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Preconceito e exclusão: doenças mentais ainda são um “tabu”

Por Luiza Queiroz (luly.agnol@gmail.com) No dia 24 de março, o avião da companhia aérea alemã Germanwings caiu em meio aos Alpes franceses, provocando a morte de 150 passageiros. O caso logo ganhou certa repercussão, principalmente após a divulgação da hipótese de que o co-piloto Andreas Lubitz, que guiava a aeronave no momento do acidente, teria …

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Por Luiza Queiroz (luly.agnol@gmail.com)

No dia 24 de março, o avião da companhia aérea alemã Germanwings caiu em meio aos Alpes franceses, provocando a morte de 150 passageiros. O caso logo ganhou certa repercussão, principalmente após a divulgação da hipótese de que o co-piloto Andreas Lubitz, que guiava a aeronave no momento do acidente, teria deliberadamente derrubado o voo devido a um histórico de depressão. As investigações a respeito do que realmente ocorreu a bordo persistem, porém, não obstante as vidas perdidas na colisão, o que se pôde observar após o acidente foi a intensificação de um preconceito já existente e ainda pouco discutido: a psicofobia – termo genérico para a discriminação de doenças e distúrbios mentais. Apesar de abranger diversos transtornos, o termo é melhor exemplificado quando se trata da depressão, a doença mais comum no que se refere à saúde mental atualmente.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), pelo menos 350 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão, e as previsões indicam que até 2030 ela será a doença mais frequente do planeta. A Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2013 pelo IBGE, indica que, no Brasil, o número de indivíduos afetados pela doença ultrapassa os 11 milhões (isso equivale, aproximadamente, à população inteira da cidade de São Paulo).

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Mais do que uma mera “tristeza”, a depressão é uma doença que já atinge mais de 350 milhões de pessoas. (Foto: Getty Images)

A psicofobia no cotidiano

Larissa Rainey tem 22 anos, é formada em Publicidade, e atualmente estuda para prestar o vestibular de Psicologia.  Larissa é também autora do blog Falando Sobre Saúde Mental, espaço no qual trata questões relacionadas à psicofobia: ela própria sofre de depressão, tendo sido diagnosticada há 3 anos.

“As pessoas não enxergam isso como um problema, e sim como uma frescura”, diz. Ela afirma que começou seu blog quando percebeu que não tinha constrangimento em admitir que tomava algum medicamento para sua tireoide, por exemplo, mas envergonhava-se ao ingerir estabilizadores de humor em público.

Devido à estereotipação, Larissa relata já ter tentado esconder diversas vezes o problema das pessoas ao seu redor, especialmente em seu trabalho: “Sempre tem aquele medo, justamente por causa desse estigma de que a pessoa que sofre de depressão não é confiável (…). É aceitável você falar para o seu chefe que hoje não pode ir trabalhar por causa de uma gripe, mas eu não posso ligar para a minha chefe e dizer que não vou trabalhar hoje porque tive uma crise depressiva”.

Larissa acrescenta que o retrato que a mídia faz da doença nem sempre é satisfatório àqueles que de fato a possuem; segundo ela, em muitos filmes e seriados os indivíduos deprimidos são retratados ou como pessoas absolutamente incapazes de realizar qualquer atividade, ou é feita uma certa “glamourização” do problema, o que quase sempre não contribui para que a depressão seja levada a sério. Outro ponto que Larissa levanta é o escárnio e a ridicularização feitos com a questão da auto-mutilação, uma atitude vista como exibicionismo e não como sintoma de algo mais grave.

“Nosso ritmo de vida não comporta pessoas com depressão ou com qualquer outro tipo de transtorno. A sociedade não está pronta para acomodar essas pessoas”, diz a autora do blog. “É preciso escutar não só psicólogos, mas também quem passa por isso diariamente – porque essa é uma luta diária”.

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Tradução: “ajude-me”. Muitas vezes, o preconceito impede que a vítima de transtorno mental se aceite e procure ajuda (Foto: http://vivamelhoronline.com/tag/depressao)

A história da psicofobia

Portadores de depressão e de outros estados mentais patológicos (como distúrbio bipolar, esquizofrenia, histeria etc.) eram – e infelizmente ainda são – muitas vezes agrupados sob o mesmo rótulo de “loucos”.

A psicofobia, assim como qualquer outro preconceito, é uma construção histórica. Existem diversas teorias a respeito da maneira pela qual tal construção ocorreu ao longo do tempo. Em seu livro A História da Loucura, o autor francês Foucault relaciona o início desse estigma com o período da Idade Média, no qual começam a surgir epidemias de lepra trazidas do Oriente com as Cruzadas. Para evitar maiores surtos, foram construídos na Europa os leprosários, que mais tarde dariam origem aos manicômios. Passados os surtos de lepra com o fim das Cruzadas, os leprosários foram sendo ocupados por enfermos que sofriam de doenças venéreas e pelos chamados “loucos”, constituindo-se definitivamente como locais de exclusão social (onde, inclusive, seriam mandados posteriormente todos os tipos de excluídos da sociedade, como prostitutas e até criminosos).

Nesse mesmo período da História, o professor de psicologia Isaias Pessotti destaca também a forte influência que a Igreja – a instituição mais poderosa da época medieval – teve na construção da psicofobia: os loucos eram vistos como possuídos pelo demônio, através de um modelo de compreensão que atribuía a loucura a forças sobrenaturais (míticas ou religiosas). Tal modelo estava presente também na Antiguidade, quando acreditava-se que a loucura era provocada por vontade dos deuses. No entanto, segundo o autor, foi durante a Idade Média que a estigmatização de fato iniciou-se, a partir da interpretação demonista da Igreja Católica.

O século XVII é visto por Foucault como o período da Grande Internação: a construção de espaços para isolar os loucos e demais marginalizados da sociedade é encarada na Europa como uma alternativa para a reabilitação e cuidado para com tais indivíduos. O marco da época é a construção do Hospital Geral de Paris em 1656.

Foi somente a partir do século XVIII, com o movimento Iluminista e a transição da sociedade feudal para a capitalista, que a loucura passou a ser vista como doença, e de fato estudada, pesquisada e catalogada. É importante destacar, também, a correlação entre o avanço do capitalismo e a elevação da loucura a “status” de doença: isso porque a sociedade capitalista demandava cada vez mais mão de obra, de modo que a ideia de reabilitar o “louco” para o convívio social (e, logo, para o trabalho) passa a ser interessante. Philippe Pinel (1745-1816), médico francês da época, foi um dos fundadores do chamado “tratamento moral”, ao propor que os loucos fossem tratados de maneira mais digna nos manicômios a fim de serem estudados. Pinel e seus seguidores, porém, jamais questionaram a prática da internação – ao contrário, defendiam-na para fins de estudo científico, afirmando que o isolamento social era o melhor modo de compreender e estudar a loucura.

O que se percebe ao longo dessa narrativa é a continuidade de um preconceito que perdura até o presente: a exclusão como alternativa à reintegração ainda constitui uma forma de pensamento intrínseca na sociedade com relação aos doentes mentais. No passado, essa exclusão refletia-se no isolamento físico. Atualmente, é mascarada pela ignorância e pelos estereótipos que vitimizam os portadores de transtornos mentais – o que, além de dificultar a aceitação do distúrbio pelos próprios indivíduos, serve de empecilho para que se recuperem de uma doença tão perigosa quanto subestimada.

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