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À sombra do arco-íris

Por Larissa Lopes (larissaflopesjor@gmail.com) Dentre as suas memórias escolares, você deve se lembrar de algum colega que a turma julgava ser recatado ou homossexual só porque ele não se interessava em namorar, enquanto o resto da sala vivia suas primeiras experiências sexuais e tentava controlar (ou não) os hormônios em ebulição na pré-adolescência. Foi observando …

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Por Larissa Lopes (larissaflopesjor@gmail.com)

Dentre as suas memórias escolares, você deve se lembrar de algum colega que a turma julgava ser recatado ou homossexual só porque ele não se interessava em namorar, enquanto o resto da sala vivia suas primeiras experiências sexuais e tentava controlar (ou não) os hormônios em ebulição na pré-adolescência. Foi observando esse comportamento que a pedagoga Elisabete Regina de Oliveira defendeu o doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo sobre a assexualidade, orientação sexual caracterizada pela ausência de desejo pelo outro. “A escola é onde a diversidade acontece e as pessoas têm um problema sério com a aceitação. O estudo da sexualidade na educação é essencial para reconhecimento da diversidade”, afirma a educadora que inaugurou o debate sobre o assunto no Brasil.

Desde a década de 1940, os estudos sobre o assunto são de caráter patológico e desprezam os resultados. A análise do biólogo Alfred Kinsey sobre a rotina erótica dos norte-americanos, por exemplo, ignorou a conclusão de que 1% dos entrevistados não sentiam atração sexual. Em 1994, na Inglaterra, uma pesquisa com 18 mil pessoas registrou a mesma porcentagem para a resposta “nunca me senti sexualmente atraído por alguém”, estimativa que, em escala global, corresponde a 70 milhões de pessoas. Entenda, então, quem são as pessoas que formam essa minoria sexual maior que a população da França.

Desconstruindo o que pensamos ser sexualidade

“Acho que o assexual é uma pessoa que tem muitas dúvidas sobre si mesmo, pois não se fala muito sobre isso”, diz o assistente administrativo Alessandro Maldonado. “Pra mim, eram apenas pessoas que não curtiam sexo. Ponto”, recorda Marcos Vinicios, estudante de História.

Primeiramente, o Dr. Giancarlo Spizzirri, do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas, alerta que a assexualidade não é apenas a falta de atração sexual, ela também envolve a vontade de dar carinho e de se relacionar romanticamente com alguém. Assim como a sexualidade, a assexualidade não é composta apenas por uma forma de amor e manifestação. “Definir o que é ser assexual é complicado. Eu estaria definindo muito mais a minha vivência, mas acredito que para todos, ou pra maioria, ser assexual é preferir bolo a sexo (risos)”, brinca Marcos.

Imagine a sexualidade como uma escala da frequência com que a atração sexual ocorre. Na extremidade esquerda, encontramos os assexuais arromânticos, que não sentem atração sexual nem romântica. Na ponta oposta, há a sexualidade, atração sexual e romântica que abrange as orientações já conhecidas: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade etc. A região que preenche essas duas extremidades é a área cinza, onde a diversidade assexual se expressa.

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(Arte: Aline Naomi/Jornalismo Júnior)

A ausência de desejo pode ser sim um sintoma clínico; entretanto, na assexualidade, ela é apenas uma característica da complexidade inerente a qualquer expressão sexual. A construção da sexualidade leva em consideração, entre outros aspectos, o desenvolvimento hormonal, sentimentos e vivência social de um indivíduo. “Cada ser humano é único. O desejo sexual varia de um para o outro”, pontua Luciana Mallon, vendedora autônoma e escritora.

“[Costuma-se pensar que] o corpo tem desejo e que se ele não for desejante, há algum problema com ele. [Mas] Se existe uma pessoa que não sente desejo sexual e ela está bem, não dá pra considerar que ela tenha uma patologia. Eu vejo isso como mais uma manifestação da sexualidade, como mais uma cor no arco-íris da diversidade sexual”, reflete Elisabete de Oliveira.

“Eu me descobri na internet”

Emoções e experiências nunca foram tão facilmente compartilhadas como na era digital em que vivemos. A própria assexualidade foi tomando forma na década de 1990 a partir de trocas de e-mails entre pessoas que se identificavam com o desinteresse sexual. Em 2001, o assexual norte-americano David Jay criou a AVEN – Asexual Visibility and Education Network (Rede de Educação e Visibilidade Assexual), que hoje é o maior acervo de material e espaço para debate sobre o tema na internet. Conforme a comunidade se expande, novas plataformas são criadas e o conteúdo em inglês é traduzido. A estudante demissexual de biologia Nathália Caldeira concebeu o blog Sobre o Cinza justamente para suprir essa carência de conteúdo em português e, atualmente, a página tem mais de 800 seguidores no Facebook. “Fico feliz por chegar nas pessoas, não esperava tudo isso”, diz Nathália que recebe e-mails assíduos de assexuais e de parentes que começam a olhar a condição com normalidade.

