O processo de criação artística em geral sempre foi marcado por polêmicas no tangente a originalidade de criação. O limiar entre cópia e inspiração é deveras sutil, e há tempos gera muita discussão. Até que ponto você se limitou a representar arquétipos, imagens recorrentes do inconsciente coletivo? Quando um diretor de cinema usa dos estudos de luz do renascentismo, para conseguir um quadro perfeito, ele copiou? Os termos pelos quais a propriedade intelectual se dá limitam a criação artística, ou privilegiam a originalidade?
De acordo com a jurista Thais Jurema da Silva, a consideração legal do plágio artístico no Brasil se dá da seguinte forma: “O plágio está inserido no conceito de reprodução, definido pelo artigo 5º, VI, da Lei nº 9610/98. Segundo a referida Lex, reprodução consiste em ‘a cópia de um ou vários exemplares de obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido’”.
No caso da cinematografia, em um processo de danos a propriedade intelectual, considera-se desde detalhes técnicos, como montagem, enquadramento, efeitos especiais; até detalhes do roteiro. Como a produção audiovisual é bastante complexa, identificar a mistura destes elementos que configura o plágio também é difícil.
Trouxemos, por fim, alguns casos polêmicos em que filmes renomados no cenário nacional e internacional sofreram acusações. Tentaremos esmiuçar esses casos, verificar se o que aconteceu pôde caracterizar plágio, e se houve alguma consequência legal para os realizadores destes filmes.
A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) x Let Me Hear You Whisper (peça)
O grande destaque do último Oscar, A Forma da Água foi acusado de plágio pelo filho do ganhador do prêmio Pulitzer, Paul Zinder. Daniel Zinder, o filho, acusa os criadores do filme de copiar a história, elementos, personagens e temas da peça de seu pai Let Me Hear You Whisper. Zinder entrou com um processo contra Guillermo Del Toro, o diretor e roteirista do filme, e o produtor associado Daniel Kraus.
Del Toro, em entrevista, ao site Deadline, alegou nunca ter ouvido falar da peça de Paul Zinder, além disso, citou uma lista de programas de televisão e filmes que têm similaridades com A Forma da Água, porém nada de realmente substancial no seu roteiro. Após pressões da Academia para o estúdio tomar uma postura sobre o assunto, a Fox Searchlight Pictures defendeu o diretor e sua obra, contudo.
Por se tratar de um processo recente, não foi julgado em tribunais, e, portanto, não tem conclusões concretas. Ademais, depois de toda a confusão, A Forma da Água ainda recebeu sete Oscars, mostrando que essa adversidade não foi um grande empecilho para o seu sucesso.
O Exterminador do Futuro (The Terminator, 1984) x The Outer Limits (série)
Um dos autores mais importantes de ficção científica, Harlan Ellison, acusou James Cameron de plagiar um dos episódios de The Outer Limits, “Soldier”, que também narra a história de uma duplicata robô do futuro que viaja de volta no tempo e acaba salvando a vida de uma mulher do presente. Há uma série de indícios da influência de Ellison, e até mesmo uma entrevista não divulgada, na qual Cameron admitiria as cópias.
Apesar de nunca ter havido um processo judicial, é sabido que Ellison fez um acordo com o estúdio que produz O Exterminador do Futuro, no qual ganhou 65 mil dólares, além de ter um agradecimento em seu nome nos créditos finais do filme.
À Deriva (2009) x Chuva de Verão (Rain, 2001)
Com a estreia de À Deriva no Festival de Cannes, houve um burburinho, daqueles que logo notaram uma série de semelhanças do longa com o filme neozelandês. Embora os dois filmes se passem na praia, e o enredo se constrói a partir de uma filha que descobre o adultério de seus pais.
O crítico Inácio Araújo, da Folha, disse, no entanto, que a produção brasileira parece uma releitura latina de Chuva de Verão. No mundo das artes é quase um consenso que uma releitura não caracteriza plágio, ademais nesse caso não houve nenhuma forma de repercussão jurídica.
A Origem (Inception, 2010) x Paprika (パプリカ, Papurika, 2006)
Existem vários elementos em A Origem que remetem à animação Paprika, não só o roteiro, que tem como tema central a possibilidade de entrar nos sonhos de outras pessoas, mas também a edição e o enquadramento do filme de Christopher Nolan são muito semelhantes ao longa de Satoshi Kon.
