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Cultura no octógono: batalhas de rima entre arte e esporte

Ligas esportivas tomam conta do cenário dos versos de rua e abrem discussão sobre identidade das batalhas

Por Giovanna Martini (m.martini@usp.br)

Em julho de 2025, a Batalha da Aldeia (BDA) comemorou sua 9ª edição com o tema “O futuro em seus olhos”. Considerada uma das batalhas de rua mais famosas do Brasil, o evento reuniu 12 trios de MCs em um octógono, valendo uma premiação de R$ 100 mil. A forte presença das ligas esportivas de freestyle no evento levantou a questão que ganha cada vez mais espaço: afinal, as batalhas de rima são manifestação cultural ou competição esportiva? 

MC's sendo premiados após a Batalha da Aldeia

Para celebrar seus 9 anos, a BDA contou com o apoio de grandes patrocinadores, incluindo iFood e Vans [Imagem: Reprodução/Instagram/@podpah]

O cenário das batalhas de rua

A propagação do hip-hop no Brasil foi o marco inicial para a criação das batalhas de rima no país. Desde as origens, a cena das rimas reúne jovens em praças públicas para se expressarem e discutirem questões sociais e políticas. Em 2003, no Rio de Janeiro, surgiu a Batalha do Real – considerada pioneira na organização de disputas entre MCs. O evento foi um dos responsáveis por disseminar grandes nomes da cultura, como Filipe Ret e Xamã. Em São Paulo, as batalhas ganharam destaque com a criação da Batalha do Santa Cruz, em 2006. Esses eventos foram essenciais na consolidação das batalhas como são conhecidas hoje e a disseminação da cultura do rap. 

Com a popularização de batalhas como a Aldeia, Norte e Ana Rosa, o público dos eventos se multiplicou. Entretanto, há cerca de cinco anos,o cenário era outro. O pouco investimento e a baixa premiação das batalhas eram empecilhos para os MCs viverem da própria arte. Com o crescimento das ligas esportivas, esse contexto mudou. Em entrevista ao Arquibancada, DouglasBeatz, produtor musical e DJ em batalhas de rima, comentou sobre o tema: “Muitas pessoas têm que pesar, dar mais prioridade pra um trabalho CLT do que focar na sua arte. As equipes [esportivas] dão esse apoio financeiro, ajudam as pessoas a se manterem e facilita com que o freestyle seja de altíssimo nível”. 

O crescimento das batalhas tornou os investimentos mais estratégicos para fortalecer o cenário. Além das ligas esportivas, patrocinadores passaram a apoiar eventos e artistas, proporcionando maior estrutura e premiações mais consistentes. Um exemplo recente é a parceria da Batalha da Aldeia com o podcast Podpah, que passou a transmitir semanalmente as edições da BDA no canal do YouTube do programa. A iniciativa tornou as batalhas acessíveis para aqueles que não podem estar presentes nas praças, aproximando ainda mais a cultura do público geral.

Igão e Mitico, hosters do Podpah, junto a mais dois MCs

Em parceria há mais de um ano, o Podpah dobrou a premiação dos MCs que rimam na Batalha da Aldeia. [Imagem: Reprodução/Instagram/@podpah]

A profissionalização das batalhas também proporciona aos MCs maior visibilidade nas redes sociais, ampliando o alcance e disseminando cada vez mais as raízes do hip-hop. A repercussão das mídias digitais dão destaque a artistas  já conhecidos na cena, mas que antes tinham pouca projeção fora do ambiente das batalhas, além de estimular o surgimento de novos talentos. Esse crescimento fortalece o cenário e o torna cíclico: enquanto lendas das rimas se aposentam, novas promessas iniciam sua caminhada.

“Hoje, com a formação das equipes e com todo o crescimento da mídia, os artistas  conseguem viver um pouco melhor, viver da própria arte.”

DouglasBeatz

A força cultural das batalhas

A construção das rimas que levam a plateia à loucura demanda o estudo e preparo que se assemelha muito ao da poesia. Atrás das rimas virais, existe o trabalho de tornar seus versos atrativos à plateia, ofensivos (e ainda sim respeitosos) ao adversário e atraente para os jurados. Toda essa forma complexa de se expressar se caracteriza como um movimento artístico. 

Em entrevista ao Arquibancada, Maria Julia Mendes Nogueira,  professora de artes do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), mestre em educação pela Universidade de Sorocaba (UNISO) e habilitada em música pela Faculdade Mozarteum, comentou sobre a essência artística envolvida nas batalhas de rua: “Dividir as estrofes, construir as rimas de acordo com os parâmetros do jogo, utilizar termos impactantes sem cair nos xingamentos e construir o ritmo também com a expressão corporal são algumas das formas de demonstrar habilidade para essa prática artística bastante expressiva.”

“Observo como um desfile de palavras que se constroem no improviso, o que justamente caracteriza a beleza técnica dos sentidos que se formam.”

