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Cidadãos cientistas colaboram para expandir o conhecimento sobre os sapinhos-de-chifre-paviotti

Projeto de Ciência Cidadã ajuda na coleta de dados para artigo sobre espécie de sapo pouco conhecida do Espírito Santo
É necessário ter atenção para encontrar o animal e fotografá-lo sem que ele fuja
Por Samuel Amaral (amaral.samuel@usp.br)

Em artigo publicado na revista científica PeerJ,  grupo de cientistas testaram, pela primeira vez, a posição genética e documentaram a delimitação geográfica da espécie  Proceratophrys paviotii, conhecido popularmente como sapinho-de-chifre-paviotti. Por meio do projeto Cantoria de Quintal, cidadãos puderam colaborar com a captação de fotos, vídeos e áudios do animal para completar o banco de dados da pesquisa. 

Com raras documentações na literatura científica, a investigação pelo P. paviotti começou no município de Santa Teresa, região serrana do Espírito Santo. O local é bastante peculiar: nele, seis espécies do gênero Proceratophrys convivem em simpatria, ou seja, estão na mesma área geográfica e acabam por se encontrar e estabelecer relações ecológicas.

Segundo Alan Pedro de Araújo, pós-graduado em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás e pesquisador participante do artigo, isso ocorre por causa da formação e da altitude do relevo, que faz com que animais de pouca locomoção, como os sapos, fiquem restritos àquele espaço.

A classificação do anuro se deu por meio de inferência filogenética, em que amostras de tecido retiradas do fígado do animal serviram como base para uma análise laboratorial. De acordo com  Diego Santana, professor adjunto na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e também participante no artigo, a abordagem utilizada foi a de DNA barcoding. “É como se cada espécie do planeta possuísse um código de barra único em seu DNA. Nós acessamos o código do sapinho-de-chifre-paviotii e comparamos com as demais espécies. Assim, nossos resultados confirmaram que Proceratophrys paviotii é, de fato, uma espécie diferente das demais”, explica.

Os resultados mostraram que e espécie está evolutivamente mais próxima a outras três de sapinhos-de-chifre: Proceratophrys cururu, que ocorre na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais; Proceratophrys renalis, tipicamente encontrada na região Nordeste; e Proceratophrys laticeps, presente no Espírito Santo e Bahia.

A colaboração dos cidadãos cientistas

Para que a pesquisa fosse feita, foi necessário a cooperação da população de Santa Teresa por meio do projeto Cantoria de Quintal. O objetivo dessa iniciativa é envolver pessoas de diferentes idades, localidades e realidades em projetos de ciência e conservação relacionados ao grupo dos anfíbios. Por meio dele, os chamados “cidadãos cientistas” enviaram 42 arquivos de áudio entre os anos de 2020 e 2023, em que o coaxo do P. paviotti pode ser escutado, o que foi um passo inicial para a sua classificação.

“A maioria dos sapos, rãs e pererecas possuem vocalização exclusiva. Ou seja, as espécies podem ser diferenciadas das demais a partir de características acústicas, como duração do canto, número de notas emitidas ou frequência sonora”, comenta João Victor Andrade Lacerda, pesquisador no Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e participante na produção do artigo.

As vocalizações feitas pelos machos servem para proteger terreno, comunicar e, principalmente, atrair fêmeas. O principal tipo de “canto” – coaxo estereotipado do sapo –, classifica-se “chamado de anúncio”. Sobre a espécie analisada havia apenas o registro de sete desses “cantos” vindos de um único indivíduo. Com o novo artigo, 107 chamados de anúncio, emitidos por 13 machos diferentes, foram usados para diferenciar a espécie das outras.

Os sapos costumam se agregar em ambientes úmidos durante a fase reprodutiva. As gravações de vídeo realizadas nesses ambientes permitiram a visualização de mais de uma espécie em atividade, o que é mais vantajoso do que apenas registros fotográficos de um único animal. Araújo explica que esse tipo de trabalho foi feito de forma mais prática: não dependeu apenas da ida dos pesquisadores à campo, mas sim teve a colaboração dos donos das áreas em que o animal se encontrava. Eles traziam consigo informações e percepções que muita das vezes passavam despercebidas pelos cientistas.

Desde a graduação, percebo a curiosidade inata dessas pessoas sobre os animais que estamos pesquisando. Além disso, elas sempre têm observações pertinentes que às vezes nos passam despercebidas.

Alan de Araújo

Estrutura de um sapinho-de-chife-paviotti
A participação dos cidadãos cientistas expande o número de fenômenos captados para a análise dos pesquisadores [Imagem: Lucélia Barth/Acervo dos pesquisadores]

Uma boa notícia?

Os anfíbios estão entre as classes de animais mais ameaçadas do planeta. De acordo com a pesquisa ‘Ongoing declines for the world’s amphibians in the face of emerging threats, publicada na revista científica Nature em 2023,  41% de suas espécies são classificadas como ameaçadas de extinção, inclusive muitas linhagens neotropicais, que estão entre o sul do México e os limites meridionais da América. Nesse contexto, o gênero Proceratophrys ocorre no Brasil, na Argentina, no Paraguai e possivelmente na Bolívia, possuindo atualmente 43 espécies, das quais 8 estão em risco de extinção.  

A catalogação é feita pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), em uma escala que vai de Pouco Preocupante (Least Concern) até extinto (Extinct), passando por Quase Ameaçada, Vulnerável, Em perigo, Em Perigo Crítico e Extinta na Natureza. 

Duas espécies de Proceratophrys são classificadas como Quase Ameaçadas, Near Threatened (NT) no termo em inglês, o que significa que estão perto ou provavelmente se qualificarão para uma categoria ameaçada em um futuro próximo. Porém, o artigo relata que isso parece não se aplicar ao P. Paviotti pois, com o suporte de outros estudos realizados em toda a sua área de distribuição no centro e no norte do estado do Espírito Santo, a espécie tem sido observada consistentemente dentro de áreas protegidas, bem como em áreas perturbadas, como plantações de café, e até mesmo áreas urbanas.

A sugestão dos pesquisadores é que ela deve ser classificada como Menos Preocupantes (Least Concern) em relação ao seu estado de conservação. “Mesmo [o animal] não estando totalmente protegido de impactos diversos, como os decorrentes das alterações climáticas ou da disseminação de doenças, representa um alento constatar que não está tão em risco como se pensava” conclui Lacerda.

O sapinho-de-chife-paviotti é uma das espécies envolvidas no Projeto Ciência Cidadã
“Ao vermos que eles sempre estavam ali, surgiu a ideia de que ninguém seria melhor de captar as espécies mais difíceis de avistar do que os próprios moradores”, comenta Araújo. [Imagem: João A. Lacerda/Acervo dos pesquisadores]

Imagem de capa: João A. Lacerda/Acervo dos pesquisadores

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