Lugar de óleo de cozinha usado não é a pia ou o lixo. Saiba como é possível reaproveitar o óleo e tudo o que pode ser feito a partir dele
Por Ana Luiza Tieghi (ana.tieghi@gmail.com)
O ato de reciclar não é nenhuma novidade, sempre ouvimos falar do reaproveitamento de papel, alumínio e plástico. Mas outro produto muito conhecido por nós também pode passar por esse processo: o óleo de cozinha.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), só no estado de São Paulo são consumidos anualmente 242 milhões de litros de óleo. O número nacional é ainda maior, no país todo são usados 3 bilhões de litros de óleo ao ano. Como não é consumido integralmente, o problema de onde descartar o óleo que restou das frituras é sério. A atitude mais comum dos consumidores é jogar o óleo usado na pia. Porém, esse gesto é errado e causa muitos transtornos. Quando jogado na rede de esgoto, o óleo pode se solidificar, aglutinar-se a outras partículas e entupir os encanamentos. Para se ter uma ideia de como isso é grave, 40% dos casos de entupimentos de tubulações são causados pelo óleo solidificado.
O desentupimento ou mesmo a troca desses canos custa caro e esse preço é revertido ao consumidor na tarifa de esgoto que consta na conta de água. O entupimento dos encanamentos também facilita a ocorrência de enchentes. Além disso, o óleo contamina a água. Segundo a SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), um litro de óleo contamina até 25 mil litros de água. Se o esgoto não passar por tratamento, e 62,1% do esgoto produzido no Brasil não passa (de acordo com dados do SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico – de 2010), o óleo contaminará também os rios que recebem o esgoto, causando danos consideráveis à fauna e à flora aquática.
Outro modo comum de descartar o óleo é jogá-lo no lixo doméstico. Essa atitude também causa transtornos ambientais, já que a maior parte do lixo produzido no país vai parar em lixões. O óleo, quando em contato com o solo, causa a impermeabilização deste, ou seja, dificulta a passagem de água até as camadas mais profundas da terra. Além disso, se houver um lençol freático sob o lixão, o óleo pode se infiltrar no solo e contaminar a água presente no lençol. O óleo também contamina o solo e quando entra em decomposição libera o gás metano, um dos principais responsáveis pelo efeito estufa.
Já deu pra perceber que o problema do descarte do óleo usado é realmente sério. Mais sério ainda é que, mesmo com todos esses problemas envolvendo o seu descarte, apenas 1% do óleo usado no Brasil passa por algum processo de reciclagem.
Destinos alternativos
O óleo de cozinha usado, ao ser reciclado, pode virar matéria prima para o biodiesel, para produtos químicos e para a fabricação de sabão. Esta última forma de reciclagem é a mais comum e costuma ser praticada em pequena escala, por famílias ou associações. Produzir sabão a partir do óleo de cozinha é fácil e resolve o problema de seu descarte. Quem não teve uma avó ou vizinha que recolhia o óleo e o transformava em sabão? Pois o processo tradicionalmente realizado pelas senhoras é praticamente o mesmo que é adotado por grandes associações de reciclagem. Para incentivar ainda mais essa prática, um dado é importante: o sabão produzido a partir do óleo reciclado é menos agressivo para o meio ambiente, já que possui origem orgânica e por isso se decompõe com mais facilidade.
Dona Joselita Oliveira Silva, moradora da comunidade Jardim São Remo, na Zona Oeste de São Paulo, é uma das pessoas que fazem a sua parte, dando um destino correto para o óleo de cozinha. A senhora guarda o óleo que consome e o que amigas e vizinhas lhe trazem para fazer com ele um sabão de coloração amarelada. Ela aprendeu a receita do óleo há muito tempo, com uma patroa antiga, e desde então segue realizando esse processo de reciclagem.
Duas instituições de destaque na reciclagem do óleo que atuam na Grande São Paulo são a ONG Trevo e o Instituto Triângulo. A ONG Trevo, localizada na Zona Leste de São Paulo, no bairro da Mooca, está no ramo da reciclagem de óleo há mais de 20 anos e possui uma associação com a SABESP para coletar óleo em condomínios. O material fica armazenado em galões de 50 litros que são disponibilizados pela ONG e, após serem recolhidos, são transformados em sabão e matéria prima para indústrias químicas. Eles coletam cerca de 250 toneladas de óleo por mês e além dos condomínios, atendem também diversos restaurantes, hospitais, empresas e clubes. A ligação com a SABESP deu tão certo que o projeto foi estendido para várias cidades, como Osasco, Registro, Itapetininga, Lins, Jales, Presidente Prudente e Pindamonhangaba.
O Instituto Triângulo também realiza o processo de recolhimento e reciclagem do óleo. Com o intuito de “incentivar e mobilizar a população que vive nos ambientes urbanos a adotarem atitudes sustentáveis em seu cotidiano”, a organização não governamental promove campanhas de conscientização do problema do descarte inadequado do óleo, mostrando como atitudes simples podem diminuir os prejuízos causados por esse material na natureza. Segundo Daniela Ribeiro, integrante do Instituto, atualmente eles contam com 27 voluntários e 11 colaboradores registrados e coletam aproximadamente 36 toneladas de óleo ao mês. Toda essa quantidade é transformada em sabão na Usina Verde, estrutura do Instituto responsável pela reciclagem. Em janeiro deste ano o IT lançou a campanha Junte Óleo, que promove a troca de óleo usado pelo sabão feito a partir dessa matéria prima. A cada dois litros de óleo levados aos pontos de troca, o participante recebe um kit com duas barras de sabão ecológico.
E não é só o meio ambiente que se beneficia da reciclagem do óleo de cozinha. Instituições que atuam no processo de transformação desse material, como a Trevo e o Instituto Triângulo, também beneficiam a comunidade que vive a sua volta.
A reciclagem e a venda do sabão gera renda para muitas famílias e promove inclusão social, ao garantir empregos registrados para membros das comunidades onde as organizações atuam. Além disso, fora do âmbito das grandes organizações, a produção caseira de sabão com óleo usado pode ser fonte de renda para qualquer família. Feito com materiais baratos, o sabão pode ser vendido e gerar lucro. Desse modo, a sociedade ganha duas vezes. Primeiro, com a reciclagem e o fim do descarte inadequado do óleo, segundo, com a geração de renda familiar.
A produção de biodiesel contendo óleo reciclado é mais uma forma de dar um destino diferente ao óleo de cozinha. Esse combustível funciona como qualquer outro tipo de diesel e ainda ajuda a diminuir as extrações de matéria prima fóssil da natureza. No Brasil, atualmente há uma demanda de 1,2 bilhões de litros de biodiesel por ano, o que significa que existe muito espaço para que a reciclagem de óleo cresça.
Fazer a sua parte é fácil
Alternativas para o descarte do óleo de cozinha não faltam. Mas para que a reciclagem seja realizada e cada vez maiores quantidades de óleo passem por esse processo, é necessário muito mais do que algumas ONGs e pessoas bem-intencionadas. É preciso conscientização da sociedade e ação por parte do poder público. Enquanto isso, faça a sua parte: após o uso, espere que o óleo esfrie e passe-o por uma peneira para que impurezas sejam retidas. Coloque-o em uma garrafa pet limpa e seca. Quando juntar uma boa quantidade, leve até um posto de coleta perto da sua casa. Serão vários litros de óleo a menos poluindo as águas e o solo.
Relembrando: