Que Thalita Rebouças é um ícone entre jovens de diferentes gerações não é segredo. No ano passado, a escritora que mais vende livros juvenis no Brasil teve seu primeiro livro adaptado para o cinema com É Fada! (2016), protagonizado pela atriz e youtuber Kéfera Buchmann. Agora, é a vez de seu maior fenômeno literário, que já teve uma versão feita para a televisão em um episódio de As Brasileiras (Globo, 2012), ganhar espaço nas telonas. Divertido e emocionante, Fala Sério, Mãe! (2017) traz dilemas universais entre mães e filhas de uma forma bem dosada.
Assim como no livro, a história começa sendo contada pela perspectiva da mãe, a explosiva e superprotetora Ângela Cristina (Ingrid Guimarães). Ela narra sua trajetória como mãe desde a complicada gravidez até os 13 anos de sua primogênita Maria de Lourdes (Larissa Manoela). Ao contrário de boa parte das mães, ela adota a postura de uma guia presente em vez de ser uma orientadora passiva dos passos de sua filha. Isso é visível, por exemplo, quando ela se levanta para dançar com a filha e os amigos durante um aniversário infantil, enquanto todos os outros familiares apenas discutem a respeito dos filhos em uma mesa. O resultado é uma cena recheada pela comicidade característica de Ingrid baseada no exagero da espontaneidade.
Mas ser mãe não é simples e descontraído como uma festa. E o fato da história desconstruir o estigma de que a maternidade é perfeita e predestinada às mulheres por uma espécie de dom natural é um acerto enorme. Isso fica evidente tanto pelo retrato das dificuldades em criar um ser humano — no caso de Ângela, três — quanto pelo modelo de pai saudável e igualmente responsável e presente na vida das crianças representado por Armando (Marcelo Laham).
Quando o bastão do conto é passado para Maria de Lourdes, que prefere ser chamada de Malu, o ritmo narrativo, até então lento e emotivo, ganha ares de juventude e passa a ser um pouco mais acelerado, um pouco mais selvagem, sem, é claro, perder o toque de ternura. O espaço passa a ser dado para os dramas intensos da adolescência envolvendo a busca pelo pertencimento e as primeiras vezes.
Ao contrário do que podemos imaginar, a personagem não é uma adolescente rebelde e mimada. Muito pelo contrário. Para uma jovem com uma mãe tão escandalosa e desequilibrada — o que pode ser exemplificado por quando Paulo Gustavo surge no supermercado para a gravação de um comercial —, ela demonstra estabilidade emocional, uma maturidade acima da média e certo tato para lidar com as cenas de Ângela. Sua independência passa a crescer ainda mais depressa quando um acontecimento altera suas vidas completamente. Nisso, presenciamos uma fase frágil da mãe e uma bela e delicada inversão de papéis, na qual Malu assume uma postura zelosa e preocupada com a família. A abordagem desse momento faz dessa, indubitavelmente, a parte mais bonita do longa.
Por mais que os elementos do roteiro e da direção tenham sido certeiros, o contar de uma boa história não é nada sem que haja sintonia entre o elenco. É o que acontece aqui. A química entre Ingrid Guimarães e Larissa Manoela tem grande responsabilidade na elaboração da verossimilhança e na posterior identificação gerada no espectador. Juntas, elas executaram com louvor o papel da obra de aproximar gerações e de estimular um diálogo sincero entre mãe e filha como o que existe entre Ângela e Malu.
Em coletiva com o elenco, Ingrid Guimarães disse que, ao saber da proposta do filme, só conseguia imaginar Larissa Manoela para interpretar sua filha. “Depois que minha filha me fez assistir aos 310 episódios de Carrossel e ela amava a Maria Joaquina, eu me perguntava: por que ela amava aquela menininha malvada? A Larissa tinha alguma coisa cativante. Quando eu li o roteiro do filme, só pensei nela para ser minha filha”, conta Ingrid, que logo depois teceu elogios ao trabalho da companheira teen.
Uma surpresa agradável foi a evolução, ainda que sutil, de Larissa Manoela. Com uma atuação mais natural do que o usual, ela foi capaz de construir uma personagem convincente. E isso com o agravante de ter sido um desafio, visto que ela precisou interpretar Maria de Lourdes em diferentes fases da vida, do início da adolescência à entrada na vida adulta. Algo que ela, aos 17 anos, já viveu, vive ou ainda vai viver. Ainda na coletiva, a atriz comentou sobre como se identificou com as diversas fases da Mallu, e que o papel a permitiu sentir o gosto de voltar no tempo ao mesmo tempo que pôde antecipar o que ainda viria. Larissa falou também sobre se identificar com sua personagem “nessa coisa de menina moça que quer crescer”.
Não há nada de novo no enredo e talvez seja nisso que se centra o maior acerto: contar uma história que é a história de todas as mães e filhas. O lado bom e o lado ruim. Os risos, os choros e os “chorrisos”. Entre a vontade de proteger aquele ser que um dia foi tão vulnerável que precisou ser colocado dentro das grades de um berço e a necessidade de entregá-lo a um mundo feroz. Entre estar nos braços da mãe durante uma febre e ter de encarar o médico desacompanhado, sendo um representante de si próprio. Regar alguém até o desabrochar. Desabrochar e encontrar o próprio caminho sem se esquecer daquele que o regou. Isso é família, isso é amor. Esse é o ingrediente central do filme.
Fala Sério, Mãe! estreia nos grandes circuitos dia 28 de dezembro. Confira o trailer:
por Anny Oliveira e Larissa Santos
acoliveiramartins@usp.br | larissasantos.c@usp.br