No último dia 20 de setembro, o Itaú Cultural gravou mais um programa da série Jogo de Idéias, que será veiculado no canal do youtube da iniciativa. Nessa edição o apresentador, Claudiney Ferreira, entrevistou três grandes diretores do cinema brasileiro: Laís Bodanzky, de O Bicho de Sete Cabeças (Idem. Brasil. 2001.), Melhores Coisas do Mundo (Idem. Brasil. 2010.), Suzana do Amaral, de A Hora da Estrela (Idem. Brasil. 1985.), e Cacá Diegues, Bye Bye Brasil (Idem. Brasil. 1979.), Deus é Brasileiro (Idem. Brasil. 2003.).
Os três entraram para o mundo da sétima arte de formas bastante diferentes. Suzana conta que se apaixonou pelo cinema desde a primeira vez que foi ver a telona, com apenas sete anos. Porém só foi trabalhar depois de criar nove filhos e cursar cinema na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP e mais tarde na New York University (NYU).
Já Laís foi apresentada a esse universo pelo pai cineasta, Jorge Bodanzky. “Nunca fui cinéfila, eu gostava do fazer cinema”. Primeiro, decidiu se dedicar ao teatro e entrou para o Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) do diretor Antunes Filho. A experiência foi importante para ajudá-la a entender a concepção de um espetáculo e a influenciou muito na decisão de seguir os caminhos do pai.
Com Diegues foi o oposto. Cinéfilo antes de tudo, fez parte de cineclubes cariocas durante a faculdade e foi assim que conheceu a turma com quem acabou criando, no fim da década de 50, o movimento Cinema Novo. Ele conta, rindo, que o objetivo do grupo era bastante simples “Eram 3 pontos: mudar a história do cinema, a história do Brasil e a história do mundo”.
Sobre o processo de direção, disseram ser um trabalho muito solitário. “Ninguém sabe a solidão que o diretor está passando”, comenta Laís. O filme, é claro, depende de diversas pessoas, porém “o diretor faz as escolhas”. “É um centralismo democrático, eu ouço todo mundo, mas a decisão é minha”, diz Cacá.
Sobre as técnicas de filmagem, Bodanzky destaca o desafio de fazer cada cena, pois elas exigem técnicas diferentes. Os exemplos em sua carreira são As Melhores Coisas do Mundo filmado quase unicamente em câmeras fixas, com cenas gravadas de diversos ângulos, repetidas diversas vezes. Já O Bicho de Sete Cabeças, por sua vez, tem diversos takes em câmera solta e cenas feitas com poucas repetições.
Relação com os atores
Quando o assunto é a direção dos atores há consenso: uma relação próxima aos intérpretes é essencial. Eles contam que as vezes o contato com o protagonista pode levar até 6 meses antes de iniciar as filmagens, pois o ator tem que ser um parceiro confiável, além de combinar com o papel interpretado.
Já o melhor processo de seleção e o modo de dirigir geram divergências. Suzana não faz testes, jamais entrega roteiro para os atores e fica cerca de três meses apenas conversando, sem fazer ensaios. Seu intuito é que o subtexto do personagem aflore no ator a partir de provocações que ela faz durante as conversas. “No momento em que o ator decora, acabou tudo.” Para ela é importante deixar os atores criarem na cena e por isso os incentiva de modo que a criatividade de cada um incremente a cena, porém guiando-os para que ela fique como o planejado. “Não sou diretora de trânsito, não tem ‘entre por essa porta, levanta, senta, ri’. Eu sou diretora de emoção”.
Já Lais costuma fazer diversos testes, envia o roteiro para a maioria dos atores e também faz ensaios. Mas principalmente nos treinos, ela prefere trabalhar os entornos e o subtexto da história, assim não se atendo muito ao texto e usando-o apenas como um guia.
Para Cacá é importante manter a personalidade dos atores, pois ele acha impossível colocar uma personagem em um ator. “É possível mudar a biografia daquela pessoa, a biografia passa a ser da personagem, mas a personalidade continua sendo dela. Por isso eu escolho a pessoa”. Seu trabalho é dar condições para que o trabalho deles seja o melhor possível, pois cada ator modifica o filme fazendo com que o diretor passe a servi-lo e não o contrário.
Adversidades da realização
Apesar de todo esforço do diretor, “o cineastra não é Deus” como diz Cacá, e existem diversos obstáculos ao fazer um filme que vem para o bem ou para o mal. Os convidados divagaram sobre algumas cenas de seus longas, contando um pouco sobre como foi realizá-las e como contornaram alguns desses problemas.
Laís Bodanzky quando foi gravar a ‘cena dos ovos’ do Melhores Coisas do Mundo, disse que odiava a cena no roteiro, queria tirá-la a todo custo porque a achava brega e piegas. Porém, na pré-produção, durantes as leituras do texto com o público jovem ela percebeu que era cena a favorita dos adolescentes.
Assim Laís aceitou a ideia de filmá-la e se esforçou o máximo para deixá-la o mais convincente possível. Abandonou as câmeras fixas e decidiu por uma câmera solta, mas o essencial foi a ajuda dos atores, Franscisco Miguez e Denise Fraga. Por fim, Lais gostou tanto do resultado que não hesita em afirmar: “Foi a melhor cena que eu já fiz”.
Cacá Diegues, por sua vez, sofreu diversas dificuldades para filmar Quilombo, em 1984. O longa, segundo ele, deveria ser simples de gravar, ainda mais com o financiamento da empresa francesa Gaumont. Porém choveu na locação durante 6 meses sendo que as filmagens eram todas externas. Assim, o que era para ter sido terminado em 10 semanas se prolongou para 24.
Apesar das adversidades, todos adoram a profissão escolhida. E recomendam para aqueles que queiram seguir esse caminho: paciência, tesão e obsessão.
Sophia Kraenkel
sokraenkel@gmail.com