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A USP é para todos?

Vestibulandos, alunos, professores e funcionários comentam as vantagens e desvantagens da Universidade de São Paulo

Apesar de ser pública, a renomada Universidade de São Paulo (USP) é para os privilegiados. Privilégios de cor, etnia, gênero e renda. As dificuldades de se fazer parte da USP não estão somente no vestibular, mas também para se manter dentro da Universidade. Esses e outros desafios são relatados por 18 pessoas, futuros, recentes ou antigos uspianos – desafios que foram agravados com a Covid-19 e persistem na tradicional USP.

 

Quem passa na USP?

Lista da FUVEST
Primeiro dia da Fuvest 2021 [Imagem: Juliana Alves]
Estudar na melhor universidade da América Latina é o sonho de muitos, mais de 130 mil estudantes. Para o vestibulando Breno Feitosa, é uma oportunidade de fazer pesquisa, conseguir trabalho na área e ter mais chances de alcançar uma bolsa. Mas em 2020, além de enfrentar a alta concorrência e horas árduas de estudo, ele e outros tantos alunos tiveram que lidar com o inesperado: a pandemia da Covid-19.

O ano de vestibular já é considerado um ano desafiador. Com a chegada do novo coronavírus, ficaram ainda mais escancaradas as falhas educacionais e a desigualdade na competição pela vaga tão sonhada. A estudante Maria Eduarda Fernandes acredita que a falta de um espaço apropriado para estudo, manter o foco mesmo com os barulhos da casa, compreensão dos pais ou responsáveis com o horário de estudo e manter a saúde mental em meio à pandemia foram as principais dificuldades em 2020.

Em um país onde 4,8 milhões de estudantes não possuem internet, o coordenador do curso pré-vestibular popular Cursinho FEA USP, Marco Antônio, aponta como ajudou vários alunos com dificuldades técnicas. “O cursinho tentou suprir a demanda dos alunos, com fornecimento de internet e a entrega de apostilas físicas com protocolos de segurança”. Mesmo assim, ele lamenta que a taxa de evasão do cursinho tenha aumentado significativamente.

A proprietária do cursinho pré-vestibular particular Sapiência, Eliane Fonseca, comenta que houve muitos professores que sofreram para conseguir ensinar os alunos, sobretudo na questão de adaptação ao ensino à distância (EAD). “Como o professor Cortella já citou ‘alunos do século 21, professores do século 20 e metodologia do século 19”.

Professores e alunos tentam a se adaptar ao EAD [Imagem: Agência Brasil]
Em 2020, a fim de “dar mais oportunidade para que os candidatos possam se preparar para o Concurso Vestibular”, a data da aplicação da prova da Fuvest foi adiada em cerca de um mês. A mudança do calendário foi noticiada em julho perante a pandemia do novo coronavírus – período em que alunos da rede pública ficaram meses sem atividades remotas. Ian afirma que o fato da Fuvest ter sido muito relutante com o adiamento da prova “demonstra um caráter muito elitista do vestibular”. 

Para Eliane, quem conseguiu se preparar são pessoas que têm uma boa internet e que estudam em escolas e cursinhos que não interromperam as aulas. “Todos os meus alunos da periferia não conseguiram levar os cursos com nível elevado, porque não tinham internet ou computador. Quem vai conseguir ingressar na USP é quem está numa elite. Se já existia uma discrepância social, agora ela está exagerada”.

“Não há igualdade para as pessoas estudarem”, afirma o vestibulando Ian Rocha. Ele percebe um perfil de aprovados dos cursinhos que mais aprovam: branco, de classe média, cisgênero e heterossexual. Além da percepção, esse padrão é um fato. Segundo o Anuário Estatístico da USP 2020, mais de 70% dos matriculados são brancos, mais de 60% estudaram em escola particular e mais de 60% tem como renda familiar mensal cinco salários mínimos ou mais.

