Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

A evolução (tecnológica) das próteses

Por André Martins Num primeiro momento, redigir um texto sobre a evolução tecnológica das próteses pareceu complicado. Mal sabia que era muito mais do que difícil. E o grande desafio não era escrever sobre a pauta, mas sim justamente fazer uma matéria voltada apenas para esse lado do magnífico e emocionante universo paraolímpico. Assim, as linhas …

A evolução (tecnológica) das próteses Leia mais »

Por André Martins

Num primeiro momento, redigir um texto sobre a evolução tecnológica das próteses pareceu complicado. Mal sabia que era muito mais do que difícil. E o grande desafio não era escrever sobre a pauta, mas sim justamente fazer uma matéria voltada apenas para esse lado do magnífico e emocionante universo paraolímpico. Assim, as linhas a seguir possuem o objetivo de maior ambientação e contemplação do esporte paralímpico como um todo e de tudo que ele significa e afeta, além de procurar suscitar um maior interesse e admiração que realmente merece.

A princípio

Quando se fala sobre esportes paralímpicos o que primeiramente vem à mente de muitas pessoas é ‘deficiência’, quando na verdade deveria ser ‘superação’. Em 1904, na Olimpíada sediada nos EUA, as histórias de superadores do (e no) esporte começaram a ser contadas. George Eyser, ginasta que representava a equipe olímpica estadunidense, conquistou 6 medalhas na competição, sendo destas 3 de ouro. O detalhe: ele utilizava uma prótese de madeira no lugar da perna direita, e competiu entre atletas sem nenhuma deficiência física.

O ginasta George Eyser nasceu na Alemanha mas se mudou para os EUA ainda na adolescência. Recebeu cidadania americana em 1894 (Imagem: Wikipédia)

Os esforços para promover a reabilitação e inserção social com base em práticas esportivas começaram a ser consolidados em meados da metade do século XX. As iniciativas mais significativas desse empenho foram um time de basquete criado por soldados americanos estropiados nas Guerras, e o compromisso do médico judeu Ludwig Guttmann com esse sistema de tratamento, organizando competições exclusivas para deficientes. Tal foi a importância desses eventos coordenados pelo doutor que os mesmos viriam a se tornar, posteriormente, as Paraolimpíadas.

O cenário pós 2ª Guerra Mundial – de retorno de soldados amputados, aleijados ou paraplégicos – deixou evidente a necessidade do devido cuidado e da preocupação (terapêutica) com  os deficientes físicos. O esporte entra como parte crucial desse processo, permitindo estabelecer novos objetivos e ocupações, e minorando o revés da deficiência. Os impactos advindos da prática, assim, acabam por contemplar diversos âmbitos, como o social, cultural e até mesmo o econômico. A partir deste momento, a tecnologia assistiva começa a entrar em voga. “O desenvolvimento da tecnologia nas próteses é semelhante ao que acontece no automobilismo com a F1: primeiro se testa na pista para depois implementar no dia a dia” comenta o  Coordenador de Ciências do Esporte na Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), professor Ciro Winckler.

“Se a gente pensa que o Brasil é um país de difícil acesso (esportivo), imagina quando a gente fala do paralímpico”, diz Ciro Winckler (Imagem: Guto Gonçalves/Estúdio13)

Desse modo, a evolução tecnológica contribui para facilitar e melhorar a qualidade de vida não só dos paratletas como das demais pessoas com deficiência,  tornando possível a assistência das mais variadas necessidades. Os avanços obtidos no esporte de alto rendimento podem suscitar melhorias na mobilidade, na adaptação e na realização de atividades com maior autonomia, se não total, de todos os usuários do equipamento. Ou seja, os progressos obtidos no mundo paradesportivo tiveram a participação fundamental  da tecnologia, tanto em relação às melhorias para os praticantes quanto para o assessoramento dos mesmos.

A conciliação entre ciência e tecnologia propiciou avanços significativos para o conforto, segurança e adaptação de todos os que são deficientes físicos, praticantes de esportes ou não. Aos paratletas, contribuiu também para um dinamismo, praticidade e desempenho superiores. As próteses modernas são mais leves e de melhor qualidade. Cada novo aperfeiçoamento, por mais sutil que possa ser, acaba proporcionando benefícios que podem fazer a diferença, já que cada atleta de esporte adaptado possui sua individualidade e especificidade própria. A evolução tecnológica tornou possível esse ajuste e adaptação às características particulares, contribuindo para se obter resultados melhores e posturas mais adequadas.

