Por Leonardo Vieira (leo.nascimento294@usp.br) e Letícia Naome (leticianaome@usp.br)
Será que estamos sozinhos no universo? Essa é uma pergunta que muita gente já se fez. Basta olhar para o céu e ver a enorme quantidade de estrelas para se questionar se não há outros tipos de vida universo afora. É algo que fascina, intriga e, ao mesmo tempo, amedronta muitas pessoas. Para tentar responder a essa questão, a ciência estruturou uma área do conhecimento que busca encontrar organismos vivos no espaço: a astrobiologia.
Esse campo da ciência estuda o desenvolvimento da vida e sua relação com a astronomia. Também abrange a vida na Terra, que não está isolada no espaço como muito se pensa. Trata-se de uma área recente de estudos que — apenas a partir de 1998 —, passou a ter atenção da National Aeronautics and Space Administration (Nasa), a agência espacial norte-americana, e da academia, as quais buscaram compreender mais o assunto. Durante muito tempo, a astrobiologia não foi considerado como ciência, por ser comparada com a ufologia — um campo de investigação de fenômenos relacionados aos Objetos Voadores Não Identificados (Ovni’s) e que não usa método científico.
A astrobiologia é uma área interdisciplinar, pois agrega diversos setores do conhecimento, como química, astronomia, biologia, física, astrofísica e matemática. Isso porque tudo o que cerca a evolução, distribuição, configuração e sobrevivência de seres vivos necessita de diversos especialistas.
Para Jorge Ernesto Horvath, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia (NAP-Astrobio) do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), a emergência da astrobiologia mostra a necessidade de superar a divisão “convencional” das disciplinas atuais e fusionar visões em uma nova ou ponto de vista. Ele prossegue explicando que essa área abrange a “transdisciplinaridade para estudar a origem da vida e sua evolução no Universo”, e não do ponto de vista de uma área do conhecimento apenas.
O desenvolvimento e evolução da vida
Na Terra, o desenvolvimento da vida ocorreu de forma complexa. O planeta possui 4,5 bilhões de anos e os primeiros organismos surgiram há 3,5 bilhões. O ambiente era bem diferente do que é hoje do ponto de vista climático e geológico. Assim, esses seres primitivos possuíam uma boa adaptação a ambientes extremos, como pH ácido e temperaturas muito baixas ou muito altas. Mas, curiosamente, a vida só teve sucesso devido a esses fatores.
Horvath destaca de que modo a vida pode ter surgido. “Este sem dúvida é um dos debates mais importantes, as condições da chamada abiogênese. E existem dois pontos de vista quase opostos: aqueles que postulam condições suaves ou moderadas para uma protocélula surgir (ou o RNA), e aqueles que acreditam que o primeiro organismo foi algum tipo de extremófilo, capaz de prosperar em ambientes de alta temperatura, pressão”, explica ao Laboratório.
Um exemplo de ambiente propício para o surgimento de moléculas que mais tarde se tornariam seres vivos são as fontes hidrotermais. Douglas Galante, pesquisador associado do NAP-Astrobio, explica o porquê disso. “Existe a teoria das fontes hidrotermais alcalinas (básicas, alto pH) que são vulcões submarinos que emitem água do fundo do oceano — água quente e alcalina (pH em torno de 10). E as propostas que vêm sendo feitas são as de que essas estruturas carbonáticas poderiam servir como base para as primeiras reações químicas de complexificação molecular: transformar o CO2 (dióxido de carbono) da atmosfera e em hidrocarbonetos mais complexos. Essas seriam as primeiras etapas da química prebiótica e posteriormente da origem da vida”. A partir desse ponto, as moléculas se juntaram como peças de quebra-cabeça para formar o que seria o primeiro ser vivo.
A ciência busca vida fora da Terra através da nossa própria experiência. Galante ressalta que cientistas encontraram muitos planetas que atingem as condições de habitabilidade — presença de água líquida na superfície —, assim como ocorre no nosso planeta. Fora isso, o pesquisador conta que, para a vida se conservar na Terra, os principais fatores são o planeta ser rochoso e possuir atmosfera protetora — para absorver os raios ultravioletas do sol e outros raios cósmicos —, campo magnético para impedir tempestades solares, tectonismo e vulcanismo para reciclarem a superfície e estabilizar o clima e uma Lua para estabilizar o eixo de rotação do planeta.
Em relação a este último tópico, Galante explica que isso é o que garante a estabilidade climática por longos períodos de tempo. “A Lua tem um papel importante, pois, devido à sua grande massa, ela funciona como um giroscópio para a Terra, mantendo o eixo de rotação terrestre estável. Marte, por exemplo, por só ter luas pequenas, tem um eixo e um clima muito instáveis.
O tipo de estrela do sistema também é importante, pois podem ocorrer explosões mais frequentes e isso resultará na destruição da atmosfera do planeta, além de definir a zona habitável, região em que o planeta está a uma distância certa da estrela.
Conhecer a natureza da estrela do sistema em que o planeta orbita também é uma importante pista para saber se ele é um bom candidato para ser lar de alguns serezinhos. Algumas estrelas são mais instáveis, apresentam explosões mais frequentes, que colocam em risco a atmosfera dos planetas ao seu redor. Por isso, os pesquisadores definem uma área chamada “zona habitável”, região na qual os planetas estão a uma distância segura contra a radiação de estrelas irritadas. Estar nessa zona é um indicativo sutil de que pode haver vida.
Mas é válido ressaltar que os extremófilos podem sobreviver a ambientes que não possuam essas características. Alguns inclusive sobrevivem ao espaço, no nosso planeta mesmo os tardígrados, criaturas microscópicas que conseguem viver vários dias no vácuo.
Galante explica que a zona habitável é definida “como a região dentro de um sistema estelar que está na distância certa da estrela de que a quantidade de luz e de calor que chega no planeta seja suficiente para manter a água líquida”.
Vale lembrar que a zona habitável norteia a busca, mas é possível (embora muito improvável) encontrar organismos extremófilos em outras regiões do espaço. Ainda que encontremos algum corpo celeste que consiga cumprir todos os critérios, há alguns contratempos a serem superados.
Astrobiologia e os desafios para encontrar vida fora da Terra
O principal desafio é a distância. “O universo é realmente muito grande e os corpos celestes estão muito longe. Então, é muito difícil fazer experimentos em outros planetas”, explica Galante. Para ele, apenas dentro do sistema solar esses experimentos em superfícies de planetas ou luas são viáveis na vida de um pesquisador.
Para superar a barreira da distância, um dos métodos que chama a atenção da comunidade científica é a propulsão iônica. O pesquisador o descreve como sendo “tipo de motor de sondas espaciais que funciona com o escape lento de um plasma (gás ionizado), impulsionado por uma um tensão elétrica. Esse tipo de motor acelera muito devagar, mas de forma constante por muito tempo, permitindo que altíssimas velocidades sejam atingidas”.
Outra possibilidade seria o uso de velas solares: “Mas só a utilizamos em baixa órbita (órbitas em torno da Terra com altitude de até 2000km). Propulsionar usando o Sol ou um laser gigante é uma possibilidade. Nós poderíamos atingir velocidades muito muito altas com isso e alcançar até 10% da velocidade da luz, o que seria absurdo. Mas ainda não temos essa tecnologia”.
Para Galante, nos últimos anos foram desenvolvidas tecnologias e metodologias para a procura de vida em distâncias astronômicas com a utilização de telescópios gigantescos como o Hubble e o recém lançado telescópio James Webb. Essas tecnologias “coletam as ondas eletromagnéticas emitidas pelos planetas e estrelas e decodificam os sinais para procurar indícios da presença de água, moléculas orgânicas e matérias básicas que a vida precisa para existir, ou até mesmo os produtos da atividade biológica”, afirma.
Mesmo com todos esses desafios, Horvath demonstra otimismo e acredita que seja possível “termos alguma evidência concreta em cerca de 10 anos”.
Falar em levar seres humanos para o espaço não é novidade. Na década de 1960, durante a Guerra Fria, a corrida espacial aconteceu com uma tecnologia mais limitada. A extinta União Soviética enviou Yuri Gagarin para fora da Terra e, posteriormente, os EUA enviaram uma tripulação para a Lua. Atualmente, as idas ao espaço ocorrem com destino à Estação Espacial Internacional.
Mas, de acordo com a Nasa, há planos para voltarmos à Lua em breve. A SpaceX, empresa privada americana, planeja levar humanos a Marte. Essas viagens podem se mostrar um passo importante para a descoberta de vida fora da Terra. Apesar dos desafios para enviar humanos ao espaço, as chances de encontrarmos vida seriam maiores, já que ao “enviar uma sonda que vai cavar alguns miligramas de rocha, teríamos que dar a sorte de existir a presença de vida naqueles miligramas”, ressalta Galante.
Mas só fomos ao espaço próximo à Terra. Isso acontece porque viajar para outros planetas, ainda que próximos, é um grande desafio. O desafio da distância já é enorme. Ir para Marte, o planeta mais próximo de nós, demora oito meses, o que dificultaria a nutrição dos tripulantes, além da questão social e da longa exposição à gravidade reduzida.
Segundo Galante, outro problema de viajar no espaço são as chuvas de partículas emitidas pelo Sol, a chamada radiação cósmica. Nessa tempestade, os ventos solares carregam as partículas por longas distâncias e com altas velocidades; um grande perigo à saúde de um astronauta que esteja no meio do caminho — e não há guarda-chuva ou guarda-sol que os proteja de tamanha radiação. Na verdade, há um grande protetor: o campo magnético terrestre, que bloqueia o fluxo da radiação e, às vezes, ao guiar partículas negativas a uma interação com gases atmosféricos, produz um show de luzes no céu, o fenômeno Aurora Boreal.
Hoje existem tecnologias que minimizam os impactos radioativos de estar fora da Terra, mas, quando o assunto é ir para Marte, é melhor ir tirando o astronautinha da chuva. Ainda é necessário investimento em protetores e trajes de alta blindagem.
Vida inteligente
Na busca por vida fora da Terra, levanta-se a hipótese da possibilidade de encontrarmos (ou sermos encontrados por) outras civilizações inteligentes. O surgimento da vida já pode ser considerado algo com baixas probabilidades de ocorrer e a inteligência mais rara ainda.
Há um fascínio humano por encontrar outras civilizações que compreendam minimamente o universo, comuniquem-se e transformem a natureza assim como a humanidade faz. Basta ver a quantidade de obras de ficção científica em que há diversas espécies extraterrestres. Além disso, personagens famosos, Ovni’s, abduções e teorias da conspiração que envolvem visitantes espaciais— com destaque para a famosa Área 51 —, ganham o imaginário popular sobre o assunto.
Mas a nossa experiência com as colonizações mostra como o choque de povos pode ser algo desastroso se um lado dominar o outro.
Como alerta Galante, tentar contactar outras civilizações pode trazer problemas. “Se de fato é uma civilização altamente avançada que está produzindo esses sinais, será que vale a pena tentarmos nos comunicar? Existe uma vertente na comunidade científica que entende que poderia ser muito perigoso baseado no nosso conhecimento das colonizações”.
O programa Search for Extraterrestrial Intelligence (Seti) busca contato com esses possíveis seres inteligentes e envia ondas de rádio, na esperança de uma resposta. “Ele se dedica a realmente procurar por sinais de civilizações comunicantes e tecnológicas. Ou seja, civilizações que evoluíram ao ponto de produzir equipamentos de comunicação a longa distância baseados em rádio ou laser”, completa o pesquisador.
Ainda que haja alguma civilização inteligente que esteja na área de alcance dessas tecnologias, ela pode não receber a mensagem por estar em um desenvolvimento tecnológico diferente. Basta fazer a simples suposição de voltarmos no tempo e tentar contato através de ondas de rádio na Idade Média (476-1453): ninguém responderia pelo simples fato da tecnologia ainda não ter sido desenvolvida.