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Triângulo do Lítio: exploração do metal na América Latina

Chamado de “Ouro Branco” por seu valor estratégico na indústria tecnológica, Lítio instaura disputa internacional pela ocupação dos territórios no ABC Latino
por Marcella Zwicker (marcellazwicker@usp.br)

No início do século XXI, começou a ser explorada a futura preciosidade do capitalismo: o Lítio (Li), um mineral leve, com alta capacidade de armazenamento de energia e que serve como insumo para baterias de carros e de eletrônicos. Apelidado de “Ouro Branco”, ele é abundante nas salmouras latinas e instiga a instalação de mineradoras estrangeiras que almejam a transição energética — pois é uma alternativa sustentável em relação à queima de combustíveis fósseis.

O mineral é o primeiro dos metais alcalinos. Seu número atômico é 3 e sua massa, 7, o que garante ao elemento um caráter leve, pouco denso, maleável e de fácil utilização.  Apresenta apenas um elétron na sua camada externa (de valência) e está sempre disposto a “doá-lo” para outro átomo; características que tornam o Lítio  reativo, inflamável e  muito energético.

Tabela periódica, sinalizando o lítio no segundo período
O Lítio está no começo do segundo período da Tabela, o que significa que o elemento contém 2 camadas de elétrons, com apenas um na camada valente  [Imagem: Reprodução/@emsintese/Flikir] 

Pesquisadores ao redor do mundo estão em busca de outros elementos capazes de substituir os recursos fósseis para a produção de energia, entretanto, nenhum parece ser tão viável quanto o Lítio. 

Além disso, o mineral apresenta outras funcionalidades que atraem investidores. Ele compõe medicamentos para depressão e bipolaridade, está presente em marca-passos cardíacos, é tratado para a fabricação de telescópios e de lubrificantes para máquinas. Quando ligado com o alumínio, ele ainda é utilizado na construção de aviões e comboios de alta velocidade. Quanto mais estudado, mais cobiçado. 

Acordos internacionais que incentivam a redução das emissões de carbono impulsionam a introdução do Lítio na economia global. Esses tratados buscam substituir o petróleo na produção e estocagem de energia, recurso que libera gases do efeito estufa (como o CO2) e agrava o  aquecimento global.

A alternativa mais conhecida para mitigar esse problema é a fabricação de energia limpa por via eólica ou solar. Entretanto, diferente do que ocorre com o mineral, a disponibilidade da matéria prima para esses processos é oscilante e depende de muito armazenamento. Nos dias de ventos ou incidência solar intensos, é preciso guardar a energia produzida  pois, em outro momento, esses recursos podem estar escassos.

Outro fator que explica o protagonismo do Lítio é a evolução das tecnologias e a demanda por baterias independentes. Quanto mais computadores e celulares são utilizados, mais energia eles gastam, o que aumenta a demanda por aparelhos com bateria mais duradoura. A população busca cargas cada vez mais eficientes, que permitam mais mobilidade e menos tempo de carregamento. 

Onde está o Lítio?

Chamada de Triângulo do Lítio, o local de maior abundância na América Latina inclui territórios da Argentina, da Bolívia e do Chile. A região está em posição estratégica, pois foi formada em ambientes desérticos e afastados dos centros urbanos, como o Atacama. Além disso, não há muitos conflitos iminentes,  como a guerra no Oriente Médio que dificulta a extração do petróleo.

Os pesquisadores Ana Klara Fróes e Luciano Duarte, mestranda e professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) concederam entrevista para o Laboratório. “Nenhuma fonte é substituída por acabar, mas porque se encontra uma alternativa melhor”, explica Duarte. Ele acrescenta que há interesses econômicos em torno da corrida pelo lítio que excedem as preocupações ambientais.

A extração do Lítio é uma atividade politicamente conveniente: segundo os pesquisadores, o ambiente encontrado na América é favorável à extração,  devido à facilidade de instalação das empresas privadas e de circulação do capital internacional.

O fenômeno instaura um novo circuito global de produção, que requer infraestrutura de escoamento e parcerias estatais. Os investimentos da China em ferrovias na região são um exemplo: é uma tentativa de centralizar o transporte do mineral nas construtoras e transportadoras chinesas. “A Rota Bioceânica recém discutida é um projeto guiado por essa ideologia”, diz Ana Klara.

“Ouro Branco”: características e extração 

A geologia explica a abundância do Lítio na região do ABC. O metal é encontrado em salares, que são planícies secas cobertas por sal e outros minerais, como o Li. Elas surgem pois a água de chuvas ou dos rios se acumula em  bacias endorreicas, depressões geográficas onde não há escoamento para o mar, ao longo de milhares de anos. Isso faz com que a água evapore no local, devido também ao clima quente da região.

Com a evaporação, os minerais sólidos e a água líquida são separados. Dessa forma, esses elementos permanecem no solo e, conforme o passar do tempo, são absorvidos. É criada, enfim, uma crosta branca no chão, repleta de elementos químicos.

Maior reserva de lítio do mundo; horizonte composto por sal
Salar de Uyuni, na Bolívia. É a maior reserva de Lítio do mundo com 10 mil km² de salares. [Imagem: Danielle Pereira/Flickr]

A extração do lítio no método tradicional, por salmouras, é simples comparada a outras formas de mineração: perfura-se o solo até atingir camadas abaixo dos aquíferos subterrâneos; delas, é extraída a salmoura, que é bombeada para tanques abertos e deixada para evaporar.

Assim, a água é separada dos minerais, incluindo o lítio, que são levados a uma refinaria. Cientistas têm estudado formas mais eficientes de realizar o processo, mas o método tradicional prevalece na América Latina.

Ao todo, somam-se cerca de 15 salares no bloco geográfico. O território total deles contém mais de 50% de todo o Lítio no planeta: a Bolívia abriga a maior reserva, o salar de Uyuni em Potosí, o mais explorado até hoje devido a sua extensão. O país também conta com outro, menos explorado, localizado em Coipasa.

A Argentina tem muitos salares menores, mas relevantes. São exemplos o Salar del Hombre Muerto, em Catamarca, e, em Jujuy, os salares Olaroz e Cauchari. No Chile, se destaca o Salar do Atacama.

Cada um dos países do ABC do Lítio têm legislações diferentes para a capitalização do recurso. Segundo Ana Klara, o passado colonial e extrativista da América Latina tem diferentes impactos nas medidas adotadas por cada Estado.

A Argentina adota uma política neoliberal, que permite abertura total para o investimento estrangeiro. Empresas privadas podem livremente se instalar nos salares argentinos, mas dada a organização provincial autônoma, os estados do país variam a legislação acerca da extração do Li: não há regra federal, soberana, quanto ao assunto.

A Bolívia, por outro lado, tem postura mais protecionista e procurou embargar o mineral no país até que se pudesse torná-lo manufaturado internamente, e não obteve relevante êxito até o momento. Seu governo, alinhado à esquerda e às causas indígenas, busca maneiras de reduzir os impactos do capital estrangeiro. Devido a esses embargos, cada vez mais fracos, muito do Lítio na região ainda não foi explorado.

O Chile, por fim, tem tradição mineradora desde o Cobre e se mantém cuidadoso, realizando uma extração planejada e dividida entre o estatal e o privado. Sua infraestrutura é mais adaptada,  e não haverá tantas mudanças no território do país em função do lítio. 

O restante dos envolvidos, por outro lado, implantarão estruturas novas para as empresas, como estradas, ferrovias, rede elétrica e de comunicações que levam aos desertos.

Imagem ampa de Solo do Salar de Uyini, na Bolívia
Solo do Salar de Uyuni, na Bolívia, coberto pela crosta da salmoura. [Imagem: Leonardo Rossatti/Pexels]

Contradições: fatores socioambientais

Outras alterações socioeconômicas são esperadas com o crescimento da extração do Lítio. Cientistas estudam as implicações desse novo circuito nas comunidades locais e na biodiversidade. 

Empresas interessadas em explorar o ABC do Lítio afirmam que a instalação das mineradoras será responsável por gerar empregos e desenvolvimento para a população. Porém, Ana Klara aponta que pesquisas recentes indicam o contrário: “A chegada dessas empresas está causando a migração dessas comunidades”.

De acordo com a pesquisadora, os impactos atingem diversas “camadas” socioambientais. “Os recursos hídricos são escassos, a região é considerada muito seca, mas há um ciclo natural da água que as comunidades se adaptam e é suficiente para elas. O conglomerado industrial, então, chega e esgota esses recursos: o bombeamento das salmouras e o mantimento da nova estrutura requerem muita água, que antes abastecia o povo”.

Falhas geológicas também fomentam preocupações. A mineração por bombeamento perfura o solo das salmouras e, como consequência, desestabiliza as camadas mais profundas da crosta. Esse fenômeno atinge os aquíferos, que estimulam as rochas e instigam falhas geológicas. Ana Klara afirma que há regiões do Atacama que estão cedendo e afundando. 

