Este filme faz parte do 23º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Sessão às 19hrs. Retirada uma hora antes. 17h55 e pessoas alinhadas em fila. 56, 57, 58, 59, 18h. Ingresso retirado. Mais uma hora até o filme. Dá pra comer um pouquinho, ir no banheiro e conversar com a assessora antes de entrar. 18h55, outra fila. Alguém diz que o filme anterior começou atrasado, e a sessão vai demorar mais dez minutos. 19h19, curador se apresentando. 19h25, diretor se apresentando. 19h29, luzes se apagam, e filme começa.
Primeira cena. Cadeiras vazias de um espetáculo. A nós que tantos esperamos, o que nos sobra é esperar mais um tanto. Pouco a pouco, vamos vendo contrabaixistas, trompetistas e maestro afinando os instrumentos e ajeitando seus lugares. Cortinas e figurinos sendo conferidos, últimas luzes sendo arrumadas. A ópera está pra começar, e aquelas mesmas cadeiras antes vazias agora são ocupadas por jovens e idosos mexendo em seus celulares. O som aumenta, a luz se apaga, o espetáculo começa. Em Espera (2018), Cao Guimarães defronta o espectador com diversas situações que o objeto em cena é o tempo-morto que outros diretores facilmente pulariam. Numa lógica cinematográfica tão regrada pela ação e reação, essa espera surge como um alívio.
Quantas formas de espera você consegue imaginar? Cao pensa em três: a do cotidiano, a social e a metafísica. No cotidiano, vemos um porteiro arrumando a cruz na parede, carros passando do lado de uma lojinha de estrada e faxineiras limpando um terminal de ônibus. Na social, temos os depoimentos diários de um jovem trans após a cirurgia. E na metafísica, o diretor faz reflexões sobre tempo e memória, enquanto o acompanhamos na tentativa de revelar algumas imagens gravadas anos antes em sua antiga Super 8.
Enquanto conhecemos a premissa do filme, as experimentações surgem de muito bom grado. Qual é a melhor forma de representar a demora para revelar um filme fotográfico? Cao nos entrega uma tela preta. E ao fundo, além do som do equipamento, ouvimos ele falando a lista de químicos utilizados para revelação. Em outras cenas, após acompanharmos a ansiedade do garoto trans em ver sua barba crescendo, sua espera esbarra com a burocracia e conservadorismo brasileiro de simplesmente imprimir um documento que ateste o gênero com o qual ele se identifica.
Meio caminho andado de filme, Cao levanta uma reflexão interessante: de tanto esperar, esquecemos do que esperávamos. Daí, o esperar vira a ação em si. E, de fato, essa é a sensação que temos; mas também o grande problema do filme. Fosse 40, 60 ou 70min de duração, a conclusão seria a mesma. Após testemunhar uma série de esperas, a semelhança e o vazio das cenas as torna enfadonhas.
Isso se estende às cenas metafísicas. Inicialmente as mais provocativas, se repararmos atentamente nos discursos que as acompanham, veremos que as falas partem de nada e chegam a nada. Obviamente, a liricidade é forte, mas as ideias não criam liga e pouco conversam com a premissa. E quando voltam a conversar ao final do filme, a reflexão é a mais básica possível: algo como “agora que os filmes fotográficos foram revelados, eles já não mais esperam para serem vistos”.
Uma decepção, primeiramente, para o potencial que o filme apresentou em sua abertura. E em segundo lugar, para o tempo investido esperando uma reflexão que justificasse suas delongas.
No mais, ficamos em espera para passar a catraca do metrô.
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com