Entretanto, os filmes são fundamentalmente diferentes, uma vez que, em Paprika, Kon não tenta suscitar uma lógica para o sonho, eles simplesmente são. Nolan, por sua vez, para tentar construir um roteiro mais sólido, buscou dar lógica aos sonhos trabalhados em seu filme, o que acabou até lhe rendendo críticas, pois seria uma escolha que deixaria o filme mais superficial.
Neste caso não existiu nenhuma repercussão jurídica, apenas muitos fãs revoltados.
Por um Punhado de Dólares (Per un pugno di dollari, 1964) x Yojimbo, o Guarda-costas (用心棒, Yojimbo, 1961)
A primeira peça de uma das mais aclamadas trilogias da história, perdeu um processo judicial movido pela produtora japonesa Toho Productions, que acusava Sergio Leone de plagiar o filme japonês Yojimbo, O Guarda-costas. No caso, Leone, ao assistir o filme japonês, ficou tão entusiasmado que decidiu refazê-lo como um filme de velho oeste, mas se esqueceu de adquirir os direitos de reprodução.
A base do roteiro é basicamente a mesma, apesar de Yojimbo, O Guarda-costas trazer alguns detalhes e pequenas histórias a mais. Além do roteiro, algumas cenas foram realmente copiadas, e além disso muito do enquadramento e dos movimentos das câmeras são muito similares.
Segue abaixo um filme que compara algumas das cenas mais importantes dos filmes.
A Peregrinação (2016) x Corsário dos Sete Mares – Fernão Mendes Pinto (livro)
Tanto o filme português, como o romance histórico contam a história do navegador e aventureiro Fernão Mendes Pinto, um dos mais conhecidos exploradores portugueses, em algumas de suas viagens. As duas narrativas se aproximam muito, principalmente na parte em que Fernão está viajando no extremo oriente.
Neste caso, o plágio foi admitido pelo próprio diretor de A Peregrinação, João Botelho, que usou o livro Corsário dos Sete Mares – Fernão Pinto como base de adaptação para o seu roteiro. O diretor conta que tentou insistentemente achar a escritora do livro, Deana Barroqueiro, mas suas tentativas foram em vão.
Por outro lado, a escritora diz que a falha em contatar até mesmo a sua editora parece inverossímil. E fez uma comparação da rigidez das leis de propriedade intelectual nos EUA, muito mais eficientes, e em Portugal, que a estariam deixando na mão.
Matrix (The Matrix, 1999) x The Immortals (roteiro não produzido)
Por muitos anos ficou na justiça um duelo entre Thomas Althouse e a Warner Bros por um suposto caso de plágio no filme Matrix. Thomas acusou as irmãs Wachowski de copiar um roteiro escrito por ele chamado The Immortals, o qual nunca foi produzido.
Os roteiros abordam histórias um bocado diferentes, entretanto. Althouse conta a história de um agente da CIA que usa uma droga que o torna imortal. Jim Reece, o espião, em 2235 acaba envolvido em um conflito com o filho de Adolf Hitler, um tirano que quer matar todos os que não são imortais.
Matrix, por sua vez, conta a história de um hacker (Keanu Reeves), que descobre que o mundo em que vive não passa de uma criação computacional. Althouse baseou suas acusações nas alusões à figura de Cristo, além da luta contra um grupo corporativo opressor.
Thomas, todavia, perdeu o processo em 2014. O juiz alegou que as 119 similaridades listadas por Thomas ou eram muito vagas para se encaixar como plágio, ou eram comuns ao gênero, ou ideias comumente usadas, não originais.
O Preço do Amanhã (In Time, 2011) x “Repent, Harlequin!” Said the Ticktockman (livro)
Harlan Ellison, aparece novamente na lista, mas desta vez acusando o filme O Preço do Amanhã. O lendário escritor entrou na justiça alegando que o longa conta a mesma história que o seu premiado livro “Repent, Harlequin!” Said the Ticktockman. Ambos narram um futuro distópico, no qual todas as pessoas têm um preciso cronograma que deve ser seguido pontualmente, uma vez que qualquer atraso configura um crime.
O próprio escritor, entretanto, após ver O Preço do Amanhã desistiu do processo, sem dar maiores motivos. Há quem especule que a razão foi a qualidade duvidosa do filme que fez com que Harlan não quisesse o longa associado ao seu nome.
por Pedro Teixeira
pedro.st.gyn@gmail.com