Foto: Matheus Souza
No pequeno intervalo entre as músicas apresentadas, Linn da Quebrada faz algumas perguntas para conhecer melhor o público. Aos presentes, as respostas são previsíveis, mas não menos satisfatórias. Tem viado? Tem. Tem trans? Tem. Tem sapatão? Tem. Tem travesti? Tem também. Em plena noite da véspera de Páscoa, o Sesc Belenzinho tinha um pouco de tudo no que diz respeito a sexualidades – até mesmo a “cota hetero”, como alguém fez questão de apontar. Tudo pra ver e ouvir a versão do elogiado Pajubá, o primeiro disco de Linn, ao vivo e acompanhado pela também cantora Jup do Bairro.
Procurando, procurando… a música escolhida para abrir o show, “Submissa do 7º Dia”, começa com uma busca: “estou tentando entender / o que é que tem em mim / que tanto incomoda você”. Mas, claro, ninguém entende, porque o ódio gratuito não tem muita explicação. E quando se percebe que o problema não está em você e sim em quem te odeia sem motivo, a culpa dá lugar ao orgulho próprio. Assim, enquanto o som aumenta e a batida fica mais forte, Linn canta orgulhosa, e o público dança com o mesmo sentimento.
“Dança” é pouco, na verdade. O público pula. Transpira. Requebra e bate cabelo. O que lá fora poderia render olhares tortos, xingamentos e uma lâmpada na cabeça, aqui se faz com orgulho e prazer. Porém, a mensagem não é fechar-se num lugar seguro e ser livre apenas fora do campo de visão de quem nos odeia. Pelo contrário, é levantar a voz e a cabeça até que eles aceitem, de boa ou má vontade, nossa presença. Quando as dançarinas vêm do palco para dançar junto ao público, Linn repete insistente que “esse espaço é nosso”, e todos compreendem que o espaço do qual fala não é a pista do Sesc Belenzinho.
Num dos momentos mais ousados da performance, a cantora desce do palco com um pinto de borracha, com o qual vai despejando uma dose de leite condensado na boca de quem se oferecer. À meia luz do ambiente, o ato chega a lembrar uma cerimônia religiosa, e ecoa uma característica forte em Pajubá: tratar o que se considera sujo ou pervertido – por preconceito, claro – com prazer e sem pudor, tornando político até mesmo o “dedo no cu do mundo” proclamado em uma das músicas.
Dessa forma, para além das preferências sexuais de cada um, o evento é uma reunião de pessoas que se identificam não apenas com a voz marcante de Linn, que vai do tom ameaçador do refrão de “Enviadescer” ao suave de “A Lenda”, ou com a sonoridade que passa pelo rap, funk e MPB, mas, acima de tudo, com o tom de contestação que permeia todo o conjunto – um encontro de marginalizados. Por isso, a conexão do público com a artista é automática e evidente, e não surpreende nada quando, por exemplo, do fundo da plateia ouve-se um espontâneo grito de “Marielle, presente!”.
É possível dizer que o local, um tanto espaçoso demais para o tamanho da plateia, talvez não fosse o ideal para uma apresentação de Linn da Quebrada, que teria ainda mais força quanto maior fosse o público reunido. Por outro lado, é ótima a sensação de ver e ouvir tão de perto a artista que, se tudo der certo, deve continuar fazendo shows cada vez mais lotados.
Terminado o show, o local vai aos poucos se esvaziando, as pessoas voltando para qualquer que seja o canto da cidade de onde tinham vindo. De volta para onde estarão sujeitos à hostilidade cotidiana. Mas, sem dúvida alguma, com um fôlego a mais para enfrentá-la.
Por Matheus Souza
souza.matheus@usp.br