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“Dentro da noite veloz”: há esperança de vida após a noite

Imagem: Audiovisual / Jornalismo Júnior Por Bianca Muniz | biancamuniz@usp.br Publicado pela primeira vez em 1975, o livro “Dentro da noite veloz”, do poeta maranhense Ferreira Gullar, foi relançado em 2018 pela Companhia das Letras. A obra reúne poemas escritos entre 1962 e 1975, contando com produções do momento em que o poeta esteve exilado na Argentina, …

“Dentro da noite veloz”: há esperança de vida após a noite Leia mais »

Imagem: Audiovisual / Jornalismo Júnior

Por Bianca Muniz | biancamuniz@usp.br

Publicado pela primeira vez em 1975, o livro “Dentro da noite veloz”, do poeta maranhense Ferreira Gullar, foi relançado em 2018 pela Companhia das Letras. A obra reúne poemas escritos entre 1962 e 1975, contando com produções do momento em que o poeta esteve exilado na Argentina, atravessando parte da Ditadura Militar. Os poemas versam sobre temas como a desigualdade social, a efemeridade do tempo e o fazer poético. Por esse motivo, há um alto teor político e engajado na poesia gullariana, sem se esquecer do lirismo.

“Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo

a vida

que é cheia de crianças, de flores

e mulheres, a vida,

esse direito de estar no mundo,

ter dois pés e mãos, uma cara

e a fome de tudo, a esperança.

Esse direito de todos

que nenhum ato

institucional ou constitucional

pode cassar ou legar”

Esses versos, presentes no poema “Maio 1964” resumem o que se trata o livro: uma ode à vida enquanto esta se encontra ameaçada em meio ao Regime Militar. Talvez pelo perigo que a Ditadura oferecia a algumas classes, a fome de vida é lembrada em muitos textos, como em “A vida bate”, por exemplo, em que o eu lírico conta sobre a presença de vida sufocada nas cidades “movidas a juros”.

Os textos trazem sentimentos conflitantes entre si. Se por um lado, temos um eu lírico de postura derrotada frente a situação política e social brasileira — como em “Voltas para casa”, que termina com versos desanimadores— , por outro, o poeta apresenta um olhar esperançoso, que convida o leitor a lutar, coletivamente, por um novo amanhã. No poema “Maio 1964”, o eu lírico revela a motivação criada pela luta comum, assim como no poema “Homem comum”.

Versos finais de “Voltas para casa”. O poema parece mostrar o que acontece ao ficar estagnado em uma falsa impressão de normalidade.
Trecho do poema “Homem comum”

O livro também é uma reflexão sobre o “fazer poesia” na época. Em alguns textos, o poeta questiona o papel do escritor diante de uma sociedade desigual e critica a poesia que “não fede nem cheira”, mais preocupada com a exaltação do passado do que com o presente e seus problemas sociais, o preço dos produtos e as relações trabalhistas. Como dito em uns dos versos do poema “Boato”, “Como ser neutro, fazer/ um poema neutro/ se há uma ditadura no país/ e eu estou infeliz?”

Últimas estrofes do poema “O açúcar”.

NÃO HÁ VAGAS

O preço do feijão

não cabe no poema. O preço

do arroz

não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás

a luz do telefone

a sonegação

do leite

da carne

do açúcar

do pão

 

O funcionário público

não cabe no poema

com seu salário de fome

sua vida fechada

em arquivos.

Como não cabe no poema

o operário

que esmerila seu dia de aço

e carvão

nas oficinas escuras

 

— porque o poema, senhores,

está fechado:

“não há vagas”

 

Só cabe no poema

o homem sem estômago

a mulher de nuvens

a fruta sem preço

 

O poema, senhores,

não fede

nem cheira

 

Em “No corpo”, o poeta lembra a inutilidade de se fazer poesia de tempos passados e felizes, enquanto a poesia é o presente.

noite veloz”. Em poucas páginas, vê-se versos rimados e ritmados, estruturados em estrofes regulares, ou poemas sem uma métrica definida e com versos livres. Isso também se reflete no tamanho dos textos, alguns formados por uma única estrofe com quatro versos, outros ocupando mais de cinco páginas do livro (como o poema que intitula a obra).

A leitura do conjunto nos dias de hoje traz uma golfada de esperança. Apesar da noite implacável, ainda há um amanhã em que podemos lutar, armados com confiança e poesia.

Estrofe do poema “Boato”

 

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