Quando fui assistir O Túmulo dos Vagalumes (Hotaru No Haka, 1988) eu não sabia exatamente o que esperar. Conheço poucos filmes de origem japonesa; a maioria é do gênero terror/susto. Ao fazer um pouco de pesquisa prévia, descobri se tratar de um drama em animação, algo que me deixou confusa, por ser um estilo comum ao gênero infantil. Resolvi, ainda assim, assisti-lo despida de preconceitos e expectativas. Quase 2 horas depois, deparei-me com uma Sofia emocionada, chorosa e, principalmente, transformada.
O filme narra a história de dois irmãos, Seita (12) e Setsuko (4), tentando sobreviver às tragédias de um Japão em plena Segunda Guerra Mundial. Estão sozinhos, à própria sorte: o pai havia sido convocado para as frentes de batalhas e foi dado como desaparecido; a mãe morreu em um bombardeio. Sem desistir, Seita luta bravamente para deixar sua irmã a salvo. A luta dos dois é para conseguir comida e um lugar seguro para ficar.
Ao longo da sessão, você vai se dando conta de que o contraste feito entre a inocência de uma história contada em animação e o realismo do relato de um país assolado pela guerra cria o cenário ideal para mostrar a dor existente na infância roubada daquelas crianças. E daí vem a beleza do filme: elementos que normalmente não figuram em animações são apresentados em sequência, expondo toda a brutalidade e covardia de um conflito armado. Não deixa de ser um filme infantil, mas ele foge de todos os clichês e didatismos na hora de dar a sua mensagem sobre a importância de não pararmos de sonhar.
O fato de vagalumes se tornarem um alento para os dois irmãos à noite demonstra a capacidade de aquelas crianças se atentarem para a beleza da vida nas coisas mínimas, mesmo com tanta desolação ao seu redor. A luz natural dos insetos é capaz de fazer Setsuko desligar-se do desconcerto do mundo e ficar envolta na magia daquele momento. E ao acordar no outro dia, e perceber que os vagalumes estão todos mortos, a menina enterra os animais e lamenta o seu período de vida curto. C0mo não se emocionar com tamanha metáfora? Numa guerra, as pessoas são como vagalumes: apesar de iluminadas e capazes de trazer alegria e encantamento, todas elas morrem cedo demais.
O filme tem um impacto tão grande e desperta tantos sentimentos no espectador, que é impossível não ficar inconformado(a) com o desenvolvimento da história. O túmulo dos vagalumes começa pelo final. Você descobre o fim dos dois irmãos nos primeiros minutos. Mas a união e amor entre os dois é tão comovente, e o empenho deles em sobreviver a tantas adversidades é tão grande, que você pede durante todo o filme para que alguma coisa aconteça, para que algo mude a vida daquelas crianças e o final não seja aquele lá do começo. Dentro de você é simplesmente impossível se convencer e aceitar o triste desfecho.
O Túmulo dos Vagalumes é sofrido do início ao fim. Ele vai testar a resistência ao choro até dos espectadores mais insensíveis, pois, com decorrer do filme, a história já trágica vai se revelando cada vez mais devastadora e torna-se realmente difícil não compartilhar da aflição daqueles dois irmãos. Seita e Setsuko precisam lidar muito cedo com a violência, a incerteza, a doença, a morte, o medo; é uma história ao mesmo tempo particular e universal. Não é um filme maniqueísta sobre a guerra, mostrando esse país como bonzinho, e aquele outro como vilão. Ele não entra nessas questões políticas, mas sim nos traumas que um confronto bélico gera na vida das pessoas, mudando completamente suas histórias por conta disso. É em meio ao desespero dos dois irmãos que você percebe o quanto a guerra é cruel não só pelas mortes acumuladas, mas também pela ausência de vida deixada para trás.
Por Sofia Soares
sofia.pere.soa@gmail.com
Excelente análise, concordo em todos os detalhes, filme imprescindível para qualquer amante dos dramas ou de produções orientais.