A chegada de um ciclo de produção implica na ocupação de grandes territórios e na chegada de novas pessoas, que consomem o espaço e os recursos utilizados por povos locais para a sua subsistência. “Poluição sonora e do ar; seca constante nos aquíferos da região; retirada de terras, de água. Emissões atmosféricas, resíduos químicos usados a céu aberto”, exemplifica Fróes sobre o cenário do Triângulo do Lítio ocupado pela indústria. 

O processo de extração do lítio ainda utiliza combustíveis fósseis para motorizar a produção e ativar as bombas. A pesquisadora cita que o transporte e a utilização dos resíduos químicos também levam à evaporação dessas substâncias, que alcançam a atmosfera.

“Além disso, é muito caro retirar todo o lixo produzido pela extração e transportar para algum local de descarte correto; ele tem sido deixado no deserto. Atacama hoje é considerado um deserto de lixo”, afirma. Esse fenômeno afeta o solo e a biodiversidade locais.

Comunidades tradicionais persistem se manifestando contra a chegada. Mas cada país do Triângulo tem políticas diferentes em relação a essas pessoas. A Bolívia tem uma constituição federal plurinacional, que reconhece as populações indígenas e incorpora a natureza como Ente de direito, fator que abre margem para a defesa dessas pessoas e do ambiente. Já a Argentina não reconhece esses povos como parte da nação, e não tem leis federais relevantes de proteção a eles.

Porque o Lítio é considerado uma alternativa para a energia limpa?

A redução de emissões carbônicas é peça chave na discussão. Acordos como o de Paris, realizado em 2015, buscam a substituição da matéria prima fóssil a fim de reduzir o aquecimento global.

“O lítio é alternativa por ser uma escolha política. Como estamos em um contexto capitalista e de busca pelo crescimento econômico, não se pode ter uma transição energética que vá contra essa tendência de lucratividade.”, afirma Luciano Duarte.

Eles afirmam que trata-se apenas de uma ‘transição de impactos’. “Como está exaurindo os recursos antigos, procura-se novos espaços de expansão. Percebeu-se que o lítio era uma fronteira ainda não explorada, com reservas não exploradas. E com menor resistência a extração nessas áreas”, finaliza o professor.

Tanque de evaporação em mina de Lítio na Bolívia
Tanque de evaporação em mina de lítio visto de cima, na Bolívia. Esses campos são retangulares e rasos, para facilitar a coleta. [Imagem: Coordenação Geral de Observação da Terra – INPE/Flickr]

Futuro: análise dos próximos passos

Em análise, os pesquisadores Duarte e Fróes são pessimistas sobre o futuro socioeconômico da América Latina, pois o bloco tende a reproduzir padrões coloniais e extrativistas. Isto é, eles acreditam que a América Latina manterá o lítio em condição de commodity e dependente da exploração estrangeira.

Quanto ao futuro da questão ambiental, estudos atuais tentam são feitos atualmente para prever e dimensionar o impacto do lítio ao longo dos anos. Em entrevista para o Laboratório, Beatriz Carneiro esclarece o que já se sabe sobre o assunto. 

Engenheira ambiental pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Sustentabilidade e Economia Circular pela Graz University, na Áustria, a pesquisadora indica formas de mensurar o impacto futuro dessa atividade mineradora: “Para se estimar o impacto potencial futuro, uma das formas é mapear as reservas de lítio existentes no Brasil, por exemplo, e fazer análises espaciais com imagem das regiões no entorno dessas reservas. Estudos anteriores mostram que até 70km ao entorno de uma mina há risco de desmatamento indireto devido a abertura de estradas ou expansão da linha de transmissão de energia elétrica, por exemplo”.

Políticas estatais podem ser adotadas para minimizar o efeito da atividade mineradora nas comunidades locais. “[Uma das possibilidades é] fazer um planejamento estratégico para autorização da abertura de novas minas, considerando regiões sensíveis no entorno; evitando regiões sociobiodiversas”, explica Beatriz.

Ela complementa que é preciso ouvir as comunidades locais para traçar, em conjunto, a melhor localidade para a mina, e construir medidas para reduzir ao máximo o impacto local. Algumas dessas medidas são investimentos no reuso e na reciclagem do lítio utilizado nas baterias; além de esforços para redução do consumo de energia para minimizar a demanda para mais mineração.

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