Imagem: Capa do Livro / Companhia das Letras / Reprodução
Por Ligia Andrade | ligia.andradem@gmail.com
Com episódios traumatizantes de um passado que aos poucos se recupera, Doug, um jovem atormentado, percorre suas lembranças no livro Sem Volta.
A jornada de Doug começa com delírios em um universo sombrio e perverso, no qual vivem extraterrestres de aparência reptiliana e trabalhadores de fábricas. Entre quadros coloridos que representam o tempo passando e palavras provocadoras, suas relações amorosas e fraternais são apresentadas ao leitor em um único volume que reúne a trilogía de Charles Burns.
Se fosse possível traduzir toda a história em quadrinho de Burns em uma frase, certamente seria “uma história que atormenta”. Desde o início da obra, o leitor se confronta com cenas desconexas e não explicadas, o que continua a acontecer até a metade do livro. Não há linearidade narrativa ou lógica: engolem-se suas páginas sem saber o que se mastiga.
Para aqueles que não desistem da história, o final vai se apresentando paulatinamente. Não é possível, porém, dizer que consiga satisfazer toda a expectativa (boa ou ruim) criada. “É isso?”, é a pergunta vem ao final do livro, enquanto se tenta achar mais páginas desesperadamente: “Bem, deve ser isso”.
A arte, todavia, é algo a ser apreciado em Sem Volta. O traçado forte e cores opacas são agradáveis e o desenho, muito bem feito. Charles Burns é um desenhista de primeira: onsegue criar expressões reais até mesmo em extraterrestres bizarros. Seus cenários, tanto de ambientes fechados quanto de interiores, convidam-nos a entrar dentro do livro, como se estivéssemos ao lado das personagens. Felizmente, não estamos.
Ademais, Sem Volta é um livro que incomoda. Ali não há filosofia possível ou algo de reflexivo, apresenta apenas um emaranhado de situações que causam desconforto e angústia durante toda a leitura, que não deixa resquícios após ser fechado, senão uma única e incômoda questão: “O que acabei de ler?”. Ainda não tenho essa resposta.
Em suma, a história em quadrinhos de Burns é um desafio do começo ao fim. Não espere uma narrativa fast food, mas sim entrada, prato principal e sobremesa misturados em uma refeição só que, após terminada, deixa algo de novo no paladar, agradável ou não.
Aos corajosos, a leitura é recomendada.