Jornalismo Júnior

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Humor e entretenimento: aliados ou inimigos do jornalismo esportivo?

Tendências modernas transformam a comunicação esportiva, e ao mesmo tempo geram polêmicas sobre seus limites

O século 21 e seus marcos digitais transformam cada dia mais o processo jornalístico no Brasil e no mundo. Em um contexto de overdose de informação, cabe ao jornalista profissional não só selecionar e averiguar os fatos de relevância pública, mas também traçar estratégias para seguir em evidência e cativar sua audiência. Para tanto, os diferentes segmentos do jornalismo seguem uma nova tendência para repassar as notícias: o emprego do humor e do entretenimento.

O destaque, contudo, fica no jornalismo esportivo, o qual vem gradativamente dando espaço para tais estratégias. Os momentos de descontração de Neto na apresentação de “Os Donos da Bola”, do Grupo Bandeirantes, e a corrida de cavalos nos gols do “Fantástico”, da Rede Globo, são exemplos desse bom humor.

Mas há limites nesse recurso? As atrações esportivas brasileiras estão deixando o lado jornalístico em segundo plano? E qual o impacto disso para o telespectador? Em conversa com profissionais da área, o Arquibancada esmiuçou como acontece a relação entre o jornalista esportivo e o espectador com o uso do humor e do entretenimento, sem que se perca o objetivo essencial: a credibilidade da informação.

Em maio de 2021, Neto levou sua mãe para o programa “Os Donos da Bola” [Imagem: Twitter/Divulgação]

Um breve histórico

O panorama atual do humor e do entretenimento no jornalismo esportivo brasileiro nada mais é do que fruto de uma tendência de raízes antigas. Esse movimento é conhecido como “infotenimento”, como definiu a professora Fabia Angélica Dejavite em seu livro INFOtenimento: informação + entretenimento no jornalismo (Paulinas, 2006): trata-se do “conteúdo editorial que fornece informação e diversão ao receptor e, ao mesmo tempo, é uma prestação de serviço”.

Ainda segundo ela, esse termo surge no país no fim da década de 80 e ganha força no início dos anos 90. Silvio Santos, o próprio e único, teve seu programa futebolístico: o “Gol Show”, que surgiu em 1997 no SBT e durou por cinco anos. Há também outros extintos programas dessa época, de maior cunho jornalístico, como o “Placar Eletrônico”, da Rede Globo; o “7 No Pique”, da Rede Record; e o “Show do Esporte”, da Bandeirantes. Todos esses citados tinham o fator comum da leveza na fala, inspirada pelo bom humor.

“Gol Show”, de Silvio Santos, dava até um milhão em prêmios para o público [Imagem: Reprodução/YouTube]
Entretanto, os tempos mudaram, assim como a audiência. O público partia para uma nova realidade de imersão no mundo digital, e informar-se deixava pouco a pouco de ser a causa para virar a consequência. Em outras palavras, os meios jornalísticos precisavam, mais do que nunca, se reinventar para atingirem os receptores, de forma inversa à busca de informação por parte do público que ocorria anteriormente.

Nesse ponto, há de se destacar nomes essenciais para a revolução da comunicação esportiva. “Rockgol”, da MTV e mais precisamente do trio Paulo Bonfá, Marco Bianchi e Felipe Xavier — os Sobrinhos do Ataíde —, instituíram um marco na narração bem humorada. Tratava-se de um campeonato de futebol entre bandas de rock, movido por descontração tanto dentro quanto fora do campo, como um verdadeiro espetáculo.

No entanto, um dos pioneiros no uso da linguagem humorística e irreverente no meio telejornalístico foi outro: o programa “Jogando em Casa”, exibido nos extintos canais Esporte Interativo. Com início em março de 2007, a mesa redonda de debates se diferenciava no quesito de promover uma aproximação ao telespectador não antes vista, com discursos informais e brincadeiras constantes.

André Henning, um dos fundadores e o primeiro apresentador do programa, falou sobre seu envolvimento com o bom humor no jornalismo: “Eu prefiro, pessoalmente, apresentar programas que sejam leves. Isso não quer dizer que tenha que ser programa com humor. Eu acho que tem que ser um programa com leveza, programa com liberdade para você tocar num assunto diferente. Não gosto, pessoalmente, de apresentar programas amarrados”.

