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‘A Física Dos Anjos’: um livro para os interessados no diálogo entre a ciência e o místico

Em obra inédita, físico e teólogo debatem sobre a existência dos anjos, suas características e funções no mundo humano por meio de vozes de peso na teologia

Por Beatriz Garcia (garciabeatriz@usp.br)

“Estamos entrando em uma nova fase, tanto da ciência quanto da teologia, e o assunto dos anjos, mais uma vez, torna-se surpreendentemente relevante”.

O livro A Física Dos Anjos (Editora Aleph, 2021) apresenta uma discussão a respeito da existência de seres angelicais ou espirituais no universo e suas possíveis formas de manifestação. Por meio de uma espécie de diálogo, o teólogo e padre Matthew Fox e o cientista Rupert Sheldrake abordam o tema a partir de seus conhecimentos.

Em concordância, as reflexões a respeito do cosmos e a relação do homem com os espíritos parte do retorno dos anjos à “nova cosmologia”. Considerando que a cosmologia busca estudar o que compõe o universo e como ele se organiza, a nova cosmologia, devido às mudanças da ciência, parou de encarar o universo revelado como um objeto mecanizado e passou a enxergá-lo como algo orgânico. Os autores vão além, levantando a hipótese de que a evolução possa abranger mais do que somente a seleção natural e que seria guiada por uma consciência existente no universo além da dos humanos.

Introdutoriamente, há uma análise dos textos do Bispo Dionísio, o Areopagita. Dionísio foi um intelectual que viveu no século VI, foi batizado pelo apóstolo Paulo e tem fortes influências do filósofo neoplatônico Proclo. Por isso, misturou muito em seus escritos o neoplatonismo com o cristianismo, discutindo hierarquias celestiais nas suas quatro principais obras: As hierarquias celestiais, Hierarquia eclesiástica, Nomes divinos e Teologia mística. No capítulo de A Física Dos Anjos, questões como a multiplicidade dos anjos, suas possíveis participações no mundo e os conceitos de campo e luz são explorados, intercalando as visões da angeologia e da física moderna.

Se não estiver muito familiarizado, o leitor pode encarar certa dificuldade com termos técnicos sobre a física moderna, mas o formato de diálogo entre o teólogo e o cientista garante uma continuidade na linha de raciocínio que facilita o entendimento. Ao explicar sobre a concepção moderna de campos e relacionar com a de almas, por exemplo, é necessário entender todos os conceitos físicos apresentados ao longo do texto para compreender a hipótese levantada. Assim, o  livro pode não ser ideal para se ler de uma vez – como durante uma viagem de ônibus para o trabalho -, já que, para extrair o máximo de seu conteúdo, exige-se uma reflexão mais profunda sobre as possibilidades levantadas a respeito do mundo sobrenatural.

Capa original da obra “A Física Dos Anjos”. [Imagem: Reprodução/Editora Aleph]

Os escritos do teólogo italiano São Tomás de Aquino também são discutidos pelos autores. São Tomás de Aquino buscou interpretar a nova cosmologia de sua época a partir das influências de Aristóteles e, ao longo de sua vida, contribuiu para o tópico da angeologia ao sintetizar séculos de pensamento tradicional sobre anjos. Aqui, no entanto, os autores refletem sobre as possíveis funções e manifestações dos anjos no universo, partindo de uma visão quase teológica natural, ou seja, que argumenta a existência de Deus a partir de características e complexidades da natureza. Por exemplo: ao observar elementos da natureza como o oceano e concluir que Deus é grandioso para criá-lo, faz-se teologia natural.

No caso do livro, fenômenos como a movimentação dos fótons do Sol são utilizados para argumentar a possível movimentação dos anjos. Da mesma forma, questões como a luz divina, a intuição angelical, os anjos, os céus e o silêncio divino, são buscadas em manifestações no mundo material e na vida cotidiana dos seres humanos, tomando como ponto de partida as citações do teólogo. Ao compararem os escritos do pensador medieval com as atuais questões da física quântica, os autores se encontram admirados com a semelhança e a correlação.

Em um determinado trecho, Matthew e Rupert identificam a semelhança entre o movimento dos anjos e as ideias estudadas pela teoria quântica sobre os movimentos de fótons e de outras partículas quânticas:

“MATTHEW: Isso o surpreende tanto quanto a mim? Digo, estou analisando desde o ponto de vista da história da teologia, e acho simplesmente incrível que o pensamento de aquino, no séeculo XIII, abordasse as mesmas questões que ocupam hoje os físicos quânticos…

RUPERT: Fiquei admirado. Parte do meu interesse nas ideias de Aquino sobre os anjos foi despertada ao notar esses paralelos…”

A monja beneditina Hildegarda de Bingen também tem seus escritos utilizados para basear reflexões. Todos os pontos levantados a partir das conclusões dela comumente despertam a curiosidade daqueles que conhecem minimamente as tradições cristãs de “céu e inferno”, “anjos e demônios” e “Deus e Lúcifer” devido aos seus estudos e escritos aprofundados sobre o tema.

No começo da leitura, a falta de uma definição clara de “anjos” pelos autores pode constantemente entrar em conflito com a imagem deles no imaginário de quem o lê. Há a presença do tópico “O que se entende tradicionalmente por anjos no Ocidente” — com o objetivo de limitar a possibilidade de significados —, mas ele é insuficiente para um leitor que já ouviu a respeito do assunto. Diversas hipóteses são levantadas e discutidas ao longo do livro, mas é somente na conclusão que o leitor obtém a resposta dos autores para as questões: “Quem são os anjos?”, “Quais são as suas funções?”, “Quais são suas principais características?” e “Como nos relacionamos com eles?”.

No geral, A Física Dos Anjos é para os curiosos que curtem mergulhar em uma profunda reflexão sobre a própria existência e a de seres angelicais. A conversa entre o cientista e o teólogo traz um sentimento de proximidade, como se todos estivessem em uma mesa refletindo juntos. Porém, é importante estar preparado para se deparar com linhas de raciocínio complexas que, talvez, exijam pausas na leitura e pesquisas sobre conceitos da física moderna.

Imagem de capa: Reprodução/Editora Aleph

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