ATENÇÃO: O TEXTO ABAIXO CONTÉM SPOILERS SOBRE O ENREDO E FINAL DO FILME
Lançado em 2001, o filme Donnie Darko (2001), de Richard Kelly (diretor e roteirista) sofreu com vários obstáculos. Em primeiro lugar, nenhum estúdio de Hollywood queria comprar o projeto, que chegou a ser considerado “morto” por determinado tempo, até o ator Jason Schwartzman se interessar pelo roteiro e ajudar o longa a sair do papel. Outro problema foi o baixo orçamento de apenas 4.5 milhões de dólares, que fez com que a produção tentasse conseguir vários descontos com o equipamento necessário. Depois, sua primeira exibição ocorreu no maior festival de filmes independentes dos Estados Unidos, Sundance Film Festival, onde falhou em conseguir uma distribuidora rapidamente e foi criticado por não parecer independente o suficiente, devido à presença da famosa atriz Drew Barrymore e de efeitos técnicos, que não agradaram o público do festival.
Porém, nos dias de hoje, o longa metragem é considerado um dos maiores clássicos cult contemporâneos, arrecadando uma legião de fãs e centenas de teorias diferentes sobre o que realmente acontece nesse filme. A história, inicialmente, parece bastante simples e, até mesmo, clichê: O cenário é um subúrbio estadunidense dos anos 80 e seu protagonista um adolescente problemático. Mas o enredo do filme vai bem mais longe: fim do mundo, viagens no tempo e realidades alternativas.
Donnie Darko (2001), entretanto, não deixa claro desde o início qual é a sua principal temática. Diferente de outros filmes famosos sobre viagens no tempo, como a trilogia De Volta Para o Futuro (Back to the Future, 1985), a temática só aparece depois de ter se passado aproximadamente metade do filme e não se trata do tipo “comum” de viagem no tempo. Sendo assim, o enredo não é nada fácil de se entender.
Explicação de Richard Kelly
O filme se passaria em dois universos o Universo Primário e o Universo Tangente, explicados no livro da Vovó Morte, A Filosofia da Viagem do Tempo. Dessa maneira, durante a madrugada de 2 de outubro de 1988, é criado um Universo Tangente, onde se passa quase toda a história. Quando esse fenômeno extremamente raro e sem explicação exata ocorre, às vezes surge espontaneamente um Artefato, que deve ser devolvido para o Universo Primário, pois torna o Universo Tangente altamente instável, posto que ele não suporta a existência duplicada de um mesmo objeto, fazendo com que esse universo entre em colapso em exatos 28 dias 6 horas 42 minutos e 12 segundos, “formando um buraco negro no Universo Primário, capaz de destruir toda a existência.”
E é aí que entra Donnie Darko, ele foi escolhido como Receptor Vivente para guiar o artefato de volta ao Universo Primário e, assim, ganha “super poderes” (super força, telecinese, habilidade de conjurar fogo e água…) para completar sua missão. O coelho Frank também tem um papel importante nessa parte, ele é o Morto Manipulado, ou seja, alguém que morre no Universo Tangente e guia, por meio de alguns poderes adquiridos, o receptor vivente. Frank, então, prepara as chamadas Armadilhas de Garantia para garantir que o Artefato seja devolvido. Esse seria o caso da inundação da escola e do incêndio na casa de Jim Cunningham. Os Viventes Manipulados também são importantes e consistem em amigos, familiares e vizinhos do receptor vivente, auxiliando-o através de suas ações inconscientes na devolução do artefato. Por exemplo, a Professora Pomeray escreve no quadro negro a frase Cellar Door (Porta da Adega), que é o meio para entrar na casa da Vovó Morte, onde acontece uma das cenas mais importantes do longa.
Desse modo, o filme se passaria todo no Universo Tangente e apenas seu final no Universo Primário, após Donnie abrir um portal e devolver uma das duas turbinas idênticas que existem naquele universo.
Porém, Richard Kelly, a mente por trás de toda a história e dessa teoria, diz que essa é apenas a sua teoria como espectador e que deixou muitas coisas de fora dela. Sua intenção era que cada espectador pudesse formar a sua própria teoria sobre os acontecimentos de Donnie Darko
Trilha Sonora
Um dos aspectos mais importantes do filme é a sua música. Além de terem sido escolhidas canções datadas da época em que se passa o filme, os anos 80, suas letras conseguem se encaixar bastante com a história sendo contada.
The Killing Moon de Echo and the Bunnymen é a música de abertura do filme e toca durante a sequência em que é apresentada a família Darko. Apesar de, no roteiro da versão do diretor, a sequência inicial acontecer ao som de Never Tear Us Apart de INXS, The Killing Moon parece ser a música perfeita para o filme, sua letra encaixa-se totalmente com a trama : o refrão “Fate/Up against your will/Through the thick and thin/ he will wait until/You give yourself to him”,traduzido como “Destino/Contra sua vontade/Para o que der e vier/Ele esperará até/ Que você se entregue a ele”, pode ser facilmente relacionado com o papel de Donnie, que está destinado a devolver o artefato e morrer no processo, algo que ele não pode evitar.
Outra cena musical bastante importante é a sequência em que conhecemos a escola. A cena foi coreografada para se encaixar com a música Head Over Heels de Tears for Fears, assim como na parte Time Flies em que se mostra o tempo passando na aula da professora Pomeroy, e apresentar os outros personagens, já que todos estão fazendo algo que diz um pouco sobre a sua personalidade e papel na trama.
Há também a cena final, em que se toca a melancólica Mad World cantada por Gary Jules e Michael Andrew. A música se encaixa perfeitamente com o final do filme, que mostra a tristeza e confusão dos personagens ao acordarem e terem certos vestígios das memórias do que aconteceu, como quando Frank encosta em seu olho direito onde teria levado o tiro, e o luto da família Darko diante da morte de Donnie. As letras da canção podem ser relacionadas com o final do personagem principal: o trecho “Hide my head/ I wanna drown my sorrow/No tomorrow, no tomorrow/ And I find it kind of funny/Find it kind of sad/The dreams in which I’m dying are the best I ‘ve ever had.” de tradução “Escondo minha cabeça, quero afogar meu sofrimento/ Sem amanhã, sem amanhã/ E eu acho isso meio engraçado/ E eu acho isso meio triste/Os sonhos nos quais estou morrendo são os melhores que eu já tive” parece um desabafo final de Donnie Darko que sabe que irá morrer em instantes.
Foreshadowing
Foreshadowing é uma expressão da língua inglesa e trata-se de um artifício utilizado para insinuar algo que acontecerá futuramente na trama. No filme Donnie Darko (2001), ele é utilizado algumas vezes e está relacionado com as Armadilhas de Garantia, como é o caso do Cellar Door, já citado anteriormente, e do momento em que Donnie conta para Gretchen que ele incendiou uma casa quando os dois passam em frente à residência de Jim Cunningham. Outra situação de foreshadowing envolvendo Cunningham é o breve segundo em que ele aperta as nádegas de uma criança em seu vídeo motivacional, o que faz alusão ao fato de ele ser pedófilo.
O Coelho
O maior símbolo do filme é a figura do coelho. Ele aparece como um bichinho de pelúcia de Samantha Darko, irmã mais nova de Donnie, como uma fantasia do personagem principal em um Halloween anos atrás, como uma lanterna feita de abóbora e como Frank, o personagem mais emblemático do filme. A fantasia de coelho, desde então, se tornou um símbolo da cultura pop, sendo impossível se lembrar do filme sem pensar neste coelho assustador.
Sequência
No ano de 2009, sem qualquer envolvimento de Richard Kelly, foi lançado, diretamente em DVD e Bluray, S.Darko – Um conto de Donnie Darko (S.Darko, 2009), que conta uma história da, já adolescente, irmã mais nova de Donnie, Samantha Darko. O filme foi fracasso de crítica e não agradou ao público.
No início de 2017, Richard Kelly revelou suas intenções de fazer uma sequência “Acredito que exista algo maior e mais ambicioso para realizar nesse universo. É algo grande e caro e há tempo para chegar lá. Quero ter certeza de que conseguimos o orçamento que faça justiça sem concessões. Vou lançar meu próximo filme e depois podemos voltar e dar uma olhada nisso.” Desde então, nada mais se comentou sobre esse assunto.
Por Nathalia Giannetti
nathaliagiannetti@usp.br