por Vinícius Crevilari
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Wes Anderson é conhecido pela temática excêntrica de seus filmes e pela habilidade de trabalhar o desajuste de seus personagens no mundo que os cerca. Dissecamos o universo exótico do cineasta e destacamos suas obras de maior sucesso.
Pequena Biografia
Foi no primeiro dia de maio do ano de 1969, na quarta cidade mais populosa dos Estados Unidos – Houston -, que nasceu o segundo dos três filhos do publicitário Melver Leonard Anderson e da arqueóloga Texas Ann Buroughs, Wes Wales Anderson.
Educado na escola St. John’s School, que mais tarde serviria de locação para as filmagens de seu segundo longa-metragem, Três É Demais (Rushmore, 1998) -, ingressou na Universidade do Texas, onde estudou filosofia e viria a conhecer seu maior parceiro cinematográfico, Owen Wilson (Marley e Eu, 2008).
Ainda no período universitário, os dois produziram curtas e entre eles estava Bottle Rocket (filmado em 1994 e não lançado no Brasil, mas disponível em rede), estrelado por Owen e seu irmão, Luke Wilson (Legalmente Loira, 2001). Este curta-metragem foi muito bem recebido no Festival de Sundance e deu origem a um longa de mesmo nome, que no Brasil fora lançado em 1996, com o título de Pura Adrenalina. O filme não se tornou um campeão de bilheterias, mas ganhou uma audiência cult, a ponto de ter entre seus admiradores o lendário diretor Martin Scorsese (Taxi Driver, 1976).
Com o tempo, seu trabalho foi amadurecendo e a admiração da crítica reconheceu o talento do diretor, refletindo indicações em prêmios importantes – Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums, 2001) recebeu uma indicação ao Globo de Ouro, e ao Oscar foram nomeados O Fantástico Sr. Raposo (Fantastic Mr. Fox, 2009) e Moonrise Kingdom (idem, 2012) – e o colocando como um dos maiores expoentes do cinema independente contemporâneo.
Atualmente, o diretor, produtor e roteirista está trabalhando em sua nova obra, The Grand Budapest Hotel, filmado na Alemanha e que tem em seu elenco atores como Tilda Swinton (Precisamos Falar Sobre Kevin, 2011), Edward Norton (Clube da Luta, 1999) e Jude Law (Closer – Perto Demais, 2004). O lançamento está previsto para 2014.
Grandiosa filmografia
Apesar da carreira relativamente curta, Wes Anderson possui uma filmografia admirável – é notável a evolução na qualidade dos roteiros, no uso das cores e na reflexão descompromissada que ele faz dos anseios humanos. Suas produções sempre estiveram atreladas à colaboradores fiéis, que de certa forma participaram na sua transformação de diretor-promessa à símbolo do novo cinema americano.
Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums, 2003)
Primeira grande obra do diretor – e seu terceiro longa -, Os Excêntricos Tenenbaums conta de forma narrativa a história de uma exótica família, os Tenenbaums. Royal Tenenbaum (Gene Hackman) é um advogado respeitado e casado com Etheline Tenenbaum (Anjelica Houston). Pais de três filhos prodígios, o casal se separa e a ex-esposa resolve cuidar sozinha da criação de suas crianças. No entanto, tanto elas quanto os pais passam por situações angustiosas e suas glórias do passado já não mais existem no presente.
À princípio, o filme trata de uma história básica, não muito imprevisível e quase inocente para o espectador mais desatento. Na verdade, o caráter fantasioso que Wes Anderson e Owen Wilson (co-roteirista) dão ao enredo é, de certa forma, uma alegoria da família média americana (apesar dos Tenenbaums viverem uma vida abastada) e uma crítica à incessante busca pela felicidade e sucesso, elementos tão arraigados no american dream.
O Fantástico Sr. Raposo (Fantastic Mr. Fox, 2009)
O flerte de Anderson com a animação em outras películas tornou a concepção de O Fantástico Sr. Raposo inevitável. Mais ainda, eram esperados personagens astutos e formas animadas extravagantes, se pensarmos nas experiências que o diretor fez com o gênero anteriormente (e também nos intérpretes das obras precedentes).