Somado a isso, o surgimento de novas técnicas e procedimentos viabilizaram um acompanhamento muito mais detalhado e preciso dos paratletas. O desenvolvimento científico-tecnológico proporcionou inclusive melhorias e aperfeiçoamentos para as diversas áreas que oferecem estrutura e apoio para os atletas paralímpicos – como, por exemplo, uma formação mais ampla e capacitada de profissionais auxiliares e o uso da análise dos treinos. Isso contribuiu para uma preparação mais completa e eficaz em sua totalidade. Bem como o treinamento e tratamento psicoterapêutico, a confecção de equipamentos e materiais de maior também foram beneficiados, passando a ser mais sofisticados e de melhor qualidade.

A comparação entre as próteses antigas – como a de madeira utilizada pelo ginasta em 1904 – com os modelos atuais torna evidente a evolução pela qual esses equipamentos passaram e os aperfeiçoamentos ao longo do tempo. No atletismo, as próteses modernas são as do tipo Blade Runner: lâminas compostas por dezenas de camadas de fibra de carbono e desenhadas para imitar a ação do pé e do tornozelo na corrida. Leves e resistentes, armazenam energia na compressão do impacto para depois retorná-la no momento de descompressão, voltando ao seu formato original. Não só as próteses utilizadas nessa modalidade procuram imitar o movimento natural humano, todas as empregadas nas demais – e as de uso diários também – buscam essa similaridade, visando à minimização das perdas de energia e assegurando que toda a força gerada pelo usuário seja retornada para o mesmo.

Paratleta biamputado utilizando próteses “Blade Runner” (Imagem: Gama.tv)

Desse modo, a evolução tecnológica contribui para facilitar e melhorar a qualidade de vida não só dos paratletas como das demais pessoas com deficiência,  tornando possível a assistência das mais variadas necessidades. Os avanços obtidos no esporte de alto rendimento podem suscitar melhorias na mobilidade, na adaptação e na realização de atividades com maior autonomia, se não total, de todos os usuários do equipamento. Ou seja, os progressos obtidos no mundo paradesportivo tiveram a participação fundamental  da tecnologia, tanto em relação às melhorias para os praticantes quanto para o assessoramento dos mesmos.

Cruzando linhas

Ações e programas que oferecem oportunidades e que estimulam a aproximação de pessoas são de extrema importância no universo paralímpico. Quando questionado sobre os existentes no Brasil, Ciro expôs que “Hoje, o CPB tem algumas ações, e uma delas é a paraolimpíada escolar, que é o maior evento escolar do mundo, com 1200 crianças competindo. E tem também ações sistematizadas, de ciência, para potencializar e descobrir novos talentos”. Ele acrescenta: “Em São Paulo nós temos 5600 policiais feridos em combate ou afastados do serviço. Temos também 5000 pessoas amputadas por ano devido à acidentes de moto. Estamos começando agora a aproximação com a polícia militar, com hospitais de reabilitação e com centros que estão trabalhando com pessoas com deficiência para poder trazer essas pessoas para praticar esportes”. O objetivo é oportunizar a prática e promover maior aproximação das pessoas para com o esporte paralímpico.

Mesmo com os projetos vigentes, a iniciação no esporte paralímpico ainda é uma dificuldade a ser resolvida, difundida e facilitada. De acordo com o professor e coordenador, “A iniciação é na raça e na coragem. O esporte paralímpico é, querendo ou não, um investimento, ou mostrar  talento com o pouco que se tem”. E prossegue. “Se a gente pensa que o Brasil é um país de difícil acesso (esportivo), imagina quando a gente fala do paralímpico”. Para completar, Ciro comenta. “Do que você precisa se for fazer a sua iniciação no futebol? Da bola. Para a criança com deficiência é a mesma coisa. Ela precisa da cadeira, precisa da prótese, e o problema é que isso é caro. E esse é mais um ponto a se pensar, sobre ações para atingir essas pessoas que precisam de auxílio.”

Vinícius Rodrigues é uma das promessas do paratletismo brasileiro. No entanto, nem todos conseguem ter os amparos que ele teve. O jovem carismático e batalhador contou com dois auxílios fundamentais para quem quer começar e seguir no esporte: apoio moral e financeiro. “3 dias depois [do meu acidente], tinha acabado de sair da UTI e recebi a visita da Terezinha Guilhermina. Foi a luz no fim do túnel, literalmente. Eu não sabia o que ia fazer da minha vida e ela chegou e me deu esse norte, me convidando para entrar no esporte”, conta.

Vinícius Rodrigues participou do vídeo “O treino que muda opiniões”, produzido pelo CPB e que ganhou dois Leões de Bronze no Festival de Cannes, França, em 2016 (Imagem: André Martins Gonçalves)

A prótese é um equipamento de custo muito elevado. Dificultando ainda mais, o subsídio por parte de patrocinadores acaba sendo um fenômeno raro e seletivo, muito pela pouca visibilidade midiática que o paralímpico tem. A quantidade de dinheiro envolvida na produção das peças acaba encarecendo o custo final, tornando-a, assim, inacessível para a grande maioria. Segundo a Össur,  “Uma solução completa de prótese transtibial (para amputações abaixo do joelho) custa a partir de 10 mil reais, enquanto as próteses para amputação transfemoral (acima do joelho) podem custar a partir de 12 mil reais. Mas essa é uma estimativa difícil de se fazer, pois cada pessoa tem uma necessidade e características diferentes, que podem fazer com que seja necessário fazer uma mudança do que inicialmente havia sido considerado para aquela prótese, e consequentemente, mudar bastante o valor final”. Dessa forma, há uma exclusão financeira de um contingente de possíveis paratletas que não possuem condições de adquirirem o equipamento.

Outro campo que foi contemplado pela evolução das próteses, e que está inerente à inclusão, é o estético. Não diferente de quem não possui nenhum tipo de deficiência, os deficientes físicos também se preocupam com a estética, que tem impacto expressivo na auto estima e no processo de aceitação e superação. O professor Ciro Winckler, explica e comenta sobre os estigmas  da deficiência “A tecnologia é um elemento fundamental para a inclusão. Por exemplo, se você não pensa no seu braço, no seu pé, é porque ele já faz parte de você. A prótese acaba fazendo parte da pessoa também, quer seja do ponto de vista estético, quer seja do ponto de vista funcional. Vivemos em uma sociedade preconceituosa, por qualquer um que seja, e infelizmente a estética é um dos pontos (quesitos). A tecnologia colabora para contornar essas barreiras. Também é uma questão de aceitação da pessoa, esse é um ponto fundamental, mas é uma questão também de melhoria da qualidade de vida. Se ele se sentir melhor,  vai se expor e participar mais na sociedade”.

A estética é um fator imprescindível na aceitação e, consequentemente, na inclusão de deficientes físicos (Imagem: poderesaude)

Vinícius conta sobre a sua experiência: “Olha, eu senti um pouco dessa diferença quando eu saí do hospital. Pela primeira vez que eu saí de muleta, as pessoas me olhavam de um jeito diferente. Mas eu nunca ‘encanei’ com isso, se tem gente que olha ou não, eu não ligo.” O paratleta demonstra muita maturidade para lidar com a situação e com as adversidades da vida. “Num primeiro momento parecia que não era algo real. Mas eu, ali debaixo daquela árvore onde eu sofri meu acidente, já fui tendo um momento de reflexão comigo e com Deus, no caso, o que me ajudou bastante. Fiz a minha oração ali que se ele permitiu que acontecesse aquilo comigo é porque viria algo bom . Eu não entenderia no momento mas mais pra frente seria algo bom”.  Sempre otimista, determinado e com um sorriso no rosto, ele conta: “Eu até sempre ando de bermuda, minhas calças eu pego e rasgo do lado da prótese, sempre a estou mostrando” e, para não fugir do costume, brinca: “Até tem muita gente que olha, as meninas olham, e eu não sei se elas estão me achando bonito ou a prótese”.