 Maria Julia

Competidores premiados na Batalha da USP

A USP Leste promove a “Batalha da USP”, evento de rimas que acontece na estação de metrô da universidade [Imagem: Reprodução/Instagram/@batalhadausp]

Ainda que seja uma expressão cultural muito importante para milhares de pessoas, as batalhas carregam, também, elementos esportivos em seus costumes. Os jurados – que atuam como juízes, – as regras, a competitividade e a rivalidade exemplificam essas características. Esses traços, no entanto, não descaracterizam as rimas como uma manifestação cultural, apenas agregam mais identidade. “Considero que jurados e regras são desafios fundamentais para excelência da técnica artística, ou seja, o jogador deve ‘driblar’ as palavras e o sentido delas formando desenhos rítmicos sem perder a objetividade dos versos.” comenta a professora. 

O esporte das rimas

Quando se fala em esporte, a imagem mais comum é a de corpos em movimento: atletas correndo, suando, testando seus limites físicos. Mas essa é apenas uma das formas que o esporte pode assumir. A preparação de um MC para uma batalha exige treino, concentração e domínio mental, um exercício intenso que fortalece a criatividade. Não só o preparo da mente para contar versos e criar rimas que façam sentido para quem assiste, o treino da voz e do fôlego são cruciais para quem está nesse meio. “Eu acho que impactaria [as batalhas serem reconhecidas como modalidade esportiva], mas em um sentido bom. Um esporte que as pessoas treinam e exercitam não só o corpo, mas a mente, só tem a agregar.” comenta o DJ. 

Mais do que preparo individual, o fortalecimento das batalhas passa também pela estrutura coletiva. As equipes esportivas cumprem um papel essencial que vai além do apoio financeiro: são responsáveis por dar visibilidade a MCs que representam a diversidade dentro do cenário. O Favera Freestyle, time composto por Winnit, Neguin, Kaemy, Vitu e Dadin, é um exemplo de diversidade no meio das batalhas de rima. A equipe representa a comunidade LGBTQIAP+, a Região Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, dando voz a um grupo que às vezes é esquecido no meio das batalhas do Sul e Sudeste. Além disso, o patrocínio investido nos MCs é crucial para que eles possam viver da própria arte, sendo o suporte necessário para que os rappers possam se dedicar completamente às batalhas. 

Poster de divulgação da apresentação do Favera freestyle no The Town 2025

O Favera Freestyle se apresentou no Palco Quebrada do The Town Festival 2025, em evento promovido pela BDA. [Imagem: Reprodução/Instagram/@faverafreestyle]

Se as equipes funcionam como o suporte dos artistas, os jurados são a garantia da ordem dentro do octógono. Personagens fundamentais e frequentemente esquecidos, cumprem um papel semelhante ao de árbitros no futebol — geralmente só são mencionados para reclamar de alguma decisão que desfavorece o time (ou o MC) que o espectador simpatiza. Mas poucas vezes são reconhecidos por sua principal função: tomar as rédeas da batalha e não permitir que a cultura de rua se transforme em confusão. 

As regras são feitas para serem seguidas, mas no calor do momento e da emoção, poucos conseguem manter a racionalidade para segui-las. Um exemplo recente da importância desses personagens aconteceu no evento de aniversário de 9 anos da Batalha da Aldeia, durante uma das batalhas mais quentes da noite — o trio de Brennuz, Grafiteh e Jhonny, contra Kroy, Bask e Japa. Mesmo com o aviso verbal dos apresentadores, foram os jurados que, ao retirar pontos das rimas dos MCs, efetivamente controlaram a situação. 

Assim como os jurados, outro personagem essencial que muitas vezes passa despercebido é o DJ. No senso comum esse papel é muito simples: escolher uma batida qualquer e assistir enquanto os MCs rimam. Mas a realidade vai muito além disso, ele é responsável por comandar o ritmo da disputa e ditar o tom de cada confronto, adaptando o beat à energia e ao estilo dos competidores. Eles são essenciais para que o espetáculo (ou a competição) aconteça. “Como DJ na batalha de rima, você tem que conhecer bem os estilos de todos MCs, e entender mais ou menos qual o feeling que eles estão naquele momento. Independente de ser mais competitivo ou não, você tem que estar 100 % atento o tempo inteiro em todos os assuntos que eles falam.” afirma DouglasBeatz.

Artista se apresentando em uma batalha de rima

Diversos nomes do rap brasileiro surgiram nas batalhas de rima – entre eles, Emicida. [Imagem: Reprodução/Instagram/@batalhadaleste]

Esporte e cultura em harmonia

Muito mais que definir as batalhas de rima com uma única identidade, cultura ou esporte, é importante entender as múltiplas possibilidades de uma cultura tão rica. Nem mesmo o futebol pode ser definido apenas como um esporte — se reunir com pessoas que ama para um churrasco no domingo em que seu time joga é cultura, por exemplo. Os clássicos estaduais, como o Grenal (Grêmio e Internacional) e o Derby Paulista (Corinthians e Palmeiras), são  igualmente culturais. Do mesmo modo, se reunir em praças para acompanhar um espetáculo de rimas é cultura, e se preparar física e mentalmente para competir nessas batalhas é esporte. Reconhecer esses eventos como prática esportiva não diminui sua essência cultural, pelo contrário, reafirma que a arte também exige treino, e que as praças são o campo onde quem vence é a cultura. 

“Os artistas hoje são atletas, são profissionais. Mas o esporte é cultural, é uma manifestação cultural.”

DouglasBeatz

*Montagem de capa com fotos de [Reprodução/Instagram/@opoeta____ ] e [Reprodução/Instagram/@westblue___]

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