Essa tendência descrita pelo narrador da TNT Sports Brasil se tornou um fator comum no jornalismo esportivo brasileiro. Tadeu Schmidt revolucionou o quadro de gols do “Fantástico”, Tiago Leifert trouxe modernidade ao “Globo Esporte” e Denílson e Renata Fan deram o tom do que virou o “Jogo Aberto”. Aliás, a lista de jornalistas inseridos no panorama da descontração é bem maior, e só aumenta de ano a ano.

Lucas Gutierrez, atual apresentador do “Esporte Espetacular”, da Rede Globo, consolidou-se na emissora a partir da sua proposta criativa e inovadora de noticiar: “As matérias dos anos 90 não tinham música. Aí chegou um momento em que elas passaram a ser editadas de outro jeito, com música, com outro tipo de ritmo, com outro tipo de linguagem, não só pela evolução nossa, dos profissionais, mas como pela evolução da linguagem. A linguagem muda”.

“E aí o que acontece é que você vai ter muitos elementos, e entre esses você vai ter o elemento da graça, porque o esporte tem isso. O que não significa que ele vai ser 100% isso”, ressalta o jornalista.

Hoje, é notório que o jornalismo toma novos rumos. As plataformas não se limitam mais a jornal e televisão. Um grande exemplo disso é Casimiro Miguel, apresentador e comentarista do SBT e da TNT Sports Brasil, que domina hoje o conceito das streams e tem como principal temática o futebol. André Henning também realiza transmissões semanais, assim como outros jornalistas que se aventuram nessa realidade mais digital e versátil.

Casimiro Miguel é hoje o maior expoente das streams esportivas [Imagem: Divulgação/Twitter]

O jornalismo esportivo e a recepção do humor e do entretenimento

O histórico recente apresentado, porém, se trata mais de uma intensificação do processo humorístico, e não necessariamente de seu surgimento. Rafael Venâncio, escritor, psicanalista e pós-doutor pela ECA/USP, pontua como o uso do discurso é antigo, desde o rádio: “Isso tem quase oitenta anos. Desde Ary Barroso, com a gaitinha. Essa ideia do humor e do jornalismo esportivo existe desde os anos 40 no jornalismo brasileiro”.

Ary foi, além de radialista, compositor e músico. Em suas épicas narrações, levava consigo a gaita que entoava o grito de gol. Seu vocabulário era descontraído e inovador para a época. Junto a ele, Rafael também fala de Estevam Sangirardi, considerado o “rei do rádio esportivo-humorístico”, que brilhou com seus inconfundíveis personagens nas décadas de 60 e 70.

Estevam Sangirardi foi revolucionário em seus cinquenta anos de rádio [Imagem: Reprodução/Terceiro Tempo]
Esses nomes históricos certificam o pioneirismo e o domínio do segmento esportivo no emprego do infotenimento. “É uma tradição de muito tempo, porque nunca se acharam o esporte uma pauta séria. É nas margens do jornalismo onde surgem as revoluções”, complementa Rafael.

Lucas Gutierrez também expõe sua visão acerca da abertura que o esporte dá ao informante: “Eu acho que o esporte é esse meio do caminho entre o jornalismo e o entretenimento, porque o esporte ele tem um pouco disso tudo, sabe? Foi uma grande epifania pra mim quando eu entendi isso”.

“Talvez o esporte sempre tenha tido algo disso. Você vai ver registros engraçados e curiosos desde que televisão é televisão. Você vai ver histórias curiosas desde que o jornalismo existe. O que existe hoje na abordagem do jornalismo esportivo é uma mistura de tudo isso”, completa. O apresentador ainda fala sobre outros nomes que já carregavam essa inspiração na década de 80, como Fernando Vannucci e Raul Quadros, afirmando que desde sempre o jornalismo esportivo se constitui assim.

Fernando Vannucci marcou época com seu estilo descontraído [Imagem: Reprodução/TV Globo]
As falas de Rafael e Lucas evidenciam um lado quase intrínseco ao jornalismo esportivo: o humor e o entretenimento são componentes dessa comunicação. Os fatos abordados demonstram uma mudança não no conceito de noticiar, mas nas demandas do público. Ter uma linguagem compreensível e apresentável sempre será a meta do bom profissional, e nesse caso, o vocabulário mais informal e familiar ganha espaço justamente para cativar o público.

André Henning também deu sua visão sobre o assunto: “O jornalismo esportivo precisa saber comunicar. Mais do que usar o humor, usar entretenimento, ele precisa saber te cativar e te prender. E isso se dá através de uma boa comunicação”.