A maioria dos alunos que passaram em 2020 eram homens brancos [Imagem: Agência Brasil]
Por outro lado, a inclusão avança, mesmo a passos lentos. É o que aponta no Manual do Candidato da Fuvest de 2021 sobre a reserva de vagas de 50% para alunos que estudaram integralmente em escolas públicas. Dessa parcela são destinadas vagas aos estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas equivalente à proporção desses grupos no estado de São Paulo. Ainda assim, a estudante Maria Eduarda considera insuficiente essas medidas. “Cota para estudante de escola pública não garante que jovens periféricos realmente tenham seu espaço garantido, uma vez que competem com estudantes de escola federal, Escola Técnica Estadual (ETEC) e  Institutos Federais (IF), que têm ensino de maior qualidade”. 

No dia da primeira fase da Fuvest, Breno observou os procedimentos de biossegurança, que em sua visão foram bem aplicados para evitar a propagação da Covid-19. Cadeiras alternadas, portas e janelas abertas, álcool gel e todos os participantes e funcionários com máscaras. “Então, no fim das contas eu me senti bem seguro na realização do exame”, ele conclui. Já Maria Eduarda observou que momentos antes e depois da aplicação da prova podem ser um risco de propagação. “A prova gera aglomeração desde o local em que é realizada até no transporte público”.

“A prova gera aglomeração desde o local em que é realizada até no transporte público”. [Imagem: Juliana Alves]

 

Passei, e agora?

Depois da emoção de ver o nome na lista de aprovados e pisar na Universidade como aluno, o primeiro contato é a recepção. “Eu me senti bastante acolhido pelos veteranos, um ambiente muito alegre”. “Tiraram minhas dúvidas de bixete”. “A Semana de Recepção foi muito memorável”. “Conheci alguns veteranos que já trouxeram dicas”. Esses são alguns relatos de alunos nos seus primeiros dias.

Mas vale ressaltar que são oito campi que compõem a USP, ou seja, em cada unidade de estudo há uma realidade diferente. Por exemplo, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), localizada em Piracicaba, interior de São Paulo, embora sejam proibidos trotes desde 1999, já foram relatados casos graves de agressões e abusos contra calouros por lá.

CPI de 2013 que investiga violações de direitos humanos em trotes nas universidades paulistas [Imagem: Alesp]
“Temos que elogiar eles e nos xingar. Os veteranos nos humilham, temos que ajoelhar. Um dia tive que deitar no chão, não só eu, cerca de 50 pessoas. Isso acontece dentro da Universidade e ninguém faz nada”, afirma uma estudante da Esalq que pediu para não se identificar.

Como toda universidade, há vários espectros. Marco Antônio, aluno da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), comenta algumas vantagens como a qualidade do ensino e a boa reputação da USP. Vitor de Souza, estudante de Marketing, já menciona outros aspectos: a ênfase em sempre utilizar boas fontes e o rigor que eles costumam ter com os trabalhos. Débora Roque, aluna de Engenharia, observa que outro benefício é o contato com alunos intercambistas e professores de outros países.

Ainda em relação ao ensino, embora esteja classificada em quarto lugar no Ranking Universitário da Folha, a Universidade de São Paulo recebe tantos elogios quanto reclamações sobre professores. “Percebo que tem muitos professores bons que carregam nas costas um grupo de professores pouco interessados e que agem de forma antiética na relação com os alunos”, afirma Vitor. 

Um exemplo que ele expõe é de uma professora que, segundo o estudante, chegou a faltar em quase metade das aulas de um semestre sem dar aviso prévio ou cancelar a aula. “Essa docente já até foi vista durante o período de aula passeando no shopping por uma aluna. Em outro episódio, ela ainda quis realizar uma prova presencial durante um dia que teve greve no transporte de São Paulo”.