Adaptado da fábula Raposas e Fazendeiros, de Roald Dahl, a ação gira em torno de um casal de raposas que se apaixonam enquanto jovens e depois de roubarem muitas galinhas de grandes fazendeiros, resolvem viver uma vida idílica em uma árvore. Porém, o Sr. Raposo – já casado, com um filho e um sobrinho, hospedado devido à doença de seu pai – não consegue se ver livre de seus instintos e resolve voltar à sua vida de delitos.
O Fantástico Sr. Raposo é mais uma prova da imprevisibilidade de Wes Anderson. A película, gravada em stop-motion – técnica de animação quadro a quadro que gera movimento com a junção de fotogramas –, vai de encontro às super-produções estadunidenses, através de seu caráter artesanal, intensificando as emoções dos personagens em cenas-chave.
Moonrise Kingdom (idem, 2012)
Sam Shakusky (Jared Gilman) é um garoto muito inteligente, que vive em um acampamento para meninos e não consegue se entrosar com seus colegas de camping. Resolve fugir e viver em companhia de sua namorada, Suzy Bishop (Kara Hayward), uma menina tão deslocada quanto Sam e que quer se ver livre de sua excêntrica família. Os dois desaparecem pela pequena ilha de New Penzance, mas sofrem para se manterem juntos, pois precisam burlar todas as tentativas de resgate por parte da população local.
Moonrise Kingdom é o filme que mais espelha as características substanciais de Wes Anderson. Funciona como um caleidoscópio filmográfico, onde é possível identificar elementos tais, como a fusão entre o cômico e o existencial nas personagens, a alta saturação das imagens em termos de cor e as cenas de fugas “impossíveis”, que sempre dão certo.
Marcantes características
O universo de Wes Anderson é cheio de minúcias, mas isto não torna seus filmes confusos ou sinuosos. O jovem diretor consegue trabalhar diversas temáticas em uma só obra, de forma a torná-la palpável ao espectador.
Um bom exemplo é o uso das cores e da forma que elas são saturadas nas películas. Wes invariavelmente usa cores quentes de maneira que elas não fiquem sem propósito ou ininteligíveis. Sua utilização é marcada na intenção de criar um visão própria da realidade que existe fora das telas – em A Vida Marinha com Steve Zissou (The Life Aquatic with Steve Zissou, 2004), as cores são aplicadas na intenção do autor materializar em formas submarinas, as fantasias de seus personagens. E dá tão certo, que outras ferramentas são utilizadas para tornar esse mundo tão particular, deglutível.
Quiçá seja esse o motivo da constante parceria com os mesmos intérpretes, produtores e roteiristas. É quase sempre possível ler nos créditos finais de seus filmes, os nomes de Roman Coppolla e Owen Wilson como co-produtores ou co-roteiristas. Este, aliás, frequentemente participa como ator de seu videos, assim como Bill Murray, Anjelica Houston, Luke Wilson e Jason Schwartzman.
Outra prova de sua regularidade criativa, é a brincadeira que o cineasta faz com a chamada “idade mental” de seus protagonistas: as crianças se comportam como adultos e os adultos se comportam como crianças. Margot Tenenbaum, vivida por Gwyneth Paltrow em Os Excêntricos Tenenbaums, era uma precoce escritora quando criança, que guardava muitos segredos, como o hábito de fumar desde os 12 anos. Isso não fazia dela uma criança enfadonha. Wes Anderson salientou essas características na personagem, provavelmente na tentativa de mostrar que esses atributos são produtos do fato dela ter sido adotada no segundo ano de vida e o seu pai a tratar como uma intrusa na família.
Quando se trata de produzir filmes, Wes Anderson mostra-se dono de suas características e as executa com maestria. A excentricidade da temática de suas obras e o exotismo de seus personagens (o que particularmente me faz lembrar a maneira como Bernardo Bertolucci trabalha os seus) nunca é abordada levianamente e nem irracionalmente. Tudo movimenta-se em torno de uma tese central, mesmo que esta não seja revelada de modo explícito. E isso talvez seja a questão sine qua non que o qualifique ao posto de grande autor na cinematografia mundial.