As redes sociais são importantes meios de discussão e reconhecimento. O sentimento de pertencimento nesse grupo, conta Alessandro, é possível graças ao apoio entre os seus membros. “Quando eu entrei, foi como tirar um peso das costas ao encontrar gente com a mesma condição que eu, com os mesmos sentimentos e angústias. Às vezes recebemos tantas informações sobre o que é ser normal que, por termos características que destoam, a autoestima fica abalada”, relata.

Infográfico - Assexualidade 2

Experiências

Fisgado pelo movimento nas redes sociais, o estudante Arilson Batistella descobriu recentemente que é assexual arromântico através da internet. Ele percebeu que não se atrai por nenhum dos gêneros e, desde então, parou de se obrigar a tentar engatar um romance com alguém. Por ser jovem, as pessoas não acreditam que ele seja assexual e pensam que se trata de uma fase, falta de experiência ou confundem com homossexualidade. Arilson, após a constatação, procurou um psicólogo, que, apesar de não ter conhecimento sobre o assunto em específico, disse ao estudante que “se ele se sente bem, então isso não é um problema”.

“Eu vi que era diferente logo na adolescência, porque minhas amigas gostavam de ficar com os meninos e eu não. Na época sofri bullying e meus colegas passaram a me chamar de lésbica. Porém, eu tinha um amor platônico masculino. Nos anos 80 e 90, o termo assexualidade era pouco usado”, conta a heterorromântica Luciana.

Alessandro Maldonado, assexual homorromântico, expõe: “nunca tive uma libido muito acentuada, nunca me interessei tanto por sexo quanto as outras pessoas, e achava estranho porque eu sentia uma atração por homens desde quando comecei a descobrir meus interesses afetivos. Mas vontade de transar propriamente dita era bem rara”. Alessandro adverte que querer dar carinho, abraçar e beijar não invalida o fato de não se sentir sexualmente atraído por alguém.

“Eu tive meu primeiro beijo com 15 anos com um amigo meu. Não foi legal e, depois disso, eu comecei a perceber que eu não tinha muito interesse em ficar com alguém, daí eu comecei a pensar que eu estava doente, porque era o que as pessoas me falavam”, relata a blogueira demissexual Nathália. “Eu acho que as pessoas não têm que se colocar dentro de definições, mas, pra mim, foi muito importante, porque eu parei de achar que eu era doente pra aceitar que eu só não sou igual. Já me disseram que sou só uma hétero mais exigente. Não, nós não temos uma lista de coisas que a pessoa tem que ser [para nos conquistar]. [A paixão] acontece naturalmente, como com todas as pessoas do mundo”. O que diferencia a assexualidade é que a frequência que isso acontece é muito pequena.

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Designer gráfica belo-horizontina se dedica a ilustrar situações de emancipação feminina. Assexuais foram contempladas. (Fonte: Carol Rossetti)

“Cheguei a namorar uma menina da escola aos 12 anos, mas quando ela quis me beijar eu não queria e não curti. Na verdade, eu nem sabia o que ela estava fazendo (risos). Lá pelos 18, aconteceu algo na minha vida que mudou muita coisa: foi a primeira vez que senti atração física por alguém. E foi um garoto”. Marcos Vinícios, gray-A homorromântico, diz que “saiu do armário” duas vezes, uma quando descobriu que gostava de garotos, outra após notar que não gostava tanto de sexo. “Eu realmente percebi que minha atração depende de uma variedade muito especifica de fatores, eu sinto um tipo de atração estética que não se traduz em desejo sexual real. A ideia de transar com a pessoa quebra a atração que sinto”. Muitos assexuais homorromânticos pensam que são gouine – gostam de sexo sem penetração – antes de se identificar com a minoria.

A mídia e o movimento ‘GGGG’

Mesmo sendo uma comunidade diversificada e representativa, a assexualidade é renegada social e historicamente. No imaginário popular, a mulher assexual cumpre o papel esperado de uma donzela, enquanto o homem assexual é visto como falho, inviril. É comum a criação de perfis fake em grupos de discussão para que o sujeito não seja descoberto entre conhecidos como assexual em suas contas pessoais.  “A mídia diz isso pra gente e as pessoas acreditam que sexo é vida, é felicidade. Tudo bem, pras pessoas que tem desejo sexual, de fato, é tudo isso, mas ele não é obrigatório e essa parte a mídia deixa de fora. Sexo não tem nada a ver com companhia”, critica Nathália.

Nos bastidores da comunidade LBGT apelidada de GGGG por privilegiar as causas gays em detrimento de outras minorias , a disputa por discursos também se acirra e é silenciada, marginalizando movimentos como os de transexuais, bissexuais e assexuais. “A nossa bandeira é visibilidade e isso não se consegue com lei. As pessoas assexuais são invisíveis e mesmo dentro do movimento que se diz acolher pessoas não normativas existe apagamento. Então, quando você se diz assexual, você está levantando a sua voz para falar ‘Olha, eu sou uma pessoa invisível, mas você está me vendo, então quer dizer que eu existo’”, conclui a estudante.

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Assexuais militando em Portugal (Fonte: Portugal – Público)

2 comentários em “À sombra do arco-íris”

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