Este filme faz parte do 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Sem dúvidas, um dos artifícios mais difíceis do documentário é fazer com que seu espectador acredite que o que está sendo mostrado é um recorte intocável da realidade. É certo, no entanto, que a partir do momento em que uma câmera divide o mundo real daquele gravado, essa premissa já é fatalmente destituída. Assim, desde que os cineastas se deram conta disso, vê-se inúmeras tentativas de se brincar com os limites entre real e ficção; Caçando Fantasmas (Istiyad Ashbah, 2017) é mais uma dessas obras. Infelizmente, o que muitos outros títulos como Jogo de Cena (2007) e Close-Up (Nema-ye Nazdik, 1990) atingem, é aqui prejudicado pela artificialidade com que as cenas transitam entre os dois mundos.
Recrutando homens palestinos que passaram por centros de interrogação em Jerusalém, Raed Andoni (que dirige e atua) monta uma reencenação da violência sofrida por eles. Desse modo, o filme começa aparentemente factual, com os homens lembrando como eram tratados e a truculência dos carcereiros. Pouco a pouco, enquanto constroem a locação e estudam as personagens, o desentendimento criativo floresce e os atritos passam a ser recorrentes. Daí um tempo, vem a reconciliação. Num primeiro momento, até nos questionamos se o que testemunhamos é atuação ou de fato verdade, mas em certo ponto já presenciamos tantas discussões tantas vezes, que a ambiguidade é logo substituída pela exaustão.
Além disso, conforme os ensaios se sucedem, um a um, voltam os traumas dos personagens. Aqui, não só isso acontece também repetidas vezes, como tudo é capturado do começo dos desabafos, dando a impressão da conversa ser premeditada – ainda mais se consideramos que várias dessas situações ocorram em cantos ou quartos isolados da maioria das pessoas. Pior ainda, quando nas três vezes em que isso acontece, o câmera decide se afastar ou se esconder detrás de uma parede, fingindo “dar um espaço” a intimidade deles. O que também se sucede no fim da projeção, em que a obra entrecorta as partes importantes de cinco conversas simultâneas. Em outras palavras, o cinegrafista precisaria estar em cinco lugares ao mesmo tempo.
A artificialidade também se faz presente na inclusão de cortes em que os atores se maqueiam e outros de um garotinho em animação, que nada condizem com o que vinha sendo mostrado. Para terminar, algumas das falas supostamente espontâneas são claramente roteirizadas, como “você é um controlador, quer que sejamos peões no seu jogo de xadrez”. Juntando-se todos esses fatores, chegamos a uma resolução que nos leva ainda a um campo metafísico, destoando de qualquer pretensão documentária que se tinha inicialmente.
Nesse miolo caótico, talvez uma das únicas boas indagações levantadas pelo “documentário” seja a da validade ou não de se servir de traumas para estimular o factual na arte. Fora isso, Caçando Fantasmas sabota todas suas tentativas de brincar com os limites do gênero, deixando todo potencial de dubiedade escambar para um abordagem puramente maquinada e revoltosamente chata.
Trailer com legendados em inglês:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com