Cientistas descobrem como se dá o processo que possibilita a mudança da cor de camaleões
Por: Leonardo Mastelini (leomastelini@gmail.com)
“A sua mudança de cor ocorre quando ele se incha com ar. Então ele fica negro, semelhante ao crocodilo, ou verde como o lagarto mas com manchas negras como o leopardo. Essa mudança de cor ocorre em todo o corpo igualmente, pois ela também influencia os olhos e a cauda.” (ARISTÓTELES, Historia Animalium, livro 2, cap. 11)
Desde sua descrição em obras de Aristóteles, os camaleões povoam mitos e lendas por uma série de características. A língua projétil, os olhos independentemente móveis, o ritmo lento e a capacidade impressionante de algumas espécies de mudar rapidamente de cor compõem uma das mais espetaculares amostras que a natureza possui. Cientistas da Universidade de Genebra desvendaram o mistério da mudança de cor do camaleão e deram um grande avanço nas pesquisas da classe Reptilia.
O estudo descobriu que os camaleões possuem células da pele que contêm nanocristais reorganizáveis, capazes de se movimentar pela camada cutânea. Em geral, os pequenos cristais são igualmente espaçados em cada célula, e este espaçamento determina o comprimento de onda da luz que elas podem refletir.
Segundo a revista científica Nature Communication, os nanocristais se organizam como uma “grade” em uma camada superficial de células, chamadas iridóforos. Sua movimentação depende da rigidez da pele do animal: quando ele está calmo, a grade fica mais fechada, bloqueando todos os pigmentos internos, exceto o azul e o verde. Quando ele está excitado, entretanto, a grade se abre, permitindo a reflexão de cores como o vermelho e o amarelo. Com isso, biologistas e quânticos provaram que o fator limitante para a mudança de cores é justamente o comprimento de onda: quanto maior o comprimento da luz, mais espaço entre nanocristais é necessário para a reflexão.
Além disso, os cientistas descobriram uma segunda camada de iridóforos, mais profunda e detentora de nanocristais diferenciados. Segundo o estudo, a camada reflete luz infravermelha ao invés da luz visível, devido a grande desorganização de seus nanocristais. Para o Prof. Dr. Jaime Bertoluci, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), tal resultado leva a crer que o camaleão possui uma proteção passiva contra altas temperaturas, comuns devido ao elevado nível de insolação a que muitas espécies de ambientes quentes e secos estão sujeitas. Além disso, sugere também que essa novidade evolutiva surgiu nos ancestrais dos camaleões. “Mesmo espécies que habitam ambientes florestais, não sujeitas a insolação intensa, apresentam esse arranjo de iridóforos na pele”, conclui Bertoluci.
O animal usado no estudo da Universidade de Genebra foi o camaleão-pantera (Furcifer pardalis). Michel Milinkovitc, professor responsável pela pesquisa, justificou a escolha da espécie afirmando que nela os fenômenos ocorrem de forma mais veloz e evidente. Originário de Madagascar, o réptil tem a incrível capacidade de mudar de cor de forma rápida e complexa durante interações sociais, como concorrência entre machos, a atração por fêmeas ou em perigo pela presença de um predador.
Até então, a hipótese inicial para o segredo das múltiplas cores que um camaleão pode assumir se resumia a um simples acúmulo ou dispersão de pigmentos. Os biólogos acreditavam que o animal possuía células chamadas cromatóforos, onde ficavam situados pigmentos de variadas cores. Regulada por hormônios, a alteração se daria da seguinte maneira: no tom amarelado, por exemplo, pigmentos amarelos ou claros ficariam espalhados pelos cromatóforos, enquanto os escuros se concentrariam no núcleo da célula, deixando de ser visíveis externamente.
Segundo Carlos Navas, professor titular do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da USP (IB-USP), o estudo é interessante pela combinação de abordagens, mostrando que a interdisciplinaridade é um importante motor na pesquisa científica. Para ele, por abordar um tema essencial em biologia (a novidade evolutiva) e por dar uma descrição detalhada dos mecanismos, o artigo suíço é de grande relevância e pode ser a base para qualquer tecnologia que possa surgir no futuro.
Na Universidade de Genebra, retirando uma amostra de pele do camaleão-pantera, Milinkovitc conseguiu pessoalmente mudar a organização dos nanocristais e reproduzir cores. Para tanto, os suíços combinaram histologia, microscopia eletrônica e videografia fotométrica, utilizando equipamentos de alta tecnologia. Nas pesquisas que estão por vir, o grupo pretende entender mecanismos que permitem o camaleão controlar a geometria das grades dos nanocristais. O objetivo final dos estudiosos é compreender fenômenos como esse e, assim como sugere Navas, criar materiais artificiais que tenham as mesmas propriedades.