Proibido Nascer no Paraíso (2021), documentário dirigido por Joana Nin, é uma daquelas obras capazes de nos fazer questionar o nosso pressuposto progresso enquanto sociedade. Ambientado em Recife e Fernando de Noronha, o filme aborda uma temática que nem sempre ganha a atenção entre as pautas que envolvem os direitos femininos: o direito de parir.
Logo nas primeiras cenas o que vemos são algumas das cenas deslumbrantes tão facilmente associadas com o arquipélago pernambucano. Mas não demora muito para que Fernando de Noronha perca um pouco de seu ar paradisíaco em Proibido Nascer no Paraíso. Conforme os minutos passam, é possível entender cada vez mais sobre as dimensões concretas das decisões políticas que vêm sendo tomadas há mais de uma década e que raramente geram indignação.
Isso porque desde 2004, ser mãe em Fernando de Noronha se tornou uma tarefa verdadeiramente desafiadora. Com o desmonte da única maternidade local, supostamente devido ao alto valor que a instituição custava anualmente, todas as gestantes da ilha ficaram sem suporte adequado para terem seus bebês com segurança.
A solução encontrada? Deslocar todas as mulheres grávidas para a capital do estado a partir da 34ª semana de gestação. Apesar da assistência dada pelo poder público durante o período em que residem em Recife, a experiência é traumática. Obrigadas a deixar a maior parte da família, seu ambiente de conforto e suporte por no mínimo 3 meses, no longa Proibido Nascer no Paraíso, as mulheres grávidas e no puerpério não exitam em expressar o desconforto que sentem e a vontade de voltar para seus lares.
No documentário, acompanhamos Ana Carolina (Babalu), Ione e Harlene durante o duro processo de se tornar mãe. Nascidas e criadas no arquipélago, ter que ir ao continente em um momento tão único e delicado quanto esse gera sentimentos conflituosos. Ao mesmo tempo que algumas relatam a insatisfação com a longa viagem e com a impossibilidade de terem seus filhos no lugar onde construíram suas identidades e no qual se sentem seguras, o medo parece ser o sentimento mais presente.
Durante Proibido Nascer no Paraíso, fica evidente que o medo atravessa a vida das futuras mães não apenas devido aos motivos tidos como comuns, mas porque é através dele que os profissionais encarregados de orientar e acompanhar o processo gestacional, as convencem que realizar o parto fora da ilha é, não só a melhor escolha, como a única. Sem UTI neonatal, nem estruturas necessárias para realizar um parto de emergência, aquelas que vivenciam o final da gestação são constantemente alertadas sobre os perigos que o feto corre.
Babalu, que tentou ter seu bebê em Fernando de Noronha, revela que em diversas conversas com profissionais da saúde e assistentes sociais, há a tentativa de responsabilizar as mulheres por qualquer problema que as crianças venham a correr durante os primeiros dias e meses de vida. Em mais de uma cena, é explícito a forma insensível com a qual essa questão é tratada, e uma profissional chega a citar o Conselho Tutelar quando uma das mulheres expressa sua vontade de realizar o parto na ilha.
Proibido Nascer no Paraíso também chama atenção para outras dificuldades que fazem parte do cotidiano dos noronhenses, como o difícil acesso à terra e a moradia, uma vez que para utilizar um terreno, mesmo aqueles localizados em áreas residenciais, é preciso de uma concessão específica dada pela administração do Distrito. A restrição, pensada para preservar o patrimônio ambiental, acaba gerando grandes processos burocráticos para as famílias que há décadas vivem em Noronha em situações cotidianas, desde sair da casa dos pais para construir a própria família, até a troca de parte do encanamento. Mas não só isso, como as crianças nascidas fora da ilha (praticamente todas desde 2004) precisam adquirir permissão para habitá-la permanentemente existem aquelas que, por algum motivo, tiveram esse direito negado.
Uma das mais chocantes cenas é uma filmagem, gravada a partir de uma câmera de segurança em que um homem desce uma rua correndo com um bebê recém nascido em seus braços. A cena, do modo que é apresentada, lembra as imagens que flagram suspeitos de cometerem crimes que o brasileiro está acostumado a assistir nos jornais. A mensagem é clara: nascer em Fernando de Noronha está se tornando, pouco a pouco, proibido.
Proibido Nascer no Paraíso estreou em 11 de março no Brasil. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução/Sambaqui Cultura