Todo início de ano, há uma coisa pela qual algumas pessoas anseiam: Academy Awards, ou Oscar, para os íntimos. O evento agrega aqueles filmes mais promissores e atraentes do ano e julga suas características técnicas, como efeitos, figurinos, trilha sonora, direção e atores. Mas o que torna a premiação mais fascinante é a reunião do mais alto escalão do cinema para receber os prêmios e, é claro, seus discursos de aceitação.
Há muitos momentos marcantes quando pensamos nos discursos que já passaram pelo Dolby Theatre, afinal, ganhar um dos prêmios mais renomados no mundo do cinema não é para amadores. No entanto, muitos artistas, no meio de todos os agradecimentos, lembram-se de outros assuntos a serem tratados – assuntos até mais importantes que o próprio cinema. Foram várias as vezes em que algum vencedor se posicionou a respeito de algum problema presente na sociedade, o que pode ser algo positivo quando se trata de um evento tão grande.
Para Luisa Chagas, fã da premiação e que busca acompanhar os vencedores das edições de cada ano, o artista é visto de forma mais humana quando chama a atenção para um problema social e, ainda, “chamam atenção para assuntos que talvez você nunca tenha ouvido falar.” Nessa reportagem, vamos reunir alguns dos discursos mais marcantes que fizeram parte da grande premiação.
Marlon Brando – 1973
No 45º Academy Awards, Marlon Brando merecidamente, ganhou o prêmio de melhor ator pelo filme O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972). A surpresa foi que o ator não estava presente para receber o prêmio. No lugar dele, subiu ao palco Sacheen Littlefeather, uma índia Apache que, em nome de Brando, recusou a estatueta. Em seu discurso, ela falou resumidamente que a razão da recusa era o modo como indígenas eram tratados pela indústria do cinema e pelos eventos em Wounded Knee, onde, no mesmo ano, membros do Movimento Indígena Americano protestaram contra a destruição de sua cultura.
Três dias após o evento, uma carta de Brando foi publicada no jornal The New York Times. Nela, ele falou das injustiças que o povo indígena vinha sofrendo há 200 anos nas mãos dos americanos, desde os assassinatos até a ocupação de suas terras. Ele ainda responsabilizou a indústria cinematográfica pela degradação da imagem dos índios em seus filmes. Marlon Brando foi o segundo ator a recusar um Oscar, depois de George C. Scott, que recusou a estatueta em 1970.
Dustin Lance Black – 2009
Vencedor do prêmio de melhor roteiro original pelo filme Milk (2008), Black comoveu o local com seu discurso. O roteirista falou como a história de Harvey Milk, protagonista do filme, foi importante para ele e como ela deu esperança de que algum dia ele viveria abertamente com sua sexualidade. Black ainda deu uma mensagem a jovens gays e lésbicas: “Vocês são lindas e maravilhosas criaturas de valor e que, independente do que falam, Deus ama vocês e que, muito em breve, eu prometo, vocês terão igualdade de direitos.”
Patricia Arquette – 2015
A atriz levou o prêmio de melhor atriz pela atuação em Boyhood – Da Infância à Juventude (Boyhood, 2014), filme que levou doze anos para ser produzido. Em seu discurso, ela chamou atenção para a igualdade de gêneros, ressaltando que era hora de as mulheres terem igualdade salarial e de direitos. O discurso foi intensamente aplaudido por Meryl Streep e Jennifer Lopez, mas não recebeu a mesma recepção em outros lugares. Nos bastidores, a atriz ainda disse que era o momento de todas as mulheres, gays e pessoas não brancas lutarem pela causa que ela defendia.
Tal comentário gerou polêmica principalmente nas mãos de Amanda Marcotte. A blogueira apontou em um texto o fato de que, dentro da comunidade LGBTQ+ e das pessoas não brancas as quais Patricia se refere, há mulheres também. Amanda ainda disse que a atriz desconsiderou toda a luta dessas mulheres no movimento feminista e terminou seu texto com uma frase forte: “Solidariedade não é somente para mulheres brancas.” Mesmo diante de todas as polêmicas, o discurso não deixou de lado sua importância na sociedade.
John Legend e Common – 2015
Levando o prêmio de melhor canção original pela música Glory, do filme Selma (2014), os dois compositores subiram ao palco e enfatizaram a memória do movimento negro dos Estados Unidos. Common iniciou o discurso retratando a importância da ponte Edmund Pettus – retratada no filme – e como ela é um símbolo de mudança. A ponte é conhecida pelas marchas em favor ao direito de voto, em 1965, nos Estados Unidos. Logo após, John Legend apontou que os eventos que ocorreram em Selma há 50 anos são ainda atuais e deu o exemplo do sistema carcerário estadunidense: segundo o cantor, há mais homens negros condenados atualmente do que escravizados em 1850.
Alejandro Iñarritu – 2016
O mexicano levou o prêmio de melhor direção pelo filme O Regresso (The Revenant, 2015). Ao aceitá-lo, mencionou uma cena do filme em que a personagem principal, Glass (Leonardo DiCaprio), diz a seu filho mestiço (Forrest Goodluck): “Eles não te escutam, só veem a cor de sua pele”. Ele finalizou dizendo o quão bom seria se a humanidade deixasse de lado o preconceito e a cor da pele fosse tão irrelevante quanto “o comprimento de nossos cabelos.” Nos bastidores, Iñarritu ainda ressaltou que esse preconceito não termina só entre brancos e negros, mas entre várias outras raças e que essa diversidade é muito mais complexa do que parece.
Leonardo DiCaprio – 2016
O ator — finalmente — ganhou o Oscar de melhor ator por seu papel em O Regresso. Ele aproveitou o momento para falar de algo um tanto diferente, mas importante: mudanças climáticas. DiCaprio alertou sobre a realidade do problema e acentuou a necessidade de apoiar líderes que estivessem de acordo, não com poluidores, mas com a humanidade em geral. Ele ainda destacou como as populações indígenas e as pessoas sem privilégios sofrem mais com a degradação do meio ambiente.
Frances McDormand – 2018
Vencedora do prêmio de melhor atriz pelo filme Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017), McDormand emocionou em seu discurso. Ela pediu para que todas as mulheres indicadas às categorias do Oscar se levantassem e falou para as pessoas olharem ao redor, dizendo que todas lá tinham projetos e ideias que podiam ser discutidos. De forma concisa, terminou o discurso com duas palavras: Inclusion Rider. Essa expressão diz respeito a uma cláusula que os filmes têm para que haja um mínimo de diversidade, tanto no elenco como na produção. Nesse sentido, o encerramento do discurso, mesmo que curto, carregou muito significado e reflexão para projetos futuros.
por Mariana Cotrim
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