Sobre esse processo da boa comunicação, o narrador ressalta como alcançá-la: “Se ela for através do humor, se ela for através da boa informação, se ela for através de ferramentas visuais legais, se ela for através de informações quentes. Eu acho que você precisa saber se comunicar para ter o respeito e construir sua audiência”.

O programa “Jogando em Casa” cumpriu essa função de aproximação do público não só pela linguagem, mas também pelo cenário acolhedor, como se fosse o cômodo de uma casa. Na parte do rádio, os bordões, como a gaita de Ary Barroso, também são recursos de habituação do público. Em jornais, físicos ou digitais, frases e parágrafos curtos geram mais interesse no leitor. Essas são algumas estratégias para a informação chegar ao receptor com naturalidade e, principalmente, facilidade.

“Jogando em Casa” foi sucesso absoluto do extinto Esporte Interativo [Imagem: Reprodução/dailymotion]
A função primordial do emprego do humor e do entretenimento no jornalismo esportivo é, portanto, criar interesse. Mas esse é apenas um dos recursos possíveis, como destaca Lucas: “É meu estilo, as pessoas não têm que ser assim. Você vai ter um monte de apresentador, de jornalista que não é engraçadinho, desse tipo de estilo que eles falam, porque não é o estilo da pessoa, e não tem que ser. Tem espaço para todo mundo”.

O impacto: positivo ou negativo?

Tudo isso posto, fica o questionamento: existem perigos no emprego do humor e do entretenimento no jornalismo esportivo? Para Rafael, não: “Não enxergo nenhum perigo e acredito que credibilidade é construída pelas informações e pelos fatos, e você pode falar a verdade, as informações e os fatos com o humor. Para mim, isso é uma visão super-heroica do jornalismo, de você achar que o jornalismo sério é o único jornalismo possível. Para mim, o humor não prejudica em nada o jornalismo quando ele é bem feito”.

Ele completa, ao ser questionado sobre a essência do jornalismo: “Qual a essência do jornalismo? Quem detém a essência do jornalismo? O que é uma coisa a ser essência? Se jornalismo é transmitir informação, o humor não distorce ele. O que distorce ele é não transmitir informações”.

O programa “Debate Bola”, da Record, também foi importante na consolidação do humor [Imagem: Reprodução/O Empallador]
André também comenta sobre os perigos: “Existe um perigo quando você não sabe a hora de colocar um limite na brincadeira e isso extrapolar e atrapalhar o jornalismo. Acho que tem momentos e momentos. Esporte é entretenimento? É! Agora, tem momentos que você precisa ser jornalista e de técnicas que são fundamentalmente jornalísticas. Se você não tiver condição de colocar um limite, fica perigoso”.

Se há um veredito, ele não pode ser outro: o jornalismo, esportivo ou não, não precisa ser estático. Tendências modernas serão bem-vindas se não houver, obviamente, uma inversão de prioridades. Recentemente, por exemplo, o programa “Tá na Área”, do SporTV, recebeu uma nova identidade visual, inspirada pela dupla de apresentadores Igor Rodrigues e Magno Navarro, duas revelações do jornalismo atual que se encaixam muito na linguagem aqui discutida.

Mas quais são essas “tendências modernas”? A principal, segundo Lucas e André, é a descentralização e a segmentação da comunicação. Hoje, o que se limitava a televisão e jornais agora é um mundo a ser explorado.

A FlaTV, do Flamengo, é hoje o terceiro maior canal de clube do mundo [Imagem: Divulgação/YouTube]
Lucas fala sobre a predominância do termo “criação de conteúdo” na atualidade e como a internet e seus inúmeros recursos, como podcasts, canais no YouTube e redes sociais, influenciam notoriamente o seu discurso. André dá o exemplo, nessa linha, do estabelecimento de canais de clubes, de competições e de jogadores específicos, dando variedade e especialização à comunicação.

De qualquer forma, o imprescindível sempre será a comunicação com credibilidade, e, para isso, adaptar-se às realidades do público se torna fundamental. O humor e o entretenimento não se tornaram indispensáveis, mas sim aliados na formação da conexão entre jornalistas e espectadores. Aliás, grandes aliados. O esporte sempre foi, é e sempre será um espaço único no sentido de sua abordagem. Saem na frente aqueles que sabem aproveitar disso.

2 comentários em “Humor e entretenimento: aliados ou inimigos do jornalismo esportivo?”

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