Por Gabriel Lellis
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Era uma vez uma rica cidade banhada pelas águas. Seus habitantes, conhecidos como os mais sábios da Terra, acabaram sucumbindo a valores ruins, como a ganância e a cobiça. Até que um dia o reino foi destruído e desapareceu, transformando a cidade em uma lenda.
Você deve estar pensando em Atlântida, certo? Bem, na verdade estamos falando de uma Atlântida genérica, submersa pelas areias do deserto brasileiro e conhecida pelo nome de Acquaria.
E quem serão os heróis tupiniquins capazes de desenterrar de forma épica a mítica cidade? Errou se pensou em cangaceiros futuristas, índios ultra-tecnológicos ou num Didi Mocó em versão robótica. Nossa dupla de heróis é surpreendentemente composta pelos irmãos Sandy e Júnior (não confunda pelo nome, são realmente duas pessoas diferentes).
Ok, não podemos dizer que a atuação de ambos é a pior do cinema nacional. Para quem já passou 100 minutos assistindo o filme de uma certa cinderela do nordeste, a famosa dupla de cantores atua de uma forma razoável.
Dirigido por Flávia Moraes, o filme se passa em um Brasil futurista, onde a água se tornou um artigo de luxo e o homem transformou a Terra em um grande deserto. Numa pacata cidade do interior, que mais parece uma reciclagem mal feita da Tatooine onde Luke Skywalker mora, vive uma família formada por Kim (Júnior), Gaspar (Emílio Orciollo), o menino Guily (Igor Rudolf) e Mingus (interpretado brilhantemente pelo cachorro Wind). Enquanto eles lutam para inventar a “máquina da água” e sobreviver, aparece uma menina desconhecida e misteriosa chamada Sarah (Sandy). Ao longo do filme vários “mistérios” vão sendo desvendados.
É impressionante como em um futuro pós-apocalíptico, sem água e com uma temperatura maior que 40° as pessoas conseguem manter-se tão bonitas. Não estou dizendo que em meio a total desgraça temos de andar fedidos e descabelados, mas como a Sandy consegue manter aquele Blush impecável e onde o Júnior arranja creme para pentear sua cabeleira?
Na época do seu lançamento, Acquaria era o filme brasileiro mais caro já feito. Estávamos em 2003 e filmes como “Senhor dos anéis” já haviam sido lançados. Com esse dado é possível saber como o nosso cinema estava na pior. Os efeitos especiais do filme parecem ter saído de um jogo de Playstation 1, com destaque para um fantástico calango de duas cabeças e para o cachorro que é desintegrado após sair do campo de força (Me perdoem pelo Spoiler dessa que é uma das cenas mais tristes da história da 7ª arte).
Historicamente, a sociedade faz bullying com nosso querido Júnior e fornece mais holofotes à menina Sandy. No filme não é muito diferente. Exemplos: Júnior fala que tem uma namorada, mas ela não aparece no filme, enquanto Sandy acaba beijando o galã Gaspar. Júnior pesca (na areia!) com uma vara enferrujada e é humilhado pela irmã, aparamentada por um boomerangue ninja capaz de pegar centenas de peixes.
Acquaria é feito com uma linguagem muito próxima do televisivo. Prepare-se para ver cortes rápidos, closes no momento exato de uma expressão facial mais dramática e conflitos extremamente complexos resolvidos em menos de cinco minutos. Tudo acontece de forma instantânea, e cabe ao espectador apenas ficar anestesiado, pois quanto mais tentar entender o que aconteceu, pior.
Filmes brasileiros geralmente tem uma certa obsessão musical. Não é raro encontrar dancinhas e números musicais em meio ao arco dramático da história. E é obvio que um filme estrelado por uma dupla de cantores não fugiria da regra. Na parte do canto não há muito a se criticar. Os dois têm talento musical e gastam alguns minutos de película com canções românticas. Já quanto as dancinhas, fica a pergunta de qual a necessidade de os “Acquarianos” dançaram uma espécie de dança do “ventre pop” sobre uma piscina. Ah, como não amar o cinema brasileiro e suas peculiaridades excêntricas…
Aquela dupla de irmãos fofinhos que quando crianças cantavam “Maria chiquinha” na tela da televisão cresceu e decidiram se aventurar nas telas do cinema. Acquaria não é o pior filme da face da terra. Diverte com suas maluquices e por trazer um pouco da nostalgia daqueles que gostavam de Sandy e Júnior.