Por Mariana Mallet (marimcp97@gmail.com)
“Essa semana mesmo, a coordenadora da minha escola chegou à sala para dar uma lição de moral, mas acabou que fez ao contrário. No meio do discurso sobre a relação dos aprovados no vestibular, ela falou: ‘Até uma negra passou, ela não usou cotas’.”
— Relato anônimo
É essencial dizer como o racismo se manifesta dentro das instituições de ensino.
Não podemos negar a herança escravista que nosso país carrega. Apesar disso, a sociedade brasileira se acostumou a dizer que não existe racismo por aqui, e que não há diferenças entre negros e brancos, sobretudo por conta da miscigenação. Pois é. Confesso que para quem não vivencia diretamente a situação, é difícil enxergar a discriminação racial no Brasil. Vivemos em uma nação onde todos têm pavor de serem chamados de racistas. Ninguém chega ao meio da rua e grita para um negro que ele é inferior ou constrói leis que dão benefícios só para brancos. Mascarado, o racismo no país só é percebido por quem sente na pele ou passa por um processo de desconstrução. O branco não é parado por um policial só por ser branco. Quando o branco frequenta um ambiente de classe alta, não questionam se ele é babá, empregado ou motorista de alguém só por ser branco. Ninguém questiona a capacidade intelectual do branco só por ser branco. O negro passa por tudo isso e muito mais.
Na escola, não poderia ser diferente. Um dos principais reflexos do racismo e da desigualdade no Brasil encontra-se na educação. Grande parte das pessoas que se declaram negras não tem acesso ao ensino de qualidade e sofre com atitudes racistas dentro das escolas. Isso se torna mais visível nos colégios particulares.
Segundo dados do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realizado em 2005, cerca de 22,5% dos estudantes do ensino privado de São Paulo, no Ensino Fundamental, são negros. No Ensino Médio, esse número cai para 15%, aproximadamente. A situação não é muito diferente no Rio Grande do Sul: no Ensino Fundamental, 22,5% dos alunos de instituições pagas são negros e no Ensino Médio, apenas 9,5%. Em estados com maior número de pessoas negras, as porcentagens já são maiores, porém proporcionalmente desiguais. No Pará, 51% estudantes do Ensino Fundamental de escolas privadas são afrodescendentes e, no Ensino Médio, 58%. Já na Bahia, cuja população é composta por aproximadamente 77% de negros, apenas 52% dos estudantes do Ensino Fundamental e 59% do Ensino Médio do ensino particular também o são.
O racismo nos colégios
Segundo a socióloga e assessora da Ação Educativa, Ednéia Gonçalves, existem várias possibilidades de identificar manifestações de racismo nos colégios. Em primeira mão, é necessário fazer um recorte de quem frequenta as instituições particulares. De acordo com Ednéia — além dos dados disponíveis acima —, os alunos que estudam em colégios pagos são, em sua maioria, brancos e de classes sociais mais altas. Se o acesso é menor, a visibilidade dos negros também é menor, fazendo com que as escolas construam uma falsa maioria.
Outro fator que contribui para esse problema é a impunidade das instituições em relação aos estudantes racistas. Muitos colégios ”fecham os olhos” para o assunto e não tomam atitudes que possam melhorar o debate sobre as questões raciais. A disseminação de apelidos, por exemplo, ainda é recorrente. “Sempre vem alguém com uma piadinha como se não fosse nada”, diz Miriam Borges, de 27 anos. “Já me chamaram de apelidos como ‘macaca’ e, sempre que a matéria do colégio falava sobre algum tipo de macaco, virava piadinha.”
Essas piadas são uma das principais manifestações de racismo nos colégios, onde a discriminação costuma ser disfarçada, diz Ednéia. Os apelidos do aluno negro quase sempre se referem à cor da pele ou aos traços raciais. Embora, na maioria das vezes, eles não sejam encarados como racismo, ela rebate: “Se estiver em dúvida se um apelido é racista ou não, pergunta se tem um correspondente branco. Se não tiver, é racista”.
Em outro aspecto, a falta de atenção em trabalhar a equidade e a não abordagem da cultura africana pelos materiais didáticos também influencia as práticas racistas nas escolas — na medida em que a visibilidade negra, que já é mínima, acaba negada. Dessa maneira, diz a socióloga, os estereótipos raciais tomam frente nos discursos diários. “Já ouvi vários comentários maldosos referente aos negros, como, por exemplo, pessoas dizendo que negros não gostam de trabalhar”, diz C.B, de 35 anos, que prefere não ser identificada. A estética das meninas também é afetada. “Você precisa corresponder à aparência que é considerada delicada. Se você está ali e não corresponde, vai receber apelidos, vai ouvir piadas, as risadinhas”, conta Ednéia.“A cultura negra e a estética negra não são valorizadas. É como se você estivesse criando um monstro dentro da escola, do qual você não tem controle.” Isso se faz claro no relato de G.E., de 19 anos, que afirma que, quando mais nova, ao mudar o cabelo para impressionar um garoto, este retrucou que sua conta de luz viria cara por ter gasto muita energia para alisar o cabelo duro.
Ela também comenta a exclusão e a normalização de ser colocado sempre em papéis subalternos, uma das principais consequências do racismo nas escolas. O aluno que sofre discriminação tem problemas de autoestima, sente-se incapaz e inferior e pode passar por inúmeras complicações. Entre as mais comuns estão problemas de desempenho e de disciplina, dificuldades de socialização e exclusão.
“Um colega de escola disse que, por conta da minha cor, não conseguiria passar em medicina, por ter uma inteligência inferior”, diz Jéssica Borges, de 19 anos. Miriam Borges, de 27, também entrevistada pela reportagem, complementa: “Acho importante pesquisas como essa para entendermos que uma sociedade que prega tanto igualdade e liberdade não é o que acontece no dia-a-dia. Temos a questão da luta pelo empoderamento e conhecimento, mas acaba que não vivemos isso”.
Como melhorar o problema?
De acordo com Ednéia Gonçalves, é preciso aceitar a existência do racismo nas instituições de ensino e trabalhar diariamente a questão racial em sala de aula. Muitas escolas abordam a cultura africana apenas na semana da consciência negra. É necessário que se vá muito além disso.
Um negro sabe quando uma atitude é preconceituosa, mas, muitas vezes, o branco não percebe o mesmo. Para que exista uma discussão sobre igualdade, é fundamental desconstruir os alunos não negros. São imprescindíveis debates sobre a convivência com a diferença e pluralidade, além do auxílio a professores, para que percebam e cortem qualquer manifestação de preconceito. Principalmente, é preciso educar o aluno racista.
Fantástica a reportagem. Precisamos dar as mãos e trabalhar duro para resolvermos logo esta questão. Há muito tempo já não podemos andar pelas ruas. Educação de primeira linha para todos pode ser a solução. Em 2000 passei em primeiro lugar em Concurso numa Prefeitura do ABC Paulista ( eram 103 candidatos ). Por ser afro-descendente ouvia perguntas se seria amigo ou conhecido do Diretor. Para o nosso Psicólogo não perguntavam nada. Depois descobri que passar em primeiro lugar foi fácil. Dificil foi se manter por 19 anos em primeiro lugar até a aposentadoria em Jun2019. Quero agradecer de coração a todas as pessoas e de todas as cores, que me ajudaram nesta trajetória.