“Toda família tem um segredo”, diz a chilena Lissette Orozco, diretora e narradora do documentário O Pacto de Adriana (El Pacto de Adriana, 2017), logo no início do filme. Toda família tem um segredo, e o seu, ela decidiu transformar em cinema.
Tudo começou em 2007, quando a tia Adriana Rivas, que morava na Austrália, chegou em Santiago para visitar a família. Antes de encontrá-los, entretanto, foi escoltada e levada embora por policiais, deixando perplexos alguns dos que estavam lá para recebê-la. Pouco depois, o motivo veio à tona: entre 1973 e 1977, Adriana trabalhou para a Direção Nacional de Inteligência (DINA), a polícia secreta da ditadura de Pinochet. Trinta anos depois, ela era levada para prestar contas.
O impulso de Lissette, então uma estudante de cinema de 19 anos, foi pegar a câmera e registrar. Sua tia, alguém que amava e com quem passou toda a infância, era acusada de participar de sessões de tortura e contribuir para o assassinato de inimigos de Pinochet, e embora confirmasse ter feito parte da DINA, negava tais acusações. Segundo ela, fora apenas uma secretária, nunca encontrou-se com nenhum preso político e sequer sabia das atrocidades que eram cometidas pelo governo.
O que acompanhamos daí em diante é a busca da diretora pela verdade. A partir de conversas com Adriana, documentos, entrevistas com especialistas e com outras pessoas que tiveram envolvimento com a DINA, Lissette busca reconstruir o passado da tia para esclarecer a história de sua própria família. Se nos noticiários e nas manifestações anti-ditadura Adriana já é considerada culpada pelas torturas e assassinatos, a sobrinha lhe dá o benefício da dúvida, e, dessa forma, a maior parte do filme é dedicada a expor seu ponto de vista.
Entretanto, isso de forma alguma significa que o longa seja uma defesa incondicional de sua personagem principal. Como muitos documentários, O Pacto de Adriana trata sobre disputa de narrativas, e tudo se altera à medida que mais uma informação é revelada. Assim como acontece com Lissette, o espectador muda de opinião diversas vezes no decorrer da projeção, e, por isso, acompanhar seus desdobramentos torna-se ainda mais instigante.
Para um filme de estreia, é impressionante a habilidade de Lissette tanto na direção quanto na construção do roteiro. As interações entre a diretora e a tia são mostradas de diferentes maneiras e sob diversos ângulos: com câmeras profissionais, câmeras de celular, gravações de conversas via Skype, etc., de modo que, a cada nova cena, é como se fôssemos apresentados a uma outra maneira de enxergar a história contada. Não é à toa que a produção tenha sido ganhadora da competição de novos diretores na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Mas, sem dúvida, o que se destaca em O Pacto de Adriana são as várias questões que ele coloca em discussão. Com uma história que é ao mesmo tempo um assunto de interesse público e um drama familiar, oferece dois níveis de interpretação igualmente atrativos. No primeiro, o tema central é o modo como um país com um histórico recente de repressão e violência encara esse passado vergonhoso ‒ nesse sentido, a identificação pode ser grande para os espectadores brasileiros e de outros países da América latina, que também passaram por ditaduras militares na mesma época e nos mesmos moldes da que ocorreu no Chile.
Ao mesmo tempo, há o conflito pessoal de Lissette, que está constantemente reavaliando sua visão a respeito da tia. É fácil apontar dedos ou julgar friamente quando o acusado é distante de nós, mas, quando se trata de alguém que conhecemos e com quem temos alguma ligação, tudo se torna mais nebuloso. E se condenarem injustamente alguém que você ama? E se as ligações afetivas te impedirem de enxergar que este alguém não é inocente? Lissette Orozco foi o mais longe que pôde para encontrar a resposta, e a conclusão dessa busca, boa ou ruim, resultou num ótimo filme.
O Pacto de Adriana estreia no dia 11 de janeiro. Confira o trailer abaixo:
por Matheus Souza
souzamatheusmss@gmail.com