Em evento promovido pela Jornalismo Júnior, empresa júnior de alunos da graduação de jornalismo da ECA/USP, profissionais contaram as dificuldades e compartilharam histórias de sua vida na área do jornalismo investigativo. O evento ocorreu no dia 26 de maio e, entre os convidados, estavam presentes o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso, vencedor do prêmio Jabuti com a obra República das Milícias – dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro, a jornalista Beatriz Trevisan, produtora do podcast A mulher da casa abandonada e O Ateliê, o chefe de redação da Agência Pública, Bruno Fonseca, e a jornalista investigativa Thaís Nunes, idealizadora de Elize Matsunaga: Era uma vez um crime e pesquisadora de série Rota 66: A Polícia que Mata.
O evento, que aconteceu na ECA/USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), e foi aberto com o agradecimento aos patrocinadores do evento, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o veículo de jornalismo independente Agência Pública, o jornal Le Monde Diplomatique Brasil e a USPapel, loja de personalizados da USP.
Os convidados começaram contando seus anseios dentro da profissão. Bruno Fonseca contou que o que o motiva no jornalismo é ir atrás dos dados e fontes e continuar produzindo um o jornalismo independente, mesmo sendo muito difícil. “Recentemente o Jornalismo foi muito atacado, mas temos que continuar acreditando que ele tem uma relevância pública”, contou.
Para Beatriz Trevisan, uma de suas motivações é contar a história de pessoas, “Às vezes ouvimos que uma pessoa foi motivada por uma história que contamos”. Na opinião de Bruno Paes, uma das qualidades do jornalista é o interesse pelas pessoas diferentes, se apaixonando pelas histórias. “A função do jornalista é quebrar estereótipos e o senso comum, você tem que estar disposto a dialogar com esse estereótipo”, ele explica.
Sobre os medos de trabalhar com jornalismo investigativo, Thaís Nunes relatou que por saber do poder do jornalismo e da mídia em geral, seu principal medo é errar. Beatriz completou dizendo que tem medo de prejudicar e causar um impacto negativo em alguém, pois “o nosso trabalho passa por problemas e momentos de crise, deslegitimam nosso trabalho”, não há espaço para erro no jornalismo atualmente.
Bruno Paes foi indagado sobre as diferenças do gênero no Brasil e em outro países, o jornalista respondeu que no jornalismo americano, principalmente depois do caso de Watergate, há uma coisa basila:, controlar os poderes. Há grupos e instituições muito poderosas que esmagam outras, e o jornalismo tem que denunciá-los para incomodá-los e fazê-los mudar. O desafio aqui no Brasil seria outro: “Muitas vezes, esse poder te usa para massacrar outras figuras, e isso é muito difícil porque nossas fontes são da polícia, presidente da república, e eles acabam te usando”.
Thais também respondeu sobre a diferença entre o jornalismo investigativo e o jornalismo policial. Para a jornalista, ser um jornalista policial é fazer política: “O policialesco é reproduzir a versão policial, chamando pessoas negras de vagabundo, por exemplo. “Espero que no futuro isso vire uma triste memória”. Ela explica que sempre questionou esse tipo de jornalismo, que reforça estereótipos e preconceitos. A justificativa é que dá audiência. Ela ainda complementou dizendo que o jornalismo de segurança pública não deve ter a intenção de criar um melodrama.
Os convidados falaram sobre a relação com a fonte. Beatriz Trevisan iniciou dizendo que, neste tipo de jornalismo, é inevitável criar uma relação próxima com a fonte. Uma investigação pode durar 6 meses ou um ano e, segundo ela, “Você cria uma relação até mesmo para a pessoa se sentir confortável, então precisa ter um tato e saber entender os limites, porque se trata de temas muito sensíveis”. Segundo a jornalista, ao longo do trabalho o entrevistador também terá de fazer concessões, como fonte anônima ou entrevista em off e etc. Bruno Fonseca ainda pontuou que é importante deixar claro para a fonte que o trabalho do jornalista não é o mesmo da polícia: “Algumas pessoas trazem histórias pesadas e esperam isso da gente. Não podemos iludir nem prometer que a nossa história vai ser a justiça, temos sempre que pensar nos limites éticos”.
Sobre as plataformas de veiculação do jornalismo, Thais falou sobre suas experiências na televisão e no streaming. Ela disse que o streaming a proporcionou mais tempo de trabalho e mais dinheiro para produzir: “Os jornalistas têm que ser mais protegidos, muitos colegas já foram processados; É apaixonante [o jornalismo], mas custa caro”.
Beatriz complementou a fala: “Quando nós estamos na faculdade, não somos estimulados a pensar no custo de produção”. Ela finalizou dizendo as vantagens de se trabalhar em um formato alternativo como o podcast, já que, segundo ela, é diferente ler um texto de muitas páginas e ouvir um podcast narrativo que tem muitos elementos – música, efeitos sonoros, ganchos e o podcast. Além disso, o podcast pode ser ouvido fazendo outras coisas, sem total atenção. “Quando escutamos alguém falando algo, nos conectamos mais, e assim é possível detalhar mais a história, até elementos de dramaturgia. Desta forma, conseguimos chegar mais fácil nas pessoas”.
Bruno Paes falou como é trabalhar no jornalismo investigativo, mais especificamente quando trata de temas políticos, e sobre a possibilidade de censura quando se trata de assuntos mais delicados. O jornalista disse que, hoje, ela não é igual a censura institucionalizada como na ditadura militar, mas ainda se há o risco de sofrer um processo ou assédio judicial, ou até pior. “Há casos de jornalistas que foram assassinados”, completou.
Quando se trata de política nos trabalhos, você corre o risco de ser estigmatizado como “de esquerda ou de direita”,ficando restrito a um certo nicho. “Acredito que a democracia é incontestável, mas você pode levar a profissão de uma forma crítica. Precisamos lutar pela credibilidade para narrar histórias”. Na questão da discussão política, Bruno acha que o fenômeno das redes sociais prejudicou a sofisticação do debate: “Eles começaram a ser feitos em ilhas de iguais. Para o jornalista não estar preocupado com a verdade narrativa, mas a factual”.
Partindo para fim do evento, os participantes comentaram sobre o termo Storytelling e a função do jornalista de contar histórias. Bruno Fonseca abriu falando que storytelling é usar ferramentas narrativas para contar uma história: “Vai variar muito do meio que você está; no jornalismo investigativo é pensar como você vai contar a história para a pessoa que está recebendo se interessar”. Seguindo o gancho do Bruno sobre o meio de reprodução, Bruna falou que é essencial saber ao que se tem acesso no momento da produção.“Você pode querer muito fazer podcast, mas às vezes a pessoa não quer falar. Temos que ter esse feeling, que é adquirido com os erros e acertos”. Para Bruno Paes, mais do que saber contar uma história, o jornalismo não pode perder a razão pelo que ele está contando essa história Ou seja, não o entretenimento, mas o que as pessoas estão precisando saber. “Essas histórias partem de algumas perguntas que são estabelecidas no começo do trabalho e são respondidas ao longo da produção”.
Convidados respondendo perguntas sobre a profissão [Imagem: Arquivo/Jornalismo Júnior]
O evento foi finalizado com as perguntas do público. Ao ser perguntada sobre a contradição da busca do público cada vez maior e a responsabilidade e ética jornalística, Beatriz relatou uma situação que aconteceu com ela em um de seus trabalhos. Ela tratava de supostos casos de assédio de um professor com alunas. Neste caso, a produção estava correndo em paralelo com a investigação, então ela retardou ao máximo a entrevista com o professor para não atrapalhar a investigação. “Nós temos dois caminhos: não falar sobre e silenciar, ou falar sobre e levantar a discussão” disse Beatriz.
Sobre os muitos dias e até meses que às vezes são “jogados fora” porque a matéria não tem sucesso ou não ser comprada por nenhum veículo, Thais disse que a pergunta a ser feita quando se inicia um novo trabalho é “Por que essa história deve ser contada para o mundo?”. Bruno Fonseca completou dizendo: “Não podemos ter a ilusão de que a escravidão, por exemplo, vai acabar por conta de um podcast, isso não vai mudar do dia para a noite, mas ele pode denunciar”.