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22º Festival É Tudo Verdade – No Intenso Agora

Este filme faz parte do 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui. Em tempos tão obscuros, nada mais esclarecedor do que olhar para o passado. Esse ano, dois dos maiores representantes brasileiros no Festival de Berlim buscaram nas origens do brasileiro e do ser político muito da …

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Este filme faz parte do 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui.

Em tempos tão obscuros, nada mais esclarecedor do que olhar para o passado. Esse ano, dois dos maiores representantes brasileiros no Festival de Berlim buscaram nas origens do brasileiro e do ser político muito da turbulência que constatamos hoje nas ruas. Joaquim (2017), de Marcelo Gomes, remonta ao período de Tiradentes para denunciar a corrupção herdada dos portugueses ainda no período colonial. Já em No Intenso Agora (2017), João Moreira Salles volta sete anos depois do multipremiado Santiago (2007) para tratar da onda de revoluções que marcaram o ano de 1968 ao redor do mundo. Conhecido pelo viés de esquerda – que gerou obras como Entreatos (2004), em que acompanha o ex-presidente Lula por comícios e debates que culminaram em sua primeira eleição –, aqui o diretor não poupa lados. Se de um, vemos a insatisfação geral da população para com seus governos, de outro, o encantamento apaixonado  que levou e também dispersou toda a mobilização, em questão de semanas. Através de um trabalho de pesquisa minucioso, Salles captura esperança, transgressão, violência e desilusão, enquanto narra ao público o intenso antes de Brasil, França, República Tcheca e China que ecoam no agora do dia-a-dia.

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Dividido em dois capítulos – num primeiro (“De volta à fábrica”) em que trata da inconformação e revolta, e num segundo (“A saída da fábrica”) de retorno à normalidade e ao conservadorismo –,  é curioso perceber, logo de cara, a inversão dos nomes, talvez como comentário do diretor ao insucesso das ações. Mesmo assim, em sua primeira metade, o documentário não deixa de expor a adesão que a greve geral na França de maio de 68 teve. Num cenário de caos civil, carros são tombados na rua, vidraças estilhaçadas e as ruas tomadas de manifestantes e seus incendiários contra a polícia. De um lado, o general Charles de Gaulle, que mais de 20 anos depois de tirar o país da Segunda Guerra Mundial, era já há dez, presidente sem contestação. De outro, operários e principalmente jovens, refletidos na figura de Daniel Cohn-Bendit, pedindo a resignação daquele.

Para isso, é de extrema sensibilidade que Salles não só inclua pronunciamentos oficiais ou discursos políticos, como também guarde um bom espaço para documentários da época. Assim, por mais que as demais imagens ajudem a contextualizar historicamente, são essas outras que estabelecem a aura do ocorrido. Uma em particular, em que os jovens se divertem explicando como comporiam o movimento à mãe de um dos militantes que há mais de uma semana não voltara para casa, é sintomática: esses seriam “momentos únicos para esses jovens. (Posteriormente), lidar com uma nostagia tão precoce seria a dificuldade de toda uma geração”, como pontua Salles. Não à toa, nos anos seguintes a 68, a França veria um dos indíces mais altos de suícidio da população jovem, como mostraria mais tarde o documentário Morrer aos 30 (Mourir à 30 ans, 1982).

Um outro acerto do filme é intercalar esses relatos com outros de sua mãe na China, que por mais distantes que pareçam, tenham uma relação ideológica muito próxima –  basta lembrar que Godard, um dos maiores diretores da nouvelle vague francesa, sintetizaria muito dos pensamentos maoístas em A Chinesa (La Chinoise, 1967). Muito mais do que apenas lembranças pessoais, as gravações amadoras da mãe evocam muito do encantamento que os jovens teriam com relação à pretensa harmonia oriental de Mao e Lênin. Por outro lado, é também interessante notar como muitas das anotações dela revelam sobre a própria condição da família Salles, em que a delicadeza das mãos das crianças chinesas mais interessava do que a eclosão política na região. Sendo assim, No Intenso Agora serve também como um resgate e uma certa emancipação da identidade do diretor, que também com isso acrescenta uma camada a mais de subjetividade política, que por natureza humana já é sentimental.

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E por lidar com a emoção e até mesmo com uma história que se intercede à sua, Salles é muito feliz ao quebrar maniqueísmos românticos do movimento. Se a sequência final de Os Sonhadores (The Dreamers, 2003) é sutil em expor a alienação dos jovens do maio de 68, quando o casal de gêmeos praticamente se joga à morte por um ideal que pouco sabiam definir, aqui o documentário é direto ao criticar a liderança dita liberal, porém quase que inteiramente masculina branca estudantil, ou em outras palavras, excludente às mulheres, negros e operários, aos quais também pretendia defender – “nossos futuros patrões”, como algum trabalhadores se referiam à juventude fervorosa. Não só isso, como Cohn-Bendit tornou-se ele próprio outro dos interprétes do sistema – num arco parecido com o do protagonista de “Fifteen Million Merits” na série Black Mirror (2011-).

Frente a um quadro tão complexo, político e emocional é uma pena que o segundo capítulo não mantenha o nível do primeiro. De Praga ao Rio de Janeiro, a obra se demora bons minutos contextualizando as peculiaridades de cada localidade e conflito, numa tentativa final de relacionar todos eles e especular onde a paixão não se efetivou em ação. O problema é que não é possível enquadrar a emoção e dissecar seus defeitos. Eles estão lá e deles podemos traçar hipóteses, mas procurar uma conexão chega a ser uma tarefa grosseira, se lembrarmos que a realidade desses países eram muito mais diferentes do que Salles faz parecer: Praga, por exemplo, está sob domínio soviético e o Brasil, país latino-americano, acaba de começar seus anos mais escuros da ditadura militar. Talvez disso tudo, o único sentimento que se extraia seja o pessimismo latente de momentos antes tão intensos.

Mas No Intenso Agora não parece seguir por esse caminho. Seja daqueles que fizeram parte de maio de 68, do diretor, ou de nós brasileiros, desesperançosos com o que o país de agora ainda tem para nos surpreender, é possível sentir um certo saudosismo da época. A esses, o que vale é a agitação por si só, e não se ela é capaz de gerar bons frutos. Aqui, a simples existência é prova suficiente para sua legitimidade. E quando então Salles termina a projeção com a famosa sequência de A Saída dos Operários da Fábrica Lumière (La sortie de l’usine Lumière à Lyon, 1895), talvez o que ele queira dizer é que essa saída ainda está por vir.

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Trecho do filme: 

por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com

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