Por Mariana Ricci (mariana.ricci@usp.br)
Ante à crescente recorrência de eventos climáticos extremos nos últimos anos, levanta-se o questionamento sobre as funções de cada grupo social para a mitigação da situação. No artigo “A responsabilidade do Jornalismo Ambiental na formação cidadã em tempos de emergência climática”, de Ilza Maria Tourinho Giradi, levanta-se qual a posição do comunicador, em especial do jornalista ambiental, no cenário contemporâneo de emergência climática.
Há 40 anos, Ilza é pesquisadora e militante ambiental. Desde 2021, é professora titular aposentada da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É líder do grupo de Jornalismo Ambiental e foi coordenadora do Projeto Observatório do Jornalismo Ambiental, do qual ainda faz parte. Em 2025, publicou o artigo “A responsabilidade do Jornalismo Ambiental na formação cidadã em tempos de emergência climática” na revista Diálogos Soberania e Clima, que aborda a importância do jornalismo para a formação de uma sociedade ambientalmente mobilizada.
O artigo analisa como o jornalismo hegemônico tem coberto as mudanças climáticas desde os primeiros alertas da ONU sobre a necessidade de reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Para isso, Ilza retoma o histórico de conferências internacionais sobre o clima e destaca sua importância, juntamente à criação de organismos como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no impulsionamento da cobertura da imprensa quanto a questões ambientais.
O jornalismo ambiental é classificado por Ilza como algo intrínseco à militância, apartado dos conceitos comerciais de objetividade, imparcialidade e neutralidade. “Eu tenho um perfil da militância ambiental, eu nunca a abandonei. Então eu fiz do meu trabalho também o meu local de militância, no sentido de continuar estudando estes temas ligados ao jornalismo ambiental”, aponta.
Segundo Ilza, o jornalismo com a finalidade de colocar em circulação informações que permitam a sociedade participar ativamente de decisões, sofreu uma série de mudanças estruturais ao longo dos anos. Em seus primórdios, era uma atividade que atuava em favor do interesse público, mas, com o tempo, foi subvertido a práticas mercantis, de comercialização e voltada a interesses privados de financiadores.
A partir deste modelo de organização, o jornalismo ambiental é subvalorizado ou pouco preciso quanto às pautas que aborda, ou seja, sempre preza pelo interesse comercial em detrimento da denúncia. Novamente, a pesquisadora retoma eventos históricos importantes para o clima para sustentar sua posição argumentativa e explicar a consolidação do jornalismo ambiental.
Inicialmente, a cobertura ambiental era considerada um ramo do jornalismo científico. No entanto, com os preparativos para a ECO 92, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) realizou, entre 27 e 30 de novembro de 1989, o Seminário para Jornalistas sobre População e Meio Ambiente (Belmonte, 2017). Esse seminário contribuiu para a consolidação do Jornalismo Ambiental no Brasil, pois os jornais passaram a se preparar para a Conferência. (Giardi, 2025, p.8-9)
O artigo destaca que, a partir da consolidação do jornalismo ambiental como um subgênero independente, nem toda cobertura de pauta ambiental pode ser considerada jornalismo. Segundo Ilza, o jornalismo ambiental pode ser identificado a partir de uma estrutura formada por 7 pressupostos epistemológicos: Ênfase na contextualização, pluralidade de vozes, assimilação do saber ambiental, cobertura próxima à realidade do leitor, comprometimento com a qualificação da informação, responsabilidade com a mudança de pensamento e incorporação do princípio da precaução.
“Precisamos pensar na dimensão educativa da informação e como ela pode contribuir com a mudança de pensamento das pessoas em relação a suas práticas”, descreve a professora quanto ao fazer jornalístico. Ela ainda adiciona os pontos do saber ambiental e da pluralidade de vozes como importantes ferramentas para o jornalista.
Ilza reforça a importância de ouvir a ciência e basear o jornalismo ambiental em artigos e especialistas. “É necessário compreender os processos da natureza e passar a nos entender como seres dela. O ser que tem direito à vida assim como todos os outros seres”, aponta.
O artigo ainda propõe uma divisão entre as publicações sobre meio ambiente: as correntes ecotecnocrática e ecossocial, conceitos desenvolvidos em pesquisas anteriores da autora. O primeiro defende o otimismo tecnológico para resolver o problema das mudanças climáticas e aumentar a produção de alimentos, enquanto o segundo considera a disparidade econômica e social entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, criticando e pondo em cheque as propostas de cunho mercantil. Esta análise é de extrema relevância para o entendimento dos exemplos considerados pela autora ao longo do artigo.