O paratleta treina de segunda a sábado, de 5 a 6 horas por dia, em mais de um Centro de Treinamento na região metropolitana de São Paulo (Foto: André Martins Gonçalves)

Com grandes próteses vêm grandes responsabilidades

Em qualquer outra área, os indivíduos mais proeminentes possuem grande influência e responsabilidade. Entretanto, devido à superação de todas as dificuldades, os paratletas são modelos muito mais motivadores e exemplares, pois simbolizam que há esperança, de que há um caminho apesar de qualquer adversidade. Revela que a preocupação com a condição de deficientes está deixando de ser marginalizada e está em voga. Demonstra também que  está deixando de se ter uma diferenciação para com deficientes. “Para mim não mudou nada [depois que precisou usar próteses], até me tornei uma pessoa melhor, comecei a valorizar coisas que eu não prestava atenção, e através disso comecei a ser exemplo, algo que eu nunca fui. Tenho uma responsabilidade, claro, mas eu acho algo legal isso, tem vários exemplos já de crianças que mandam mensagem, gente do mundo inteiro, e eu acho isso muito nobre, muito legal”, revela Vinícius.

O mais emocionante do universo paralímpico é, sem dúvidas, esse lado social. Muito mais que número de medalhas, posição no ranking ou quebra de recordes, o verdadeiro legado é a quantidades de pessoas que tiveram suas vidas tocadas, contempladas e beneficiadas por meio do esporte, direta ou indiretamente. A ‘abertura de portas’ advinda da articulação entre tecnologia e práticas esportivas melhorou a vida de inúmeros deficientes, que veem novos caminhos e oportunidades, e uma constante minimização das dificuldades.  

Nos Jogos Paralímpicos Rio 2016, o Brasil terminou em 8º lugar, conquistando 72 medalhas ao final: 14 de ouro , 29 de prata e 29 de bronze. (Imagem: Reprodução)

Para muitos especialistas, a competição em alto nível só tornou-se possível graças à tecnologia. E é nesse discurso que reside a polêmica de uma possível vantagem concedida pelo equipamento protético. Cabe rechaçar essa premissa, valendo-se do fato de que a tecnologia é aliada do esporte, mas que há o critério de que componentes eletrônicos nem ajuste refinado são permitidos nas competições paraolímpicas.

Vinícius aspirava ser policial. Com as mudanças em sua vida, tem o atletismo como atual objetivo e busca por meio deste correr atrás de seu novo sonho (Imagem: André Martins Gonçalves)

Para finalizar, cabe ressaltar a importância das pesquisas no contínuo avanço e aprimoramento das tecnologias e conhecimentos, para que se tenha cada vez mais melhorias nesse âmbito e para que as divergências sejam substituídas pela igualdade. A articulação efetiva entre ciência (nas universidades e laboratórios de pesquisa científica) e tecnologia (aplicação do conhecimento adquirido em produtos tecnológicos) é fundamental e substancial, e o Ex Machina é um projeto de extensão da Universidade Federal de Itajubá (Unifei – campus Itajubá) que se encaixa perfeitamente nessa conciliação, atuando com tecnologia assistiva e inclusão.

Iniciado em 2014, o projeto surgiu com o desejo de um grupo de alunos da Universidade em aplicar seus conhecimentos de maneira proveitosa e frutífera para a sociedade, como afirma em sua carta de apresentação. Apesar de relativamente  “novo”, o campo da tecnologia assistiva abrange cerca de 45,6 milhões de brasileiros, e é por isso que o Ex Machina centrou suas atividades neste ramo. O maior foco do projeto é desenvolver próteses funcionais e acessíveis, que possam atender às necessidades e promover melhores condições para o público alvo. Devido à relevância deste âmbito, o mesmo deve ser estudado, desenvolvido e muito incentivado, assim como se está fazendo com o Ex Machina. Para mais informações, acessar à página do Facebook: https://www.facebook.com/ExMachina.UNIFEI ; e o e-mail: ex.machina.project@gmail.com.

O Ex Machina possui como máxima não trabalhar com produtos e sim com esperanças. Esperanças estas de conquistar ou reconquistar uma liberdade comum para a maioria das pessoas, mas ainda inatingível para uma parcela da população (Imagem: arquivo da equipe)

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima