Após a renúncia de Bento XVI, o colégio de cardeais se reúne mais uma vez para escolher o novo líder da Igreja Católica
Por Ana Lourenço (carvalho.ana37@gmail.com), Fernando Pivetti (fernandopivetti@gmail.com) e Mariana Fonseca (fsc.mariana@gmail.com)
Eram oito horas da noite quando os guardas suíços fecharam os pesados portões de Castel Gandolfo, nas proximidades de Roma. A multidão em volta do comboio de defesa aplaudia e gritava Viva il Papa!, com homenagens e placas. Foi assim que Joseph Ratzinger se enclausurou em sua residência de verão, onde passará os próximos dois meses – e, com seu sucessor definido, irá para um mosteiro de clausura no Vaticano pelo resto de sua vida.
Seus aposentos no Vaticano foram selados, esperando o próximo escolhido. Foi na quinta-feira, dia 28, que ele se tornou o primeiro sumo pontífice a abdicar em 600 anos, com a declaração de que se manteria próximo a todos os católicos em oração “como um simples peregrino” a partir das 20hrs. E é nessa condição de peregrino que seu lugar agora é aberto, sede vacante. Até mesmo seu Twitter fechou as portas. O papa postou seu último tweet na conta @pontifex enquanto saía da Basílica de São Pedro, em direção a Castel Gandolfo: “coloquem Cristo no centro de suas vidas. Obrigado por vosso amor e por vosso apoio”.
Foi mais do que de repente. Era dia 11 de fevereiro: Bento XVI, para surpresa geral, após oito anos no trono, tomou a decisão de renunciar, alegando “falta de forças”. “Tomei este passo com plena consciência de sua gravidade e também de sua novidade, mas também com grande serenidade da alma”, disse Ratzinger na quarta-feira a uma multidão reunida na Praça de São Pedro.
O anúncio desencadeou uma série de especulações, como as de que escândalos de abuso sexual, dinheiro e poder poderiam ter influenciado a decisão do Papa. Deixa a seu sucessor, a quem prometeu “obediência incondicional”, a responsabilidade de uma Igreja que enfrenta vários desafios para manter sua antiga glória, como a contestação interna, a perseguição de cristãos no mundo, múltiplos conflitos étnicos e escândalos.
E o futuro?
Mesmo antes do conclave ter início (nessa terça-feira, dia 12), várias questões que o novo escolhido terá de enfrentar rondam a Igreja Católica. A pressão midiática é fortíssima e especulações sobre o possíveis candidatos aparecem todos os dias, inclusive sobre suas visões – tradicionalistas ou não. Outra complicação externa é a relação da instituição com as outras religiões (principalmente muçulmanos, budistas e ateus), uma questão que não foi decidida no pontificado de Bento XVI, apesar de alguns avanços.
Mas o principal obstáculo está dentro da instituição. O relatório do caso Vatileaks, um dos episódios mais conturbados da era Ratzinger, pode pesar na decisão dos cardeais, embora o Papa Emérito tenha decidido manter os documentos em sigilo até a posse do novo pontífice. Os documentos confidenciais, que incluíam cartas secretas ao Papa sobre temas como as intrigas do Vaticano, esquemas de corrupção, escândalos sexuais e jogos políticos, foram divulgados pelo mordomo do Papa, Paolo Gabriele, condenado a 18 meses de prisão. Após o vazamento das informações, Bento XVI renovou parte do governo central da Igreja e reafirmou sua confiança nos colaboradores mais próximos.
A relação da Igreja com a ciência é mais um percalço, apesar de ter sido melhorada desde o discurso de João Paulo II (que pediu perdão, em nome da Igreja, por esta ter condenado Galileu e Darwin, admitindo o evolucionismo). Porém, algumas pendências contemporâneas ainda não foram discutidas e aprofundadas, como o debate sobre células-tronco, nanotecnologia e fertilizações in vitro.
A reforma litúrgica é outro ponto em questão. Dar fim ao tabu em relação à moral sexual é um dos temas mais delicados que deverá ser cobrado do novo Papa (atualmente, é vetado debater o tema no interior da Igreja), como o uso de métodos contraceptivos, o aborto, a união de homossexuais, o celibato obrigatório a padres e o acesso das mulheres ao sacerdório. Tais restrições apenas geram uma moral que é dúbia: a que é oficial e outra que é praticada pelos fiéis. Nada disso fortalece a Igreja como órgão, especialmente quando essa moral dúbia abre brecha para escândalos, inclusive de representantes do clero. A falta de crença nos valores da Igreja (consequentemente, a prática destes) talvez seja o principal desafio que terá de ser enfrentado para que o catolicismo continue e ser uma das religiões mais difundidas do mundo.
