Por Mariana Cotrim
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São vários os filmes que proporcionam histórias inacreditáveis que pessoas realizaram. O mais impressionante é quando nos deparamos com personagens que de fato existiram e fizeram coisas que surpreendem até hoje. Steven Spielberg teve a honra de retratar a vida de um dos mais ilustres criminosos dos Estados Unidos em Prenda-me se For Capaz (Catch me If You Can, 2002). Leonardo DiCaprio teve a missão de incorporar Frank Abagnale Jr., homem que ficou conhecido por passar até US$ 2.5 milhões de cheques fraudados, e que começou tudo isso antes dos 20 anos.
Não é surpresa o fato de sua história ficar tão famosa que se tornaria filme. Como um garoto de 16 anos conseguiria enganar o governo americano por tanto tempo? Tom Hanks, que interpreta o agente da FBI encarregado do caso, em entrevista à Revista Época, diz que a lábia da personagem também foi muito importante para seu sucesso. De qualquer forma, a história de Abagnale é mais interessante do que parece.
Da infância aos esquemas
Criado nas redondezas de Nova York, em Westchester, Frank tinha uma vida considerada agradável para a maioria das pessoas. Seu pai tinha uma loja em Nova York e ainda era muito influente na política das redondezas. Sua família vivia com aconchego em uma boa e grande casa, mas ainda assim os problemas apareceram.
Quando ele tinha 12 anos, seus pais se separaram e o menino, muito próximo do pai, servia de instrumento para falar com a mãe sobre reatar o casamento. De acordo com o livro que deu origem ao filme e que foi escrito pela própria personagem e por Stan Redding, ele chegou a morar com Frank Sr. por algum tempo. Ele não deixa claro como Abagnale fugiu de casa, mas em uma palestra no Google Talks, Abagnale diz que, aos 16 anos, seus pais decidiram se divorciar efetivamente e ele foi levado até um juiz para escolher com quem gostaria de ficar. Foi nesse momento em que o jovem fugiu e nunca mais viu nenhum de seus pais, diferente do que mostra o filme.
Ele foi parar em Nova York com a meta de ser um sucesso em alguma área. Conhecia a cidade muito bem porque fazia trabalhos de entrega para a loja do pai, dessa forma procurou um emprego semelhante. Após um tempo trabalhando, percebeu que não conseguiria se sustentar com o que ganhava, mas também se deu conta de que o salário poderia ser em função da sua idade. Decidiu, então, falar que tinha 26 anos, conseguindo um pequeno aumento em sua renda. Mesmo assim, o dinheiro ganho ainda não era o suficiente para manter a vida que desejava.
Foi assim que começou a descontar cheques. A princípio, descontava em um só banco, mas depois percebeu que outros lugares também descontavam, como mercados e hotéis. Não demorou para que a polícia começasse a procurá-lo e para que ele pensasse em um plano de fuga. Um dia, quando caminhava nas ruas da selva de concreto, avistou uma equipe de pilotos de avião. Decidiu que seria uma boa ideia passar de piloto para continuar descontando cheques sem que duvidassem dele e ainda se aproveitar da situação.
A longa saga do jovem trapaceiro
No dia seguinte à sua ideia, Abagnale decidiu ligar para o escritório da Pan Am. Passando-se por John Black, disse que era um co-piloto na companhia há sete anos, que perdeu seu uniforme e se não seria possível arrumar outro para ele. A empresa o direcionou para uma loja, que arrumou outro uniforme para ele sem nenhuma dificuldade.
Sua próxima missão era descobrir como agir e como entrar em um avião sem que fosse pego, então começou a frequentar o aeroporto de LaGuardia. Lá, aprendeu como responder a algumas perguntas frequentes entre pilotos, expressões linguísticas e também que precisaria de uma carteira de identificação para realmente ser efetivado como piloto. Ele também conseguiu arrumar uma usando seu talento em se passar por outras pessoas. Quando estava convicto de que conseguiria se passar por um piloto, fez uma conta em nome de Frank Williams para receber mais cheques. Como piloto da Pan Am, viajou por vários lugares, mas nunca em um avião da própria companhia, pois tinha medo de que alguém percebesse que ele, na verdade, não passava de uma fraude.
A vida de piloto era fácil. Ele conseguia ir para onde quisesse e ainda ficava em hotéis às custas da empresa, já que era um “funcionário”. Assim, continuou fazendo o que melhor sabia: desconto de cheques. No livro que deu vida ao filme, ele diz como era fácil não ser pego. Demorava até descobrirem que o cheque não servia e, quando percebiam, o jovem já não estava mais no lugar.
Dois anos depois, Frank realizaria seu último voo ao retornar para Miami na cadeira reserva de piloto, como sempre fazia. Desta vez, no entanto, pediram sua carteira de identificação da Pan Am, coisa que nunca tinha acontecido antes. Ao chegar em Miami, ele foi levado até uma sala por dois policiais. Lá, um agente do FBI questionou o adolescente sobre a dúvida de ele ser, realmente, um funcionário da Pan Am. Com sorte, Frank conseguiu escapar ao citar nomes de outros funcionários que o conheciam de suas últimas viagens, mas decidiu se afastar da vida de piloto.
