por Carolina Tiemi
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Vicente (Lázaro Ramos) é um vendedor de passados. Munido com fotografias antigas e programas de edição de imagens, ele constrói, artificialmente, memórias e histórias. Assim, ele corrige a vida de clientes infelizes.
Porém, quando Clara (Alinne Moraes) aparece, o profissional se abala. Sem nenhuma informação ou registro da sua história, Clara encomenda um novo passado, dando carta branca para a invenção de qualquer história, com apenas uma condição: ter cometido um crime. Inconscientemente, Vicente passa a se envolver com a personagem que ele próprio criara, num enleio de realidade e ficção que o absorve para dentro dos mistérios de Clara.
O longa metragem O Vendedor de Passados (2015), dirigido por Lula Buarque de Hollanda, é uma livre adaptação do romance homônimo escrito pelo angolano José Eduardo Agualusa. Para o filme, escritor e diretor trabalharam em conjunto na tradução da ideia central do livro para o cenário brasileiro atual.
Na trama, são citados elementos em discussão atualmente, como o rigor dos padrões estéticos e suas consequências ou a transexualidade, sem deixar de tocar num assunto atemporal: o desejo humano de ser dono e construir a própria história. “Todo mundo tem algo na vida que gostaria de ter feito diferente”, afirma Alinne Moares em um dos teasers publicados.
O livro
Escrito por José Eduardo Agualusa e publicado em 2004, o livro constrói uma imensa sátira político-social da Angola de hoje. Neste romance, um morador albino de Luanda, elabora árvores genealógicas em troco de pagamento. Uma atividade extremamente lucrativa, considerando que, num cenário pós guerra civil, as elites dirigentes e os ricos empresários têm um presente e um futuro próspero, mas não um passado glorioso. Assim entramos na história de Félix Ventura, o vendedor de passados falsos.
Ainda que o enredo do longa se distancie do que fora escrito por Agualusa, ambos conseguem montar uma história rica nos detalhes, com uma narrativa de qualidade e fazendo uso de um recurso muito bem elaborado em ambas as esferas: a metalinguagem.
A trilha sonora também ajuda na construção da atmosfera que o filme propõe, com grande destaque para a música You Don’t Know Me, do clássico albúm Transa, de Caetano Veloso. A canção encerra a história do encontro dos passados mentirosos de maneira autoexplicativa.
Assim, com o timbre de Caetano, um alvitre de Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004), do diretor Michel Gondry, e um Lázaro Ramos mais dramático, acompanhamos um filme composto por várias camadas do universo humano contemporâneo, criado com ajuda dos próprios atores, que participaram ativamente da produção.
Confira o trailer de O Vendedor de Passados: