Por Bernardo Carabolante (bernardom0411@usp.br)
Embora inspirado em fatos reais sobre a vida do capitão dinamarquês Ludvig Kahlen (1704 – 1774), o filme O Bastardo (Bastarden, 2023) se baseou no livro Kaptajnen og Ann Barbara (2020). O diretor Nikolaj Arcel conta em entrevista: “Eu estava adaptando uma obra de ficção baseada em fatos reais. Portanto, fui leal primeiro ao livro e à visão de Ida Jessen (escritora do livro)”. Desde o dia 12 de setembro, os brasileiros têm a chance de assistir a mais um excepcional filme estrelado por Mads Mikkelsen.
A obra apresenta Ludvig Kahlen, um ex-militar que chega nas terras da Jutlândia e se interessa em colonizar uma área em que, até então, ninguém conseguiu cultivar. Apesar de julgar a ideia como loucura, o Tesouro Real libera, com o aval do Rei, para que Ludvig tente plantar. A partir deste ponto, que entendemos que mesmo uma terra não tão habitada tem seus perigos e mentiras, nos mostrando o contraste entre o que é ser da realeza e um homem que busca fazer parte dela.
Ao longo de toda a história, o espectador vê a transformação de Ludvig, ao ponto de quebrar leis da realeza para conquistar o que busca, abandonar pessoas importantes, arriscar tudo e até mesmo desistir de sonhos por ego. E durante os 127 minutos de filme, estas mudanças se revelam por meio de mais uma atuação fantástica de Mads Mikkelsen, que muito transparece e conta sem ao menos falar — o Ludvig do começo não é nem de perto o mesmo ao final da história.
Durante sua jornada em busca de se tornar alguém importante que não apenas um bastardo, explícito no título do longa, Ludvig conta desde o princípio com a ajuda do padre Anton (Gustav Lindh), os fugitivos Johannes Eriksen (Morten Hee Andersen) e a governanta Ann Barbara (Amanda Collin), que buscam reiniciar sua vida após escaparem de Frederik de Schinkel (Simon Bennebjerg), o homem mais importante das redondezas.
Ao longo do filme, há um contraponto para uma área tão solitária e vasta: Anmai Mus (Melina Hagberg), a pequena criança adotada por foras da lei, traz ao filme em poucos segundos de tela seu carisma, que rouba a cena e faz boa dupla com a seriedade de Ludvig Kahlen, que não sabe lidar com crianças e nem mulheres. Quem também se destaca é Frederik de Schinkel, que em poucos momentos se mostra um homem mimado e disposto a trocar tudo por poder.
“Deus é caos. A vida é caos.”
– Frederik de Schinkel
O personagem se utiliza desta frase para justificar algumas de suas loucuras, pensamentos e provocações a Ludvig ao longo da trama. Este comportamento é reforçado quando sua prima, Edel Helene (Kristine Kujath Thorp), protege o ex-militar de algumas ofensas vindas de seu primo.
A experiência do filme é imersiva, devido à ótima fotografia que dá a noção tanto da região vazia e inóspita em que os personagens estão, quanto a quão chique é um enorme palácio. E pontua-se a semiótica nas cenas, seja um beijo no escuro por ser proibido, ou quando um personagem é dimensionado em um local vazio por estar sem rumo.
Até as cores das cenas podem transmitir uma mensagem diferente a cada momento, como a paleta de cores frias em momentos de solidão e decadência do personagem ou as inúmeras cores saturadas dentro de uma mansão onde não parece faltar nada externo ao vazio de alguém.
Os pontos fortes da obra dinamarquesa se devem às atuações dos atores, o que facilita as transições do filme entre momentos de drama, momentos de família e momentos tensos .Tudo isso combinado com uma ótima trilha sonora, que dá o tom necessário às cenas, além do excelente roteiro que não dá ponto sem nó, onde até o menor pedaço de graveto tem um significado para a história.
Por passar no século 18, o roteiro aborda diversas questões problemáticas atualmente, mas que um dia já foram comuns. Ao longo da trama, aparecem associações raciais à má sorte, situações análogas à escravidão, e sequências misóginas, além de mortes e assassinatos explícitos, o que podem incomodar espectadores.
O filme dinamarquês não é nenhuma inovação, mas excede no que está ao seu alcance, fazendo com que as 2 horas e 7 minutos passem rápido devido ao envolvimento com a história e com a ótima fotografia.
O filme já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução/IMDb