por Carolina Ingizza
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Este filme faz parte da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para conferir a programação completa clique aqui
Dheepan: O Refúgio (Deephan, 2015) é o filme ganhador da Palma de Ouro em Cannes, dirigido por Jacques Audiard. Logo nas primeiras sequências do filme, aparece um homem queimando seus pertences na mesma fogueira em que há um corpo. Em seguida, vemos uma mulher percorrer desesperadamente um campo de refugiados em busca de uma criança que não tenha pais. Ambos estão fazendo o necessário para que possam deixar o Sri Lanka e embarcarem rumo à França.
O país asiático, próximo da Índia, sofreu com um intenso conflito interno por 26 anos. O grupo rebelde chamado Tigres de Libertação da Pátria Tâmil (LTTE, na sigla em inglês) alegava que a comunidade tâmil era discriminada pelos governos dominados pela maioria cingalesa. Calcula-se que tenham morrido aproximadamente 70 mil pessoas e que milhares de outras buscaram refugio em países ocidentais.
A obra de Audiard retrata a história de Dheepan (Jesuthasan Antonythasan), um guerrilheiro do LTTE que precisa fingir ser homem casado e pai de família para conseguir refúgio na França. Ele se une à Yalini (Kalieaswari Srinivasan), uma mulher que quer encontrar uma prima na Inglaterra, e a Illayaal (Claudine Vinasithamby), uma menina orfã que finge ser a filha do suposto casal.
Quando a falsa família consegue se instalar na França, num subúrbio dominado pelo tráfico, o longa, então, passa a enfocar a relação forçada entre eles e as dificuldades de adaptação no novo país. Enquanto Dheepan é o zelador do condomínio de prédios em que vivem, Yalini cuida de um senhor de idade e Illayaal vai para a escola.
Há uma preocupação no roteiro para enfatizar o choque cultural e mostrar os problemas para acostumar-se com o país. Eles devem aprender a comer com talheres, precisam aprender a falar francês, a agirem como os outros da região. Yalini, por exemplo, sofre por ser obrigada a fingir pertencer a essa família e, em certo ponto da história, por ter de usar o véu muçulmano sendo hinduísta só para não destoar do todo.
Intercalando momentos mais reflexivos, como Dheepan desconfiado da vizinhança, olhando pelas janelas – em cenas muito bem fotografadas – e questionando os moradores locais, com passagens quase cômicas, tais como quando Yalini inocentemente pergunta para o traficante se a tornozeleira eletrônica presa em sua perna é para ajudá-lo a fazer exercícios físicos.
Conforme o filme se desenrola, vamos percebendo a harmonia surgir entre os personagens. Illayaal já se sente próxima de Dheepan e de Yalini, eles conseguem agir como familiares e até surge uma tensão sexual entre o falso casal. No entanto, quando o passado do Sri Lanka volta a atormentar o ex-guerrilheiro, ele demonstra uma perturbação mental.
E é aí, no ato final, que o longa se perde. Construindo uma bela cena de ação, ainda que justificada pelo passado de guerrilha do protagonista, a obra foge de tudo que vinha propondo em tela. Toda a sequência destoa do que havia sido apresentado e se mostra desnecessária e até incoerente com a narrativa.
Tudo só piora com o final otimista apresentado em sequência. Pulando alguns meses na história, o desfecho proposto é tão utópico que só mostra a falta de capacidade do roteiro para construir uma solução digna depois daquela cena de ação destoante.
Deephan é um filme bom, que aborda um tema relevante hoje na Europa. A história se mantém consistente enquanto discute o processo de adaptação a um novo país e a uma nova família, alternando momentos de tensão com pequenas doses de humor. Contudo, ele se perde no desfecho, que é pouco verossímil ao criar uma sequência de ação deslocada e muito ingênuo ao sugerir um final otimista demais para o contexto.
Confira o trailer: