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O gigante enterrado: a fantasia no Prêmio Nobel

(Imagem: Capa / Cia. das Letras / Reprodução) Quando o assunto é literatura fantástica, se destacam grandes best-sellers como “Senhor dos Anéis” e “Harry Potter”, que misturam elementos da magia com uma clássica jornada do herói. É difícil, porém, associar o gênero aos clássicos da literatura – em especial, aqueles consagrados pelo Prêmio Nobel, de …

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(Imagem: Capa / Cia. das Letras / Reprodução)

Quando o assunto é literatura fantástica, se destacam grandes best-sellers como “Senhor dos Anéis” e “Harry Potter”, que misturam elementos da magia com uma clássica jornada do herói. É difícil, porém, associar o gênero aos clássicos da literatura – em especial, aqueles consagrados pelo Prêmio Nobel, de grande prestígio no meio artístico. Kazuo Ishiguro, escritor nipo-britânico, desafiou essa concepção. Vencedor do Nobel de Literatura em 2017, o escritor se aventura pela fantasia em O Gigante Enterrado (Cia das Letras, 2017), após também transitar pelo gênero da ficção científica em Não me Abandone Jamais, talvez seu maior sucesso.

Na trama, ambientada em uma Europa medieval – mistura de história e fantasia –, acompanhamos o casal de idosos Axl e Beatrice. Levando uma vida simples e rotineira em uma aldeia bretã, os protagonistas decidem deixar tudo para trás e sair em busca de um filho perdido. Acontece que eles não têm lembranças dele – seu rosto, sua localização, nem mesmo seu nome são acessíveis. O que parece ilógico se mostra a peça central para a construção da narrativa: juntamente com os personagens, nós, leitores, vamos descobrindo (e desvendando) o mistério do fenômeno que faz os habitantes daquela terra esquecerem. A névoa, como é chamada, não apenas afeta a memória das pessoas, ela naturaliza a vida sem lembranças. Não recordar do próprio filho, portanto, parece normal. Até Axl e Beatrice lutarem contra isso.

Na jornada que domina quase todo o livro, o cenário é totalmente fantástico. Cavaleiros destemidos, ogros horrendos, magia, morte e até um gigante (literalmente) enterrado estão presentes. O diferencial, porém, é que tudo isso não passa de um background para uma narrativa muito mais complexa e profunda, que tange assuntos reflexivos da vida humana. Os próprios protagonistas demonstram isso: ao escolher um casal de idosos, que sofrem dores constantes e pouco podem reagir diante às adversidades, Ishiguro quebra com o padrão do herói clássico: jovem, sadio e disposto a passar por todo tipo de provação. A batalha de Axl e Beatrice é interna, uma guerra constante em busca de algo tão básico do ser humano: a benção e o fardo de lembrar. “Será que não é melhor que algumas coisas permaneçam esquecidas?”, questiona o narrador em determinado momento.

Isso não significa, de forma alguma, que a ação e a aventura não estão presentes. O Gigante Enterrado se inspira em (e até empresta) elementos de grandes clássicos do imaginário histórico, como o lendário Rei Arthur, e peças chaves de toda boa história de fantasia: um dragão, por exemplo, não poderia faltar.  Reflexões de amor, perdão, história e lembrança: tudo isso serve às metáforas, que são a real poesia do livro. O próprio título do livro é uma grande alegoria para todas as mágoas, rancores e raivas de um povo profundamente marcado por guerras e devastação.

Não é a primeira vez que um livro do gênero trata de temas profundos como amor e esquecimento – na verdade, isso é bem comum. Mas Kazuo traz com maestria uma obra filosófica e, ao mesmo tempo, simples. A desconstrução de uma fantasia quadrada e superficial é o ápice de um título que, não à toa, leva o nome do Nobel logo na capa. Uma sensibilidade e maturidade incomum completam com a escrita de Ishiguro, refletidas na construção dos personagens e de suas relações – de longe, o mais cativante da leitura.

Por Bruno Carbinatto 
brunocarbinatto@gmail.com

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