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Lavar roupa é um negócio: atividade milenar se reinventa com a modernidade

Com apartamentos menores, preços elevados para manter uma máquina de lavar e vontade de aproveitar o tempo livre com programas de lazer, a população dos grandes centros urbanos escolhe terceirizar tarefas como a lavagem de roupas
Mulher mergulhada em roupas, com lâmpada simbolizando uma ideia sobre lavanderias e notas de dinheiro em volta.
Por Bárbara de Aguiar (barbaraaguiar@usp.br)

Quem já precisou responder algum tipo de questionário socioeconômico sabe que uma das perguntas presentes é a famosa “sua residência possui máquina de lavar?”, sempre acompanhada de parênteses com “desconsiderar o tanquinho”. Isso porque, como muitos outros eletrodomésticos que facilitam o dia a dia, a máquina lava e seca é considerada um luxo – pensamento justificado pelo alto valor do produto. 

Uma pesquisa rápida na internet revela que, de acordo com o modelo, marca, capacidade e funcionalidades, o preço de uma máquina lava e seca pode variar de R$ 3 mil a R$ 10 mil. Levando em conta o menor valor médio possível para o produto, seria necessário mais que o dobro do salário mínimo vigente em 2024 para adquiri-lo. A união do alto preço do eletrodoméstico com a falta de tempo para tarefas cotidianas e a crescente verticalização das cidades, que estão cada vez mais repletas de microapartamentos, explica por que o mercado de lavanderias de bairro cresce a cada dia. 

O boom das lavanderias

Dados do Sindicato Intermunicipal de Lavanderias no Estado de São Paulo (Sindilav) revelam que o número total de lavanderias no Brasil é de aproximadamente 8 mil, com 6 mil voltadas para o segmento doméstico e 2 mil para o industrial. O estado com maior número de estabelecimentos é São Paulo, com cerca de 5.225 lavanderias.

O alto índice desses serviços no estado não é só pela elevada população da região. Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade de São Paulo, sozinha, ganhou mais de 400 mil apartamentos entre 2010 e 2022; além disso, a metragem média de apartamentos com até um dormitório caiu 40% em uma década (de 46,1 m² para 27,5 m²), conforme pesquisa divulgada em 2021 pela Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Ou seja, o número de residências com pouco espaço cresce exponencialmente e os moradores da capital paulista precisam decidir, entre vários produtos que ocupam metros quadrados valiosos, o que é essencial.

Neste cenário de micro residências, a saída encontrada por diversas pessoas é o uso das lavanderias de bairro, estabelecimentos que oferecem serviços como lavagem de roupas e calçados, tingimento e passadoria. As zonas oeste e sul, que abrigam 3 de cada 4 imóveis de tamanho reduzido, também apresentam a maior quantidade de lavanderias por região. 

Captura de tela do Google Maps com lavanderias próximas à USP.
Lavanderias convencionais e de autosserviço disputam espaço nas regiões próximas aos portões de entrada da USP. [Imagem: Google Maps/Reprodução]

A oportunidade faz o empreendedor

Luana Silva, 52, é dona há sete anos da Lavanderia Bonfa, localizada no Jardim Bonfiglioli, bairro da zona oeste de São Paulo. A empreendedora conta que, quando decidiu investir no negócio e abandonar a vida de dona de casa, não escolheu a região por acaso: a proximidade com a Universidade de São Paulo (USP) e a crescente verticalização do bairro foram seus guias. “Quando mudei para cá, 40 anos atrás, não tinha quase nenhum condomínio, hoje em dia eles estão crescendo cada vez mais”, comenta. “Esse foi um dos fatores que considerei quando decidi abrir o meu estabelecimento, o outro foi justamente a quantidade de alunos da USP”, completa Luana.

Fachada da Lavanderia Bonfá.
Na Avenida Nossa Senhora da Assunção, a apenas 230 metros da Lavanderia Bonfa, há outro estabelecimento que oferece serviços de lavagens, a Perfect Clean Lavanderia. [Imagem: Bárbara de Aguiar/Acervo Pessoal]

Em 2023, conforme a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da Universidade de São Paulo, 12.347 alunos foram beneficiados com auxílio para arcar com aluguel no valor de R$ 800. Com o alto custo de vida da cidade, os estudantes optam por apartamentos pequenos ou kitnets que podem chegar até 9m² e não abrigam uma máquina de lavar, como conta Ana Beatriz Bisinoto, 21, que veio de Manaus e há 2 anos é estudante de Artes Visuais na USP: “No meu prédio não tem máquina de lavar, muito menos espaço para colocar uma.”

A situação de Ana Beatriz se repete com muitos outros estudantes e pessoas que estão iniciando a vida adulta – e, no momento, esse é o principal público de estabelecimentos como a Lavanderia Bonfa. De acordo com Luana, antes da pandemia (2020), seus clientes eram majoritariamente pessoas na faixa de 30 a 45 anos que usavam muita roupa social, mas isso mudou drasticamente pós-Covid-19 e a implementação do home office. “Hoje em dia atendo pessoas mais novas, principalmente casais jovens, que trabalham e usam roupas do dia a dia. Grande parte desse grupo está morando sozinha pela primeira vez, então tem apartamentos pequenos, não tem máquina e nem tempo para lavar as peças à mão ou esperar elas secarem naturalmente”, explica.

Praticidade e facilidade

Fatores como falta de espaço nos apartamentos e bom custo benefício estão entre os motivos para o sucesso das lavanderias de bairro, mas a razão mais significativa é a economia de tempo. 

Na correria e no trânsito caótico das grandes cidades, o tempo para realizar tarefas domésticas é pequeno. O Traffic Index 2023, levantamento desenvolvido pela TomTom, empresa referência em soluções de GPS e navegação, informa que os motoristas de São Paulo perderam 105 horas parados em engarrafamentos em 2023, o que coloca a cidade no 33º lugar no ranking de pior nível de congestionamento do mundo. 

Como a perda de tempo no trânsito é um problema praticamente irremediável, o cidadão paulistano foca em resolver questões que estão ao seu alcance, como comprar um robô aspirador para tirar o pó enquanto os moradores estão fora de casa ou, é claro, juntar as roupas sujas, entregar em uma lavanderia de confiança e, no fim do dia, buscar tudo limpo e cheiroso. Todo o processo de separar roupas por cor, colocar na máquina, estender no varal e aguardar a secagem, que demoraria uma tarde inteira, agora ocupa pequenos intervalos para a entrega e recolhimento das peças na lavanderia.

Para Ana Beatriz, que já utilizou serviços de duas lavanderias da região em que mora, os estabelecimentos oferecem comodidades e lavagem de qualidade. “As duas lavanderias que usei eram muito boas, mas achei um pouco caro para a minha realidade”, diz a universitária.

Várias roupas embaladas e etiquetadas dentro de uma lavanderia.
As peças passadas são embaladas e etiquetadas para a retirada ou envio por motoboy para os clientes. [Imagem: Bárbara de Aguiar/Acervo Pessoal]

A lavanderia de Luana, direcionada ao atendimento de universitários e moradores de apartamento, atrai e fideliza clientes com pacotes promocionais. A empreendedora informa que trabalha com pacotes de lavagem e passadoria, além de oferecer preços promocionais para estudantes e condomínios com opção de pagamento mensal.  

A previsão da Anel (Associação Nacional das Empresas de Lavanderia) para o mercado de lavagem profissional é de que o percentual da população economicamente ativa que utiliza lavanderias passe dos 4% registrados em 2018 e atinja até 10% em 2030, o que representaria cerca de 21 milhões de pessoas. Outra novidade para o setor, em âmbito global, é o crescimento das lavanderias de autosserviço, que pode ajudar o mercado de lavagens a bater U$145,8 bilhões até 2031, segundo um relatório publicado pelo grupo Research and Markets, especializado em pesquisa de mercado.

Luana revela que, no futuro, deseja disponibilizar aos clientes uma máquina para autoatendimento em sua lavanderia e mesclar seu empreendimento de modelo tradicional ao mercado de autosserviço. “A gente precisa se adaptar e acompanhar as tendências, mas, antes de trazer essa novidade para o meu estabelecimento, pretendo estudar mais e entender como essas franquias de autoatendimento fazem tanto sucesso”, finaliza.

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