De uma forma geral, o novo papa passará a governar uma igreja em crise, rodeada de escândalos e com atenções voltadas à reconquistar seus fiéis. Um dos principais projetos nesse sentido é a Jornada Mundial da Juventude de 2013, que deve acontecer no mês de julho na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. O evento, instituído pelo papa João Paulo II em 1986, chega à sua 27ª edição como um dos carros-chefe da Igreja na corrida para atrair jovens ao seu círculo.
O maior dilema do novo papa está no futuro incerto do catolicismo. Apesar das tentativas de reerguer a imagem desgastada da Igreja Católica através de projetos inovadores, o Vaticano parece não ter encontrado a fórmula certa para atrair novos membros.
Profissão: ex-Papa
Joseph Ratzinger, o recente ex-líder religioso mais influente do mundo, tem mais em suas costas do que apenas ostentar o título de quarto Papa a renunciar na história. Sua trajetória, durante os oito anos como Sumo Pontífice, foi marcada por um aumento do conservadorismo da Igreja Católica, pontuado por manifestações contrárias ao casamento gay, aos métodos contraceptivos, ao aborto e à eutanásia. Porém, por outro lado, foi também o Papa que inovou tecnologicamente e marcou a presença do Vaticano no twitter. Infelizmente, a conta já foi encerrada, mas cumpriu seu papel e deixou a imagem do Vaticano um pouco mais acessível, apesar dos escândalos que a precederam.
Eleito aos 78 anos, Ratzinger escolheu seu título em provável homenagem ao Papa italiano Giacomo della Chiesa, conhecido como “Papa da paz”. Em novembro de 2005, ano de sua eleição, o recém-eleito deu início às polêmicas de cunho conservador que marcariam os oito anos seguintes: proibiu a entrada de jovens homossexuais nos seminários. No ano seguinte, em visita à Turquia, o Papa mostrou-se disposto a diálogos e reiterou uma posição respeitosa com outras religiões, o que foi contradito logo após com declarações como “a Igreja Católica é a única verdadeira” e “a única que salva”.
Durante estadia no Brasil, em 2007, o Papa causa polêmica novamente ao ameaçar excomungar políticos favoráveis à causa do aborto, além de negar que houve batismo forçado da Igreja aos índios nativos brasileiros, ignorando por completo as conhecidas matanças que houveram no período de colonização. Em 2009, durante viagem à África, Bento XVI declarou que o problema da Aids não poderia ser resolvido com o uso de preservativos, que, do contrário, agravaria o problema. As repercussões da frase foram extremamente negativas, especialmente por causa do temor de que os fieis fossem influenciados pelos dizeres do pontífice.
Durante seu papado, Ratzinger foi confrontado com os diversos escândalos relativos à Igreja – porém, novamente, não soube lidar propriamente com as acusações. Com a chuva de denúncias de casos de pedofilia nas igrejas europeias e seu posterior silêncio, o Papa foi atacado fortemente pela imprensa internacional, o que serviu para piorar sua já baixa popularidade. Além disso, acusações ao próprio Ratzinger de omissão perante casos de abuso infantil foram registradas e noticiadas, com justificativas posteriores do Vaticano.
A alegação oficial do Papa para “sair do cargo para entrar na História” seria de que estaria fazendo um bem pela Igreja e que não mais teria capacidade para exercer o ministério com o devido vigor. Especulações evidentes, porém, lançam um olhar mais profundo ao ocorrido e alegam que boa parte das motivações de Ratzinger para renunciar deve-se ao VatiLeaks e ao momento negro em que a Igreja adentrou.
Os maiores e menores papados
Até Bento XVI, 264 nomes, entre pontífices eleitos e consagrados, já passaram pela lista de papas da Igreja. Desse grande número, alguns governos se destacam pela sua duração. Desde os mais longos, como os 37 anos de papado de São Pedro, apóstolo de Cristo, e os 31 anos de liderança de Pio IX, que governou a Igreja em meados do século XIX, até os de menor duração, como os 3 dias do papa eleito Estêvão, em 752, e os 13 dias de Urbano VII, vítima repentina de malária.
O conclave: ritual incerto
Com seu ritual praticamente inalterado há oito séculos, o conclave é a reunião – a portas muito bem fechadas – dos cardeais em prol da eleição de um papa. A reunião ocorre de 15 a 20 dias após a morte ou renúncia do Papa. Em 2013, o conclave terá início no dia 12 de março. Até a escolha, o período de transição é chamado de Sé Vacante.
O direito de escolher o Papa é reservado aos cardeais que possuam menos que 80 anos. Apesar de não ser exigência, na teoria, de que o escolhido seja um cardeal, o mais provável (e provado na prática) é que os eleitores prefiram selecionar o próximo Sumo Pontífice entre si. Para se ter uma ideia precisa, o último Papa não cardeal foi Urbano VI, eleito no ano de 1378.
Neste ano, 115 cardeais participarão do conclave. Apesar de oriundos de todos os continentes, há uma forte predominância de europeus (60 cardeais), em especial os italianos (28 cardeais). É vedado aos participantes a comunicação de qualquer aspecto referente ao conclave, sendo obrigados a manter segredo absoluto até o momento de anunciar o escolhido, o que, ultimamente, tem ocorrido três ou quatro dias após o início do conclave.
A reunião será iniciada às 16h30 (ou 12h30, no horário de Brasília), na Capela Sistina, embaixo da obra de Michelangelo que retrata o Juízo Final e a célebre imagem dos dedos de Deus e de Adão se tocando. Os cardeais dormirão em um hotel atrás da Basílica de São Pedro e estão terminantemente proibidos de acessar internet, telefonar ou assistir à televisão.
Durante o encontro, após as deliberações de praxe, os cardeais iniciarão a votação, que consistirá em escrever, cada um em uma cédula, os dizeres “Eligo in summum pontificem…” (Elejo como sumo pontífice), seguido do nome do escolhido. Se nenhum nome obtiver no mínimo dois terços dos votos (pelo menos 77), as votações prosseguem. A partir de quarta-feira, serão duas votações pela manhã e duas à tarde, fazendo uma pausa no sábado, caso o Papa ainda não tenha sido escolhido.
Em cada votação, os cardeais devem queimar as cédulas, tendo ou não selecionado um novo Papa. O mundo acompanha através da famosa fumaça que sai da chaminé improvisada na Capela Sistina: se a fumaça sair preta, é sinal de votação inconclusiva; se sair branca, o povo católico já pode comemorar seu novo líder e aguardar o badalar dos sinos que confirma a notícia.
Quando o novo Papa é escolhido, um dos cardeais aparece na sacada da Basílica e anuncia: “Annuntio vobis gaudium magnum: habemus papam” (Eu vos anuncio uma grande alegria: temos Papa). Logo em seguida, ele anuncia o nome de batismo do escolhido e o nome que adotará. Logo após, o Papa se apresenta à multidão e para seu primeiro pronunciamento público, realizando também sua primeira bênção coletiva.
Teoricamente, não há tempo definido de duração que um conclave pode ter. Se após 30 votações a decisão ainda não tiver sido tomada, o camerlengo pode orientar para que opte-se pela escolha por maioria simples ou pela decisão entre os dois mais votados no escrutínio anterior.
A eleição de 2013
Com relação à duração do conclave de 2013, a expectativa é que seja breve. O porta voz do Vaticano, Federico Lombardi, sinalizou um esforço por parte dos cardeais com direito a voto em chegar a um consenso o mais rápido possível. Apesar dos esforços, as chances da Igreja Católica apresentar seu novo representante ao fim do primeiro dia de eleições são remotas. Dos últimos nove conclaves, o mais longo deles aconteceu na eleição de Pio XI, em 1922, com cinco dias de duração. Já os mais curtos, demoraram dois dias. É o caso de Pio XII, em 1939, João Paulo I, em 1978, e Bento XVI, em 2005.
Com relação aos favoritos para se elegerem novo papa, o nome do Arcebispo de Milão, Angelo Scola, de 69 anos, aparece como um dos mais cotados. Outros cardeais, como Marc Oullet, de 68 anos, do Canadá e Odilo Scherer, de 63 anos, Arcebispo de São Paulo também estão na lista de possíveis futuros pontífices.
Os Conclaves mais duradouros
Apesar das expectativas de um conclave breve neste ano, a história das eleições papais é marcada por muitos encontros muito extensos. Em 4 de Abril de 1292, os cardeais entraram na capela sistina para eleger um novo papa, porém saíram de lá apenas em 5 de julho de 1294, 822 dias depois, sendo eleito na ocasião São Celestino V.
Outros conclaves foram ainda mais longos. Na eleição de João XXII, os cardeais ficaram trancados durante 840 dias, de 20 de abril de 1314 a 7 de agosto de 1316. Já a eleição de Gregório X, foram 976 dias para que a Igreja conhecesse seu novo líder após a morte de Clemente IV. O conclave durou de 29 de dezembro de 1268 a 1 de setembro de 1271.