Por Giovana Christ (giovanachrist@usp.br)
Philip K. Dick foi um escritor conhecido como transformador do gênero literário de ficção científica e também polêmico para sua época — relatos dizem que o autor passou anos em comunidades hippies, foi viciado em drogas e teve revelações religiosas ao longo de sua vida. O reconhecimento de suas obras — que veio quase totalmente após seu falecimento, em 1982 — as colocaram em posição de clássicos da literatura e uma referência do gênero.
Em Um Reflexo na Escuridão, o autor usa de sua experiência com o mundo das drogas (seus anos de escrita foram regados à anfetamina e LSD) para criar um cenário futurista de uma sociedade que se torna viciada em uma droga letal: a Substância D, um entorpecente que traz problemas permanentes aos usuários, sendo o mais sério deles a cisão entre os dois hemisférios do cérebro, fazendo-os agir de forma independente. Os personagens são inspirados nos amigos do autor que também estavam envolvidos com drogas e acabaram falecendo ou tiveram danos físicos permanentes por conta do abuso dessas substâncias. Na nota do autor, ao final do livro, Dick coloca uma lista dos amigos homenageados e o que aconteceu com cada um deles.
O personagem de dois nomes
A narrativa acompanha o personagem Bob Arctor/Fred, policial infiltrado e disfarçado de usuário que tem a incumbência de descobrir o fabricante da droga no país — que ao que tudo indica vem de uma única fonte, por seu baixo preço e difícil produção — por meio de seus colegas de apartamento e sua fornecedora de Substância D.
O problema de Fred começa quando recebe a função de monitorar as câmeras de vigilância de sua própria casa (os policiais usam um tipo de vestimenta que não revela sua verdadeira identidade, então essas coincidências eram possíveis), e para manter seu disfarce como usuário, ele acaba tendo que consumir as drogas que compra. Ao monitorar seu próprio dia a dia pelas câmeras o personagem cria uma dúvida de quem ele realmente é — policial ou usuário —, o que se agrava ainda mais com o aumento do consumo da droga durante o decorrer da história, causando a Arctor uma deficiência na conexão entre os hemisférios do cérebro, o que cria duas realidades paralelas para a consciência do usuário de Substância D.
Quem está confuso, você ou o autor?
A leitura da obra — conhecida como a mais obscura de Dick — não é das mais cativantes e não traz ao leitor um impulso de ler tudo de uma vez, provavelmente por causa de seu ritmo lento e complexo, com cenas bem detalhadas e grandes intervalos entre um episódio e outro. A sensação que acompanha toda a leitura é a de sempre se estar perdido em meio a narrativa, aos personagens e aos acontecimentos, o que deixa a constante dúvida se você está entendendo ou não a história que o autor conta.
A troca de nome do personagem principal — que acontece duas vezes — é outro fator que pode confundir o leitor sobre a narrativa e seus participantes, fazendo uso de um artifício genial do autor, trazendo para quem está lendo a sensação de desorientação que os personagens estão sentindo e a cada vez mais forte perda da percepção da realidade — você demora alguns capítulos para perceber que é o mesmo personagem, mas que ele não se reconhece nos diferentes papéis em que vive, da mesma forma que o leitor não entende.
A história foi adaptada para filme e lançada em 2007 com o nome de O Homem Duplo, sob a direção de Richard Linklater, contando com um elenco de peso com: Keanu Reeves, Robert Downey Jr. e Winona Ryder e conhecido por sua produção artística em que os personagens reais são transformados em animação com ilustrações imitando tinta.