Todo ano, algumas produções menores vindas de festivais como os de Sundance despontam nas principais categorias do Oscar. Algumas vezes, títulos como Whiplash – Em Busca da Perfeição (Whiplash, 2014) ou O Quarto de Jack (Room, 2015) se mostram grandiosas pérolas independentes. Outros, como Brooklin (Brooklyn, 2015) revelam-se apenas fórmulas prontas desse modelo (cada vez mais industrial) de se fazer cinema. Esse ano, se por um lado A Qualquer Custo (Hell or High Water, 2016) parece se alinhar mais à primeira categoria, Manchester à Beira-Mar (Manchester by the Sea, 2016) – que soma seis indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme, Roteiro Original e Ator –, entrega um das obras mais arrastadas e apáticas do ano.
Assolado por traumas do passado, Lee Chandler (Casey Affleck, indicado) recebe junto com a notícia da morte de seu irmão que terá de cuidar do filho dele (Lucas Hedges, também indicado a Ator Coadjuvante). Inicialmente averso a decisão do irmão póstumo, que sequer havia discutido a respeito, ele acaba tornando-se o tutor do garoto para que ele não tenha que ficar com a ex-esposa do primeiro, viciada em drogas. Intercalando o presente com flashbacks da relação dos citados no passado (como memórias de Lee brincando com o sobrinho ainda criança), Kenneth Lonnergan, diretor e roteirista do filme, trabalha em cima da dificuldade com que uma pessoa atormentada tem de se expressar.
Trabalhando como zelador, Lee nunca impõe o que deve ser feito para reparar uma tubulação, por exemplo. Basta ser contrariado, no entanto, para que ele exploda e comece a xingá-los. Sua falta de tato é tamanha que mesmo quando tenta demonstrar amor, olhando pelo sobrinho, suas poucas palavras parecem vir mais como afronta do que carinho; assim, ele prefere permanecer calado. Por conta disso, mesmo que Lee tome basicamente o sobrinho como prioridade de sua vida, a relação dos dois acaba sendo bastante conturbada. Ainda mais quando a dificuldade de se comunicar se estende não só ao próprio sobrinho, como também a todas as pessoas que cruzam a vida deles.
Assim, não à toa, é expressivo como quase nenhuma personagem consiga finalizar uma frase sem titubear ou aparentar guardar uma dor consigo. Disso, seria natural afirmar que as personagens pareçam mais reais, e que assim, as interpretações também seriam dignas de consideração. No entanto, em suas longas 2h20 de projeção, essa abordagem não só se torna repetitiva, como um vício narrativo. Em outras palavras, a ideia é a de que um personagem surja, crie algum conflito inicial e prove ao fim ser incapaz de se comunicar, sumindo pelo resto da trama. Para citar um exemplo, perceba como as duas ocasiões em que a ex-esposa do falecido se prontifica, ela apenas balbucia algumas frases, começa a se estressar e se retira do aposento. Num primeiro instante isso até seria interessante, mas utilizar a exata mesma estrutura denota preguiça – ainda mais quando isso ocorre, à sua maneira, com praticamente todas as personagens. Em suma, todas as tentativas de diálogo começam, não terminam, e nem sequer parecem indicar algum caminho; o que fica então é a apatia.
Apatia esta também gerada pelo tom problemático com que a direção conduz o roteiro. Assim que Lee chega ao hospital, por exemplo, ele encontra um de seus amigos conversando com uma dupla de médicos. Após o médico explicar sobre as causas da morte do irmão, a câmera ainda permanece longos segundos enquadrando os quatro se encarando. Nesse meio tempo, um deles desvia o olhar para o nada, outro respira fora de hora, um terceiro continua encarando os demais fixamente, e nós ficamos com uma sensação de estranhice; que rapidamente se transforma em graça, e acabamos rindo. De repente, o corte acontece, e a cena seguinte já inicia com uma música clássica e triste, que se estenderá por longos minutos, enquanto o que impera entre as personagens é o laconismo, o que torna o tom muito sóbrio. O corte vai então se prolongando mais uma vez, e voltamos à comicidade, e assim sucessivamente. Nós, então no meio de dois tons muito distintos, ficamos num limbo sobre o que sentir, e em outras palavras, acabamos apáticos à toda a situação.
É claro que para podermos constatar tudo isso, de fato sentimos algo, mesmo que pontualmente. Mas quando juntamos todos esses momentos, o saldo é infértil, principalmente se considerarmos que os momentos de comédia e de drama são, mais uma vez, repetitivos. Assim, a qualquer momento em que um corte acaba se prolongando por mais tempo, sabemos que a situação se tornará engraçada de estranha. Da mesma forma, se a trilha clássica sobe ao fundo, já sabemos que o que virá será desolação. Isso em 2h20 torna-se um exercício de resistência, uma vez que pela terceira ou quarta vez, o efeito já não mais funciona, e o que inicialmente parecia ser sutil, passa a ser um recurso fácil para gerar conflito dramático.
Com isso, por muito pretender, e pouco e repetitivamente entregar o mesmo, o produto que fica é a de uma obra rasa. Além disso, com seu carro-chefe (e provável vencedor do Oscar de Melhor Ator) ainda envolto em denúncias de assédio contra mulheres, é deprimente que Manchester à Beira-Mar esteja ganhando tanto valor quanto o que Hollywood costuma dar a algumas obras. Felizmente, o tempo poderá dar cabo de levá-lo ao fundo do mar… ou apenas do esquecimento.
Trailer legendado:
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por Natan Novelli Tu