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Estética da Fome

Saulo Yassuda Muito se fala da estética da miséria: a pobreza estilizada que a deixa mais “digerível” à maioria do público que consome cinema. Além do estrondoso barulho que se tem feito ao ganhador do Oscar Quem quer ser um milionário?, de Danny Boyle, filmes brasileiros já traziam essa tal estética, começando com Cidade de …

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Saulo Yassuda

Muito se fala da estética da miséria: a pobreza estilizada que a deixa mais “digerível” à maioria do público que consome cinema. Além do estrondoso barulho que se tem feito ao ganhador do Oscar Quem quer ser um milionário?, de Danny Boyle, filmes brasileiros já traziam essa tal estética, começando com Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, e, mais recentemente, em Tropa de Elite, de José Padilha. Nesses filmes não são poupadas cenas de grande realismo, que mostram a miséria com profundeza, mas pintada com tintas mais fortes.

É também de Padilha a direção do documentário Garapa, outro filme mostra a miséria de maneira estilizada para torná-la mais digerível. Mas a diferença é que, em Garapa, a miséria é real, é documentada com três famílias de verdade que moram no Ceará. A diferença é que em Garapa o diretor não carrega nas cores – muito pelo contrário: não há cores. O filme é rodado todo em preto e branco, alto contraste entre a duas tonalidades, o que lembram muito fotos de Sebastião Salgado, que também retrata a miséria. A falta de cores estiliza a miséria, deixa-a mais “artística”, mas não deixa de chocar.

Padilha faz questão de mostrar as feridas nas peles das crianças, as moscas sobre elas, sobre os alimentos, a má higiene das casas, as crianças nuas e deitadas em chãos de terra. Ele mostra uma miséria em que, muitas vezes, o único alimento que os pequenos têm é uma mistura de água com açúcar (que dá nome ao documentário). O filme abre com crianças nuas em um quintal de chão de terra seca; não se dá para saber se se trata de um filme de agora ou de muito tempo atrás. Aos poucos, porém, Padilha vai mostrando o cotidiano de três famílias cearenses miseráveis, duas do interior do estado, e outra na periferia de Fortaleza. Essas famílias, com pai, mãe e filhos, lutam pela sobrevivência, pelo alimento que falta. E, com a câmera na mão, o diretor mostra o cotidiano dessas personagens nessa luta diária por comida, que agem como se não houvesse ninguém lá, exceto nas horas em que são entrevistados e dão suas declarações.

Muito de Vidas Secas (Graciliano Ramos) está em Garapa. Desde a luta pela alimentação até o cenário seco e desolador. Muitas vezes, é difícil compreender o que falam os documentados. Ao mesmo tempo, é possível ver em imagens aquela miséria que se encontra nas estatísticas, que nem sempre é possível visualizar. Garapa permite que o espectador de cinema, que dificilmente é aquele que mora no interior do Ceará, possa conhecer a miséria. Mesmo que estilizada. Mesmo que nada faça para mudá-la. Mesmo que, no fundo, tudo continue na mesma.

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