Este filme faz parte da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para conferir a programação completa clique aqui
Surreal, filosófico, hermético, metafórico, insano.
Foram fartos os nomes que tentaram cunhar um batismo para a obra de Jorge Luís Borges. Decerto que falharam. Mas não é por acaso que o novo longa-metragem de Júlio Bressane, inspirado no conto O Assassino Desinteressado Bill Harrigan, do escritor argentino, possa ter se servido das mesmas carapuças.
Em verdade, talvez a adaptação estética de Bressane tenha até mesmo transbordado às próprias criações de Borges. Ou terá sido culpa da experiência sensorial do cinema – simplesmente mais agressiva que a das páginas de um romance? Dum jeito ou do outro, o fato é que o enredo do Garoto apenas não nos espera. Há uma mulher. Um homem. Um assassinato e uma latente jornada subjetiva por paisagens de materialidade duvidosa.
Então, o pensamento atravessa: este não é um filme ordinário. A conclusão é dura, mas não tarda. Primeiro, há a câmera. Encarada, tocada, manipulada. Ora, a manobra é à mão; ora, a operação é estática. No mesmo galope, tomadas curtas atravessam a película de forma contínua. Cortes. Cortes. Cortes abruptos. A protagonista, por sua vez, surge devaneando em todos eles, quase como se estivesse cativa a um violento e incontido fluxo de consciência.
A princípio, soará inverossímil, pitoresco. Mas Marjorie Estiano capitanea a trama com uma atuação notável. Do outro lado, Gabriel Leone, num estado de abstração performática, fica quase sempre à escuta. Às vezes displicente; noutras, irrequietamente mudo. Garoto, aliás,começa digressivo e, de súbito, se silencia – perpetuando-se irregularmente nesse movimento.
Depois, é possível conviver com a estranheza; mas não de todo, pois, outra vez, nada é comum sobre Garoto. É vã, por isso, a busca por um paradigma linear. A películanão se agarra a nenhuma conformação pragmática, a despeito de nossas tentativas de encadeá-la numa lógica mais açucarada. Ao mesmo tempo, a concepção artística é minuciosa – e sua contemplação encontra, ao longo do filme, planos estéticos lindíssimos.
Mas é súbita, novamente, a fragmentação de todos esses planos em rupturas cada vez mais descontínuas. Nalgumas sequências, não há nada, senão, o vento cortante rebuliçando a paisagem. Por vezes, é só a terra árida ou os rochedos solitários. Noutras, a secura é ocupada pelas personagens; vadeando, desorientadas, como fossem elementos à espera de serem organizados. Mas Bressane não há de organizá-las. Tampouco alguém o fará.
Ao fim de seus setenta e seis minutos, a sala do cinema enche-se dum silêncio sepulcral. O silêncio aqui, ou a busca por sensatez lá, pode ser mãe de duas hipóteses. Na primeira, demonstra-se um apego – quase reacionário – aos ditames da narrativa clássica. Na última, porém, indaga-se se o jardim de veredas de Bressane, afinal, apenas não se bifurcou vezes demais.