Depois do ocorrido, ele se mudou para Atlanta. Ao procurar um lugar para morar, encontrou um complexo do qual gostou muito. Ao se inscrever para a vaga, colocou na ficha que era pediatra. Não demorou até que vizinhos o chamassem para trabalhar em um hospital nas redondezas. De início, ele começou a frequentar o lugar e estudar por meio de alguns livros da biblioteca abrigada, mas sem praticar medicina. Mais tarde, também começou a supervisionar internos, tentando ao máximo não consultar um paciente. Após cometer um erro, decidiu que também não podia continuar como médico, já que a probabilidade de ferir alguém era grande.
Mais uma vez, Abagnale fugia em busca de outro meio de sobreviver. Com a ajuda de uma amiga antiga, aeromoça, conseguiu um emprego como advogado. Isso porque, na vida de piloto, disse à mulher que tinha estudado Direito. Novamente, conseguiu forjar seus documentos como um ex-aluno de Harvard e começou a vida ao lado da lei. Após algum tempo, ao visitar universidades, viu que uma em particular estava com falta de instrutores.
Sem perder tempo, apresentou-se na escola como profissional de sociologia, também passando-se como professor por um tempo.
Frank também se apaixonou. Depois de um tempo parado, ele se envolveu romanticamente com uma aeromoça, Rosalie. A relação ficou tão séria a ponto de eles decidirem se casar e, então, ele contou a verdade para a moça, desde sua falsa identidade até suas ações fraudando cheques. Rosalie não foi tão conivente com tudo, denunciando-o à polícia. Mais uma vez, Frank fugia. Passou por São Francisco, Las Vegas até ir para o México e França. No país europeu, continuou com os esquemas de descontar cheques sem problemas, parecia fácil demais.
De volta aos Estados Unidos, ficou um tempo em Boston, onde foi preso. Um dia no aeroporto, dois policiais se aproximaram sob suspeitas de que Frank Williams era, na verdade, Frank Abagnale. Sem provas suficientes, levaram-no até uma delegacia e o ficharam. Frank conseguiu fugir pagando a fiança com cheque falso.
Preocupado em fugir novamente, ele pensou que ter uma equipe de aviação ajudaria em sua imagem. Teve a ideia de ir até a Universidade de Arizona e recrutar meninas para serem aeromoças, em nome da Pan Am. Com elas, viajou novamente pela Europa por um tempo, até decidir ir à cidade natal de sua mãe, Montpellier, na França, desta vez, para se esconder.
Ficou instalado na vila por 4 meses, até que foi pego pela polícia francesa um dia, fazendo compras. Antes dos 21 anos, Frank Abagnale era indiciado por inúmeros crimes e foi levado até uma prisão em Perpignan, onde viveu em condições precárias por seis meses. Depois, foi levado até Paris e, posteriormente, Suécia, para falar com oficiais suecos, já que ele enfrentava processos no país, também. Após um longo processo, ele foi deportado de volta aos Estados Unidos. No avião que ia até Nova York, conseguiu fugir pelo banheiro, assim que pousaram.
Outra vez, tentou fugir para o Brasil, mas foi pego no aeroporto de Montreal. Passou por alguns processos nos Estados Unidos e foi indiciado com 12 anos numa Instituição em Virgínia. Também entrou em liberdade condicional, trabalhando como garçom ou em mercados, mas sempre era demitido quando descobriam seus antecedentes. Um dia, decidiu ir a um banco e oferecer uma aula como especialista em fraudes, ganhando fama por seu conhecimento.
Redenção
Três anos após sua primeira palestra, Frank Abagnale já era muito conhecido e vivia uma boa vida para alguém que passou cinco anos à margem da lei. Começou a dar mais palestras sobre suas experiências e também foi professor no FBI por conta de seu conhecimento com fraudes. Na palestra que deu ao Google Talks, ele diz que não quis um filme sobre sua vida, mas que Spielberg estava encorajado, não pela história em si, mas pela maneira como a personagem superou tudo depois.
Sem dúvidas, a vida de Abagnale é impressionante, não só com suas inúmeras aventuras antes mesmo de fazer 21 anos, mas também pela maneira como um jovem conseguiu lidar com tantas fugas de sucesso e tantas identidades sem surtar. A fama que o filme levou deixa muitas questões a serem refletidas, mas a que mais incomoda é a opinião de Tom Hanks: até que ponto um criminoso é julgado pela aparência ou até que ponto ele pode obter sucesso pela sua lábia? Frank mostra que, na sua época, a dificuldade foi mínima.
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Já assisti o filme inúmeras vezes, não me canso de analisar a personagem do ponto de vista da psicologia. Ninguém nasce criminoso, nasce uma extrutura humana, a vida e as circunstâncias é quem determina.