Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Um documentário que vai das manifestações de junho de 2013 até as que ocorreram durante a Copa do Mundo. Quem pensa nisso, pode lembrar de alguns filmes já feitos que buscaram explicar os fatos de forma mais tradicional, alternando entrevistas e imagens. Operações de Garantia da Lei e da Ordem (2017), de Julia Murat, propõe uma montagem somente a partir de imagens de arquivo produzidas por jornais da grande mídia, veículos independentes e das redes sociais, narrando os acontecimentos pouco a pouco com a contribuição de vários elementos e diferentes abordagens de comunicação.
Ambientado no Rio de Janeiro, o filme explicita a repercussão midiática e as reações políticas relacionadas aos protestos que se iniciaram devido ao aumento da tarifa de ônibus e que se estenderam a outros motivos. Acompanhando sete desses eventos, o documentário apresenta intertítulos como “passos”, que caracterizam as operações de Garantia da Lei e da Ordem, e que são trechos reais da cartilha normativa homônima. Tem-se como alguns dos exemplos “estimular as lideranças comunitárias favoráveis às operações” e “enfraquecer o ânimo e a moral das forças oponentes compelindo-os à desistência voluntária”.
Lançado quatro anos após os ocorridos e, portanto, com um distanciamento capaz de analisar os fatos de forma mais abrangente, a diretora Julia Murat e o codiretor Miguel Antunes Ramos reconstroem a narrativa de forma inteligente e inovam no tema. As imagens e as situações apresentadas são, no geral, de conhecimento público, como a morte de Santiago Andrade, cinegrafista da Band, a atuação de Black Blocs ou flagrantes forjados pela própria polícia. A linha narrativa, no entanto, escancara a cobertura tendenciosa da grande mídia, principalmente ao confrontá-la com a visão do jornalismo alternativo.
Além do contraste da mídia, há uma distante mas presente análise da atuação política durante o processo. O discurso de Dilma no início do filme aborda as manifestações como válidas, mas traz a posição da presidente de condenar a postura violenta de alguns manifestantes que ameacem a ordem, além de mostrar o governo focado em mantê-la. Esse esforço é evidenciado no filme por meio da repressão das diferentes instituições do Estado, seja na forma de violência policial ou juridicamente, nos decretos assinados para cercear a liberdade política. A partir disso, o documentário retrata com sutileza a naturalização de eventos inaceitáveis presente na sociedade e apresenta isso como um processo criado com ajuda da mídia.
O questionamento que fica, no entanto, é o público que o filme busca atingir. O direcionamento construído com o trabalho da montagem deixa clara a colocação dos diretores, mas até onde o filme ousa em relação a espectadores? A exibição do discurso do Temer no fim do longa acompanha a temática da garantia de ordem, mas não há um contexto abordado em torno da cena. A fala é de maio de 2016, durante a nomeação dos Ministérios. Os últimos protestos apresentados no filme datam de julho de 2014, após o fim da Copa. Um pulo de quase dois anos para uma cena única que não propõe muito debate, como o resto do filme o faz.
Alguns espectadores questionaram esse ponto específico após o fim da exibição. Em um debate pós-sessão de estreia do filme na Mostra, alguns dos intuitos dos diretores foram trazidos. E esses objetivos giram em torno de fazer crítica à política de forma mais abrangente e apartidária, o que pode ser interpretado como um certo receio de se fazer parecer unicamente crítico ao partido de Dilma. Ao mesmo tempo, há a inevitabilidade de abordar um tema que não pode ser deixado de lado, como o golpe, segundo Murat e Ramos. Mas, de certa forma, isso só ressalta ainda mais como a consciente decisão de trazer Temer de forma rápida pode ter sido tomada visando a comodidade de um público pré-estabelecido, ao invés de tentar trazer diferentes pessoas para adentrar nessa inovadora abordagem do tema. Há que se pesar que talvez os objetivos de direção não se voltem para esse esforço, mas talvez o quase batido “Fora Temer” tenha acabado por destoar o foco do filme, e, aparentemente, apenas para não perder a oportunidade de inserir uma crítica superficial ao referido golpe.
por Beatriz Gatti
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