Por Larissa Lopes
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Este filme faz parte da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para conferir a programação completa clique aqui
Cruel (Cruel, 2014) narra a história de Pierre Tardieu, um serial killer invisível em Toulouse, uma das maiores cidades francesas. Com os 40 anos batendo à porta, Tardieu é um homem atormentado pela lembrança da figura materna e, em certa medida, pela falta de uma companhia feminina, ao passo que revela desconhecimento sobre relacionamentos à dois enquanto inicia um romance com uma velha conhecida. Tentando sempre ser discreto, Pierre trabalha temporariamente em empregos que não requerem qualificação alguma – aqueles que a maioria da população francesa costuma rejeitar. Tal esforço é feito para cuidar de seu pai, um senhor sem fala e condenado à cadeira de rodas, cúmplice dos horrores cometidos pelo filho: na última década, Pierre sequestrou e assassinou mais de duas dezenas de desconhecidos na cidade.
Sem parâmetro ou motivo aparente, o homicida observa religiosamente o cotidiano de suas vítimas, anotando seus passos e horários exatos em cadernos pautados padronizados, vendidos por um velho amigo de seu pai, por quem tem um imenso apreço. Tardieu é assim. Dúbio e enigmático. Um homem bondoso e estável para aqueles que o conhecem desde pequeno e até um bom hospedeiro para os que são sequestrados. O que enfurece Pierre são as vítimas que se recusam a obedecê-lo ou, simplesmente, a respondê-lo com franqueza. O expectador se flagra pensando, então, como sobreviver ao aprisionamento no sotão de um tresloucado e fugir de uma morte já decidida por seu algoz. Se, para o psicopata, nenhuma daquelas vítimas e suas vidas ordinárias são dignas de continuar vivendo, quais eram as expectativas de Tardieu para libertar uma delas?
Como o francês disse em uma das histórias inventadas sobre a mãe, sua loucura, talvez, seja obra do irracional “desejo de exercer um poder sobre aqueles que não podem se defender”. Assim, Pierre Tardieu sempre golpeava suas vítimas com armas diferentes no sótão de sua casa – que um dia fora o esconderijo de judeus na Segunda Guerra Mundial -, usando da força bruta para conseguir o que queria e calar eternamente suas presas. Nesse ato havia a satisfação de completar um ciclo, uma história. Pierre registrava nos cadernos azuis e infantis, em terceira pessoa, a continuação de um hábito há muito praticado: “Há 11 anos, você cometia seu primeiro assassinato…”
Ademais, a alienação e o calculismo da personagem se expressam também pela sonoridade do filme, que, entre as falas e a trilha sonora antiga e romântica, destaca sons mecânicos e metálicos. Entre as poucas personagens, a maioria dos atores possui uma vasta experiência no cinema e o elenco entrega uma atuação coerente, não exagerada, sobre o drama que os cercam. Jean-Jacques Lelté, intérprete do protagonista, transmite bem o sossego e a inquietação de um psicopata que está com a situação sob controle, porém, sem se destacar como uma grande nova referência do manicômio cinematográfico.
A primeira película do romancista francês Eric Cherriere oferece ao expectador muito mais atenção e reflexão do que a ação prometida no trailer. Ainda sim, ela não se torna uma experiência enfadonha e maçante para quem está disposto à maratonear a Mostra Internacional de Cinema. Inclua, sem medo, Cruel na sua agenda cinéfila.
Confira o trailer: