Em 2003 foi lançado o filme The Room, uma comédia não intencional dirigida, escrita, produzida e estrelada pelo extravagante Tommy Wiseau. Protagonizado por Tommy, o filme segue Johnny, um homem bem sucedido prestes a se casar, até que sua noiva decide, aparentemente sem razão, traí-lo com seu melhor amigo, Mark (Greg Sestero). O longa esteve em exibição no cinema durante apenas 2 semanas (bancadas pelo próprio Tommy) porém, anos depois, passou a ser considerado um filme cult. O Artista do Desastre (The Disaster Artist, 2017), dirigido e estrelado por James Franco, mostra o processo de produção de The Room desde quando os atores principais (Tommy Wiseau e Greg Sestero) se conhecem e se tornam amigos até o seu lançamento.
O filme possui um ótimo ritmo e andamento, sem se tornar cansativo, a história é encaixada perfeitamente em 1h44min – desde o momento em que Tommy (James Franco) e Greg (Dave Franco) se encontram pela primeira vez até a transformação de The Room em um clássico cult. É feita uma divisão de cenas com telas pretas, indicando o dia e a hora, essa técnica é sempre interessante e dá muito ritmo à narrativa. O Artista do Desastre possui tantos clichês quanto o próprio The Room, mas isso é reconhecido e tratado de forma cômica, muito similar a filmes de paródias; é uma produção que não se leva tanto a sério – e nem por isso significa que foi “mal feita” – o que faz com que o público se também se divirta.
É também interessante ver um elenco recheado de atores de renome em personagens tão incomuns (e até um pouco esdrúxulos), como é o caso de Josh Hutcherson e Zac Efron (cuja personalidade dos personagens é tão diferente do que ambos atores costumam interpretar que estes até demoram para serem reconhecidos). Todos esses pequenos detalhes são por si só muito cômicos e contribuem muito para o caráter de entretenimento do filme. A trilha sonora mesmo é uma comédia à parte, são utilizadas músicas cujo uso na Internet fez com que se tornassem memes e, por isso, voltaram recentemente ao gosto do público; não necessariamente extraordinárias, mas muitas vezes executadas de modo irônico, como é o caso de Never Gonna Give You Up, de Rick Astley.
A química entre os irmãos Dave e James Franco também ajuda muito na condução da história. Particularmente no início, as interações entre Greg e Tommy são extremamente genuínas e críveis, fazendo o espectador realmente acreditar e torcer por esta amizade.
Apesar de todos estes pontos positivos, O Artista do Desastre é um filme extremamente contraditório. Ele inicia com relatos enaltecendo o The Room, entretanto ao longo da história se vê o quão problemática foi sua produção. Tommy Wiseau é uma figura impossível de lidar, explicitamente machista e extremamente arrogante, manipulador e desrespeitoso. Entretanto, há um claro esforço por parte do James Franco de disseminar sua própria admiração pelo excêntrico e questionável diretor de The Room, como o qual ele constrói uma performance simultaneamente caricata, emocional, cômica e dramática.
A personalidade repleta de peculiaridades de Wiseau é ampliada por Franco, que utiliza os longos cachos pretos, seu porte físico e o figurino de estilo indefinido para consolidar a imagem de Tommy – frequentemente recorrendo à maneirismos mais exagerados que os do próprio. Um exemplo é a voz assumida por Franco, cujo sotaque de inspiração européia é mais acentuado, mais cômico e mais incompreensível que o do próprio objeto de inspiração; ela tira risos ocasionais da platéia no início do longa, mas vai se tornando cada vez mais incômoda em seu decorrer.
Entretanto, além da encenação caricatural, há um empenho visível em trazer o lado emocional de Wiseau à tona. Seus surtos de paranoia, que vão ficando cada vez mais frequentes, ao mesmo tempo que o revelam como um homem amedrontador e imprevisível, tentam construir uma empatia e um entendimento maior do público com o homem representado. Suas lágrimas ao ouvir os risos da audiência – e do próprio melhor amigo, Greg – ao assistir à sua obra são o exemplo mais claro do empreendimento de James Franco em tornar Tommy um personagem merecedor do gosto e da emoção do espectador.
É nesta tentativa de multifacetar o personagem que O Artista do Desastre comete o que pode ser seu maior erro. Ao tentar tornar Tommy um herói, um símbolo, e provocar no público a mesma inspiração que James Franco inegavelmente encontrou nele, aspectos problemáticos e questionáveis de Wiseau são relevados.
De fato, o longa chega a mostrar explicitamente episódios em que o comportamento de Tommy é longe do ideal, absurdo. Ele é tóxico e seu comportamento quase que impossibilita todo o processo de gravação. Se mostra manipulador, fazendo Greg, seu melhor amigo, desistir de uma oportunidade imperdível para a carreira por obstinação própria. Também, abusivo e irresponsável, ao tornar o set de filmagens um verdadeiro inferno, e chegando a causar o desmaio de uma atriz idosa por negar-se a instalar um ar condicionado (que perfeitamente caberia em seu infinito orçamento) e a dar água para os funcionários. Não acaba aí: ao contracenar em uma cena de sexo com Juliette (Ari Graynor), além de subitamente decidir em filmar a cena completamente nu, sem consentimento prévio, ele rudemente a constrange por ter “espinhas demais” em seu corpo – o que, para Tommy, a impediria de ser a mulher sexy e linda que ele desejava para o papel – ao falar em frente às câmeras que seu corpo é “nojento”. E apesar do filme mostrar todas essas dificuldades e posturas absurdas, termina enaltecendo e romantizando novamente The Room e Tommy Wiseau, pintando-o como uma espécie de “gênio incompreendido”, deixando sua imagem ao público como uma figura icônica, pop, cuja excentricidade é o traço principal.
Tendo recebido críticas muito positivas – até 6 de janeiro, sua avaliação no site de crítica audiovisual Rotten Tomatoes era de 92% -, o longa já foi indicado ao Globo de Ouro e é aposta de muitos para o Oscar. Com isto, Tommy Wiseau passaria de excêntrico diretor de um one-hit wonder cult para um diretor reconhecido por importantíssimas premiações do cinema. É este o personagem que merece tal exposição e reconhecimento?
O Artista do Desastre parece pensar que sim.
O filme estreia dia 25 de janeiro nos cinemas brasileiros. Confira o trailer:
por Juliana Santos e Mariangela Castro
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