Essa variedade em Aurora 1964 ajuda a criar uma metonímia da sociedade na época, com Pernambuco sendo a parte e o Brasil sendo o todo. No entanto, o foco em uma visão pouco mostrada para a população brasileira no geral também pode causar confusão pelo grande número de personagens e situações históricas retratadas, que normalmente não são reconhecidas por muitos.
Outro fator que tem a função de auxiliar na imersão do espectador neste período de Ditadura Militar do Brasil é a trilha sonora. Cuidadosamente selecionada, consiste de músicas condizentes com nosso imaginário quando pensamos nos anos 60 – mesmo para quem não viveu na época. Ainda assim, em muitos momentos a trilha de Aurora 1964 entra de modo abrupto e causa um estranhamento difícil de não ser percebido.
O filme faz parte da mostra Novíssimo Cinema Brasileiro, do CINUSP, que acontece nos dias 5 a 29 de março. Confira o teaser:
por Bruno Menezes
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