Em relação à estrutura, Giovanna Marino, aluna de Engenharia de Materiais e Manufatura, comenta diferenças entre os campi onde estudou. O de São Carlos é bastante estruturado, com projetores em quase todas as salas, ar condicionado e disponibilização de ônibus. Já em Lorena, os prédios são muito velhos, longe do centro da cidade, e não há transporte da USP gratuito para os alunos.

A infraestrutura é um dos reflexos do progressivo sucateamento da universidade pública pelo Estado, sobretudo em relação à reputação e verba, segundo Marco Antônio. “Mesmo em uma universidade ligada diretamente com a produção da vacina do Butantan, observa-se o desmonte tanto da USP como em outras universidades públicas”.

Praça do Relógio
Praça do Relógio da USP, principal cartão postal da universidade e um marco de orientação  [Imagem: Juliana Alves]

 

Professores

Ser professor na USP é visto como sinônimo de prestígio. São acadêmicos renomados nas áreas de atuação no Brasil e no mundo. Essa notoriedade reflete no levantamento realizado pela Universidade de Stanford (EUA), o qual apresenta alguns professores da Universidade no ranking dos pesquisadores mais influentes do mundo. 

Mas até numa das maiores universidades da América Latina os professores possuem dificuldades. Danilo Silva, do Instituto de Psicologia (IP-USP), aponta as questões de infraestrutura técnica, a necessidade de maior presença de recursos humanos para apoio técnico-didático em propostas de formação que envolvem estágios e supervisão docente. Já o professor da Escola Politécnica (Poli), José Reinaldo, comenta que a desmotivação dos alunos e a necessidade de revisão e modernização dos métodos e ferramentas de ensino como os principais empecilhos. Para a professora da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), Gabrielle Weber, percebe-se como uma dificuldade na USP, de modo geral, a burocracia.

O professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA), Dennis de Oliveira, menciona que o corte de verbas na universidade, em particular, nas agências de fomento de pesquisa, federais e estaduais são grandes impasses. Segundo o docente, há uma “pressão ideológica” muito forte no ambiente acadêmico de se pensar o ensino e a pesquisa apenas como instrumentos para atender as demandas imediatas do mercado. “Com isto, a universidade fica subordinada diretamente aos ditames do capital, comprometendo a sua necessária autonomia e o pensamento crítico”.

Pesquisa na USP [Imagem: USP Imagens]
Dennis explica também que há cortes no fomento de pesquisas, particularmente nas agências tradicionais, como a Fapesp e o CNPq/CAPES. Uma alternativa são as parcerias da universidade com empresas, como o Banco Santander, Banco Itaú, entre outros. Em alguns editais, por exemplo, não está claro o momento da contemplação e os critérios de seleção de projetos. Além do mais, não são todas as vezes que se recebe um parecer com o motivo de um projeto não contemplado. Por outra perspectiva, Danilo avalia que há alguma abertura na universidade para o envolvimento de pessoas em projetos mais diversificados e socialmente inclusivos.

Em relação ao corpo docente, outra problemática é a suspensão de concursos até dezembro de 2021. A resolução 7.955 é vista com preocupação aos olhos dos professores. Dennis considera que a suspensão implicará no acréscimo da carga horária docente nas aulas e na diminuição do tempo disponível para a pesquisa e extensão. “O mais perverso de tudo isto é que nós, docentes, continuamos sendo cobrados em termos de produtividade em pesquisa”, observa Dennis. José acrescenta que a suspensão provocará um atraso e trará um problema financeiro não só aos professores, mas para os diretamente envolvidos. 

Ainda na questão do corpo docente, entre 2014 e 2019 reduziu-se em 13% o número de professores efetivos, enquanto aumentou em mais de 500% o número de temporários, segundo a Associação de Docentes da USP (Adusp). A contratação de lecionadores temporários — os quais recebem o salário de R$ 1500 a R$2000 — representa a precarização do trabalho docente, conforme o professor Dennis. “Um professor temporário não só ganha salários irrisórios, mas tem uma condição de trabalho ruim na universidade”.

“Ume docente temporárie não vai conseguir se dedicar a todas as atividades da Universidade: ensino, extensão e pesquisa, focando, pois, no ensino que é a atividade para qual foi contratada”, comenta a professora Gabrielle. Para ela, os efeitos da contratação são “potencialmente desastrosos”: o impacto de longo prazo na produção científica e na sua divulgação pela simples diminuição da mão de obra qualificada e a diminuição gradativa na qualidade do ensino, com contratos de no máximo dois anos. 

Aula Magna [Imagem: USP Imagens]

 

Diversidade e Inclusão

A USP, historicamente, é uma universidade elitista e conservadora. Foi criada em 1934 como uma ação reativa das elites oligárquicas do estado depois da derrota do movimento de 1932, que tentou recuperar a hegemonia paulista da República Velha, explica o professor Dennis. “Todos os elementos constituintes desta perspectiva oligárquica, entre eles o elitismo e o racismo, estão presentes no ideário de construção desta universidade”. 

Uma universidade reconhecida pelos avanços em pesquisas, mas também pela lentidão em atitudes sociais; uma das últimas Universidades a adotar o sistema de cotas raciais; só em 2020, pela primeira vez, expulsou um aluno por fraude desse sistema: a discrepância é visível em todos os patamares. Em um país em que mais da metade da população é negra, apenas 2,1% dos 5000 educadores da USP se autodeclaram pretos ou pardos. “Especificamente na Politécnica só conheço mais um professor negro além de mim em 425”, afirma o professor José.

USP é uma das últimas universidades a adotar as cotas raciais. [Imagem: Agência Brasil]
Thiago Torres, conhecido como “Chavoso da USP”, aluno de Ciências Sociais, relata que o tratamento com os alunos não é o mesmo. “Eu e todos os meus colegas negros e periféricos já passamos por discriminações racistas e elitistas, assim como sofremos e/ou presenciamos tratamentos diferenciados devido ao gênero e à sexualidade. Às vezes essas discriminações são veladas, às vezes nítidas”.

Danilo Silva, único professor indígena da USP, comenta que o perfil dos alunos tem mudado com a introdução das cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI), mas pensa que essa diversidade precisa ser ampliada com um vestibular indígena, tal como foi implementado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2018.

O docente médio da USP é um homem branco cisgênero, heterossexual e de meia idade. Para Gabrielle, a falta de pluralidade e representatividade é um mero reflexo dos séculos de opressão contra qualquer um que não tivesse esse padrão social. A professora defende que medidas sejam tomadas em prol de aumentar a diversidade do corpo docente, como cotas para pessoas trans. “Afinal, es alunes precisam ver seus reflexos futuros nele. É muito difícil fazer parte de uma minoria e ter esperanças de ser bem sucedide quando isso não acontece”, analisa a professora trans.

“A Universidade de São Paulo ainda é, mesmo com as cotas, muito elitista”, declara a estudante Débora. Ela conta que se sentia deslocada intelectualmente porque não teve a mesma base de matemática, a qual não foi proporcionada pela escola pública. 

Em seu primeiro semestre, Thiago teve Estatística, no Instituto de Matemática e Estatística da USP e conta como se sentiu deslocado. “A professora sempre falava termos complexos, como se todos já os dominassem ou os tivessem visto no ensino médio/fundamental. Dava a impressão de que ela só estava falando com uma parte dos alunos, porque nós, das escolas estaduais, nunca tínhamos visto aquilo”.

Outra problemática são os casos de machismo na Universidade. Giovanna comenta que alguns professores fazem “piadas” misóginas no campus de Lorena. Marco Antônio diz que no ambiente da FEA muitas amigas sofreram assédio, sobretudo em festas e reuniões. Uma aluna da Esalq relata que já foi assediada por um professor e o viu fazer o mesmo com outras colegas. “O professor chega por trás enquanto a aluna olha o microscópio querendo ‘ensinar’”, desabafa a estudante.

protesto
Estudantes condenam machismo na Politécnica. [Reprodução: Youtube/ CEC Poli USP]
Ainda que a Universidade mantenha muitos desses tratamentos, Ana Tibério, coordenadora do DCE Livre da USP, comenta sobre o aumento de reinvindicações de mulheres, negros, pobres, periféricos, LGBTQIA+ nos últimos anos: “Estão ocupando a Universidade através de muita luta”. Ela ressalta o papel dos coletivos auto organizados de minorias e o movimento estudantil, pois acolhem e organizam esses estudantes, dando voz às pautas. “Ainda há muito o que se fazer para garantir uma USP efetivamente democrática, inclusiva e acolhedora”, conclui Ana.

 

Ensino à distância

“O primeiro semestre foi péssimo”, desabafa Bruno Vinícius, estudante do IME. Ele comenta o despreparo de alguns professores, visto que não estavam acostumados com  o modelo de ensino a distância. “Já no segundo semestre de 2020, os professores entenderam melhor a dinâmica do EAD”.

Esse cenário de ensino à distância, uma das consequências da pandemia, afetou os planos de muitos alunos. Thiago conta que não teve condições de seguir com as aulas online no primeiro semestre e excluiu todas as matérias que tinha ingressado. No segundo semestre, com condições melhores, inscreveu-se para apenas uma matéria. “Honestamente, sinto que não consegui absorver todo o conteúdo com qualidade”, revela Thiago.

Não só ele, como também 66% dos estudantes sentem que estão conseguindo estudar por EAD, mas de forma prejudicada, aponta o Relatório de ensino e da permanência na USP durante a quarentena do DCE Livre USP realizado com 6711 estudantes da Universidade. Giovanna relata a experiência cansativa do EAD, devido ao aumento de trabalhos, relatórios solicitados pelos professores e a necessidade de ficar praticamente o dia todo no computador.  

Adaptação ao ensino remoto. [Imagem: Agência Brasil]
Na perspectiva dos professores, Danilo afirma que recebeu algumas orientações da reitoria para as aulas durante a pandemia, visando adaptações importantes que introduziram, por exemplo, o uso de ferramentas computacionais para o teletrabalho. Porém, seguem dificuldades de adaptação entre docentes e estudantes.

Gabrielle informa que houve bastante diálogo entre es professores. No entanto, os auxílios que recebeu da Universidade foram pífios. “A impressão que tive é que era cada um por si. Eu me senti completamente abandonada. Não fosse por já ter uma certa intimidade com o mundo digital, teria estado completamente perdida”, manifesta a professora.

Por outro lado, José afirma que no caso da Escola Politécnica, a adaptação foi muito rápida, com cooperação entre professores, estudantes e de todos em conjunto. Ele indica um ponto positivo e um negativo: o número de atividades que permitiram a interação multidisciplinar aumentou muito, mas existiram dificuldades na organização dos alunos para as atividades online.

 

Auxílio e Moradia USP

Se já é complicado estudar de forma remota no conforto de casa, imagina assistir às aulas onde há falta de internet? Foi dessa maneira que moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (CRUSP) viveram por meses durante a pandemia.

Criado em 1963 para hospedar atletas dos Jogos Pan-Americanos, o CRUSP hoje é uma alternativa aos estudantes que moram longe e que não possuem condições financeiras para bancar uma hospedagem. Além do serviço gratuito, Bruno aponta também o benefício de morar perto da faculdade. “Antes de me mudar para cá eu gastava pelo menos seis horas por dia no transporte público”.

Em contrapartida, os alunos perdem na infraestrutura do local. “Não temos lavanderia desde abril de 2019, quando a única máquina de lavar pifou. Há um ano e quatro meses foram instalados novos fogões em bom estado, mas hoje estão sujos e sem as bocas, porque tem pessoas que furtam. Isso no meio da pandemia”, afirma Caio Santana, estudante de jornalismo e morador do CRUSP.

CRUSP
Cozinha do CRUSP [Imagem: Caio Santana / Arquivo Pessoal]
Uma alternativa para os 400 dos 1600 estudantes que permaneceram nas moradias são as marmitas do Restaurante da Química. Apesar desse auxílio, Bruno conta que há um consenso entre os moradores que a qualidade da refeição caiu muito durante a pandemia, com episódios de comida estragada e até mesmo “enferrujada”, com um parafuso junto. 

A assistência não se limitou à alimentação. Ter internet de qualidade e higienização constante são fatores que se tornaram mais essenciais durante a pandemia. Segundo os residentes do CRUSP, a USP ofereceu “kits de limpeza” com água sanitária, sacos de lixo, desinfetante, cândida, álcool em gel e máscara. 

A questão da internet foi árdua no começo. Caio comenta que no CRUSP tem salas de estudos equipadas com Wi-Fi, mas dentro do bloco não há conexão. Para solucionar o problema, a USP disponibilizou modems com internet com a opção de levar para a cidade de origem, caso o aluno prefira estudar fora do CRUSP. Além do modem de 60gb, Bruno relata que ganhou um notebook por meio do projeto do diretório do IME, no qual alunos doam aparelhos, como computador, tablets e celulares.

Em relação à segurança, desde o começo da pandemia aumentou o número de guardas no CRUSP que controlam o acesso. “Agora a gente finalmente tem todo dia alguém na portaria, 24h. Antes disso, em alguns dias não tinha funcionário, principalmente fim de semana e feriados”, afirma Bruno.

CRUSP
Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (CRUSP). [Imagem: Juliana Alves]
Ana Tibério destaca a pressão do DCE Livre da USP e dos demais estudantes que contribuíram para que a Universidade buscasse atender às demandas emergenciais. A flexibilização de regras acadêmicas como a obrigatoriedade de pré-requisitos, a facilidade com assistentes sociais por meio do Clique Social e o início da instalação de internet no CRUSP foram algumas das conquistas. 

 

Funcionários

Em plena pandemia, a decisão de retornar 20% dos funcionários técnico-administrativos para o trabalho presencial de forma compulsória foi tomada pela Universidade, e entrou em vigor no dia 6 de novembro sem o diálogo com o sindicato dos trabalhadores da USP (Sintusp). Uma das polêmicas do Plano USP foi a reformulação do “grupo de risco”, no qual inclui a volta de servidores com 60 anos ou mais que não apresentem condições clínicas de risco.

“Na minha visão foi muito mal feito”, desabafa Marina Macambyra,  servidora da biblioteca da ECA. Ela comenta que o plano atrapalhou a organização do teletrabalho. “Não foi possível abrir a biblioteca e emprestar livros porque tínhamos passado por uma reforma no meio da pandemia. Não estava tudo pronto”. Marina aponta ainda que essas medidas expõem muitos trabalhadores em risco, visto que o transporte coletivo é o principal meio de locomoção para a USP.

ECA USP
Escola de Comunicações e Artes [Imagem: Juliana Alves]
A pressão dos funcionários e do sindicato e o aumento de internações pela Covid-19 contribuíram para o recuo da USP na suspensão do retorno presencial de funcionários compulsoriamente. O regresso dos servidores passa a ser facultativo, a critério do dirigente de cada instituto ou faculdade.

Enquanto o trabalho se mantém de maneira remota, Marina explica que alguns colegas conseguiram auxílio tecnológico: “equipamentos que eram usados na USP, como computador e cadeira, puderam ser levados para suas casas”. No entanto, ela afirma que não recebeu apoio psicológico da Universidade.

“Existe uma relação de hierarquia. Funcionário muitas vezes é visto como inferior para os docentes e para os alunos. Muitos funcionários reclamam do desrespeito. Não somos tratados da mesma forma, somos colocados como de terceira categoria”, afirma Marina.

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