Jornalismo e Cidadania Ambiental
Para propor uma análise das pautas ambientais veiculadas na mídia hegemônica, Ilza define a visão deste grupo em relação às mudanças climáticas. A pesquisadora questiona a dita imparcialidade defendida por grandes veículos, mas aponta que estes tão pouco são neutros ou objetivos, já que, em maioria, defendem os interesses das grandes corporações que os financiam que, em grande parte, prezam por um desenvolvimento que não respeita os limites da natureza.
Como exemplo, a professora relata a situação atual de desmatamento do Bioma Pampa. Típico da região sul do Brasil, é muito utilizado para a plantação de soja e eucaliptos e, com a justificativa de geração de emprego e renda, o governo e a imprensa hegemônica defendem a ampliação das lavouras nas regiões em que predominam a vegetação campestre.
O artigo defende que é papel do jornalismo alertar a sociedade sobre tais situações e mostrar a importância ecológica do bioma e seu potencial econômico com o turismo sustentável. “A gente trabalha para mostrar como a cobertura jornalística é inadequada, falha, comprometida e muitas vezes vemos a melhor cobertura no jornalismo não hegemônico”, explica.
O próprio termo “sustentabilidade” explorado pela pesquisadora no artigo é visto como um instrumento a serviço dos objetivos do mercado, uma vez que a mídia hegemônica compromete-se com pautas sustentáveis ligadas a interesses comerciais.
A pesquisadora rememora suas análises anteriormente publicadas sobre pautas ambientais de jornais como Veja, Isto É, Carta Capital, Época e outros, e critica a dificuldade destes veículos hegemônicos de se desvincularem dos preceitos que dominam o campo jornalístico ao realizarem a cobertura climática.
Apesar de tal linha argumentativa, constatou-se no artigo um avanço na cobertura climática durante o governo Bolsonaro (2019-2022). Neste período, ocorreu uma “cruzada” para o desmonte da política ambiental do país por parte do governo e toda imprensa, até mesmo a hegemônica, uniu-se em defesa do meio ambiente e de povos vulnerabilizados.
A pesquisadora observou uma mudança qualitativa na cobertura e indicativos de que a imprensa tinha finalmente “acordado” para o exercício de sua função social primordial de oferecer informações para o exercício da cidadania ambiental.
Caso Rio Grande do Sul e perspectivas para o futuro
Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou o maior desastre climático de sua história, uma série de tempestades que culminaram em inundações por todo o território do estado. O Brasil inteiro se mobilizou com a tragédia que fez mais de 183 vítimas e a imprensa foi uma grande aliada no combate à catástrofe.
Durante o desastre climático do Rio Grande do Sul, os veículos de jornalismo fizeram uma cobertura intensa, dando importante contribuição informativa e orientando o público. As no- tícias revelaram as falhas no sistema de proteção contra enchentes da cidade de Porto Alegre, ouvindo a população, técnicos e pesquisadores das universidades, além das autoridades da Defesa Civil. (Giardi, 2025, p.15)
Retomando os pressupostos epistemológicos do jornalismo ambiental, a pesquisadora defende que o principal ponto falho da cobertura das inundações foi a ausência da pluralidade de vozes. “Seria necessário, durante a enchente, ouvir os pescadores, os indígenas, comunidades precárias que foram mais atingidas. É importante ouvir o que estas pessoas têm a dizer, porque podem nos trazer muitas informações a perspectiva daquele que está passando pelo problema como ninguém”, conclui.
Ilza aponta que, ao longo dos anos, o Rio Grande do Sul sofreu com outros eventos climáticos extremos, como o Furacão Catarina em 2004 e a enchente que assolou o Vale do Rio Taquari em 2023. Apesar disso, não houve um preparo, tão pouco criação de medidas de alerta e mitigação por parte do governo estadual para alertar e proteger a população frente a tais desastres, que tornam-se cada vez mais frequentes no cotidiano da população gaúcha. “A gente teve vários outros eventos extremos aqui no Rio Grande do Sul, e já era para as autoridades terem pensado sobre medidas e planejamento de prevenção e proteção”, afirma.
A professora entende que, para um futuro permeado por eventos climáticos extremos, o jornalismo deve trabalhar para gerar alertas e chamar a atenção da população para um debate público, que tenha a perspectiva preventiva e de adaptação aos efeitos que já não podem mais ser revertidos. “Nesses momentos, o jornalismo deve atuar no sentido de cobrar respostas das autoridades e, em especial, levar a informação correta, que chegue na sociedade e permita que as pessoas discutam sobre estes assuntos. O jornalismo tem um potencial educativo fantástico”, finaliza.
*Imagem de capa: Reprodução/Wikimedia Commons/Lula Oficial- Foto de Ricardo Stuckert
