“Nesta casa não há nada o que se oferecer”. A frase de Júlia (Leonor Silveira) resume a miséria vivida pela família de Palma (Hugo Bentes). Sem trabalho e sem dinheiro para sequer comprar o pão, Raiva (2018) traz no enredo os motivos que levaram o camponês a cometer dois homicídios. Mas, afinal, seria Palma o réu ou vítima?
O longa traz à tona as desigualdades sociais e políticas vividas no sul de Portugal, na década de 1950. Dirigido por Sérgio Tréfaut, é uma adaptação do romance Seara do Vento (1958), do escritor português Manuel da Fonseca. O livro se baseia num episódio real ocorrido em Beja, na década de 1930, quando um camponês é acusado de roubar grãos de um agricultor.
Filmado todo em preto e branco, a trama começa pela tragédia final e foca na trajetória que culminou no desfecho. O enquadramento e fotografia das cenas dão a impressão que nada muda. O preto e branco e tons de cinza, a ventania constante, o tempo nublado e a espera de uma melhora que não chega caracterizam a miséria de uma classe que muito aguarda e nada tem.
Ao longo da trama, pode-se observar as aflições dos personagens: ódio, revolta, orgulho, desespero, insegurança e muita fome. A casa simples, com poucos objetos, retrata a pobreza que “nas terras mortas onde não há pão, os pobres nascem pobres e os ricos nascem ricos”. Pedaços de madeira representando utensílios de cozinha, uma lareira, mulheres vestidas em trapos pretos, a expressão constante de dor e desespero. Era a angústia de uma família, mas retratava o que tantas outras passam.
A tensão durante todo filme costura bem os motivos que levaram Palma a busca por justiça. Em terra onde não há ascensão social ou perspectiva alguma, questionar o salário recebido e pedir aumento desencadeia numa situação ainda pior.
Diante desse cenário Palma, ex-funcionário e desafeto do oligarca Elias Sobral (Diogo Dória), parte para o contrabando com o intuito de tentar alimentar sua esposa, sogra, filha adolescente e filho deficiente. Denunciado pelo ex-patrão, o protagonista acerta suas diferenças com o desafeto.
O filme trata não só da trama de uma família, mas da impossibilidade de sair de uma situação como a mostrada no longa. Os personagens podiam ser mais bem desenvolvidos, trazendo maior complexidade a como cada um reage à situação. Talvez o desfecho esperado nem exista. Só represente um quadro não tão diferente da situação vivida no Alentejo (lugar onde a história se passa).
Por apresentar o clímax no início do filme, no final você tem a sensação de que o caso foi resolvido. Diante do cenário exposto é difícil imaginar outro desfecho Raiva é uma coprodução que envolveu Brasil, Portugal e França. Sua estreia está prevista para o dia 7 de março. Confira o trailer:
por Luciana Cardoso
lucianacardoso@usp.br