Cada vez mais recorrentes, os transtornos de personalidade ainda são um enigma para a ciência atual
Por: Barbara Cavalcanti (cavalcantibarbara4@gmail.com)
Já imaginou estar no meio de uma discussão estressante e, de repente, sentir-se fora de seu próprio corpo ou se tornar outra pessoa? Parece cena de filme, porém pessoas portadoras de um distúrbio chamado Transtorno Dissociativo de Personalidade/Identidade são reféns de mudanças bruscas de comportamento inconscientes. Para alguns, algo sobrenatural, para outros, a loucura. Não importa a opinião, a desordem psiquiátrica vem sendo cada vez mais estudada, devido ao seu misterioso poder de atingir emocionalmente e até biologicamente o indivíduo.
A característica definidora do Transtorno Dissociativo é a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou uma experiência de possessão. Quando estados de personalidade alterados não são observados de forma clara, busca-se a confirmação de dois sintomas: alterações repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias ações (Critério A) e amnésias dissociativas recorrentes (Critério B).
Os sintomas do Critério A estão relacionados com alterações em funções básicas de um indivíduo, como mudança de atitudes, opiniões e preferências pessoais. Indivíduos com transtorno dissociativos de identidade podem relatar o sentimento de terem-se tornado subitamente observadores despersonalizados de suas “próprias” falas e ações, e também podem relatar a escuta de vozes. O paciente tem a sensação de que tais atitudes, emoções e comportamentos “não são meus” ou “não estão sob meu controle”.
Amnesias que afetam os portadores da desordem podem ser de três formas: lacunas na memória remota de eventos da vida pessoal (por exemplo, períodos da infância ou adolescência; alguns eventos de vida importantes, como o próprio casamento); lapsos na memória normalmente confiável (o que aconteceu hoje, de habilidades bem aprendidas, como ler e dirigir); e descoberta de evidência de ações e tarefas cotidianas que eles não lembram terem feito (como encontrar objetos inexplicáveis em suas sacolas de compras ou entre seus pertences).
A forma de possessão do transtorno manifesta-se, em geral, com comportamentos que surgem como se um “espírito”, um ser sobrenatural, tivesse assumido o controle de tal forma que o indivíduo começa a falar e agir de maneira claramente diferente. Os estados que surgem durante o transtorno na forma de possessão apresentam-se mais de uma vez, geralmente não são desejáveis e a pessoa não possui um controle sobre sua manifestação. Essa modificação de estado causa sofrimento e alteração do padrão clínico aparente e não é parte normal de uma prática cultural ou religiosa amplamente aceita pelo indivíduo.
A base biológica para tamanha modificação é estudada por poucos especialistas, o que torna a desordem um grande mistério ainda a ser desvendado. Allan Shore, professor da Universidade de Los Angeles, Bethany Brand, professora de psicologia da Universidade de Towson e Russell Meares, professor e psiquiatra da Universidade de Sidney na Austrália, são alguns dos pesquisadores que mais conseguiram explicar a base biológica e consequências do transtorno dissociativo.
O estranho caso da mulher que possuía 10 personalidades
O principal caso desse transtorno foi de uma alemã, a qual apresentava cerca de dez personalidades diferentes, porém só enxergava com algumas delas. B.T, como prefere ser identificada, sofreu um acidente de carro e foi diagnosticada com cegueira cortical, causada – de acordo com seu laudo médico – pelo dano cerebral ocasionado pelo acidente. Não obstante, anos após o acidente, em uma das visitas ao psiquiatra, ela conseguiu enxergar a capa de uma revista do consultório.
Com exclusividade para a Jornalismo Júnior, o professor assistente de psicologia médica do Instituto de Medicina Psicológica de Munique, que participou do tratamento de B.T, Hans Strasburger, afirmou que essa desordem pode afetar áreas como a memória, ocasionando as amnesias dissociativas, enquanto o paciente está com estado de ser alterado e também a visão, como foi o caso da alemã. O mais interessante foi que, em exames feitos, enquanto B.T dizia estar enxergando, a parte do cérebro responsável pelo sentido estava, de fato, ativada, e quando ela afirmava não estar enxergando, essa mesma área não estava ativada. De acordo Hans, a paciente já não está em tratamento e sua situação atual é a de uma pessoa cega que, de vez em quando, consegue ver.
O diagnóstico para o transtorno dissociativo de personalidade é difícil e controverso. Em entrevista para o Jornalismo Júnior, o médico psiquiatra e pesquisador australiano Joan Haliburn afirma que a alteração geralmente é percebida após algum trauma pessoal como abuso sexual, físico ou emocional. Joan prefere afirmar que não são mudanças de personalidade e sim de “estados de ser” e, muitas vezes, esses estados podem ser parecidos com a personalidade dos responsáveis pelos traumas vividos pelo paciente. O médico ainda aborda a relação do paciente com a família, a qual muitas vezes é negligente, conservadora de um modo negativo ou intrusiva, a ponto de não perceber o efeito devastador de sua conduta na vida da pessoa que apresenta tal distúrbio. Dessa forma, as mudanças de “estado do ser” são vistas, segundo o médico, como uma forma de defesa que o paciente, inconscientemente, cria para lidar com seus abalos emocionais.
Infelizmente, pacientes com o transtorno estão mais propensos a cometerem suicídio. Em uma média, cerca de 70% dos portadores da desordem já tentaram suicídio em algum momento da vida. Esse número pode ser ainda maior, pois a pessoa pode não se lembrar da tentativa de tirar a própria vida em uma mudança de estado, ou seja, após amnesia dissociativa. O acompanhamento psiquiátrico é de fundamental importância para a administração dos efeitos do distúrbio e para amenizar os abalos que podem vir a surgir no emocional do paciente. O apoio médico prolongado pode aumentar lentamente a capacidade de a pessoa controlar os sintomas e diminuir casos de saúde mais sérios, como internações.